O concerto de ontem nas Dores / Todos os Pecados Perdoados

A Pequena Missa Solene é o principal “pecado da velhice” de Rossini

Ontem, às 19h30, houve um especialíssimo concerto na Igreja das Dores. A obra apresentada foi a Pequena Missa Solene, de Rossini. Tinha missa antes, e o padre fez atrasar o concerto. O público do concerto ficou lá fora, esperando sob imenso calor; Afinal, nossa religião é outra, é a da música. A apresentação foi muito boa, com destaque para o mezzo-soprano Angela Diehl, o baixo Daniel Germano, o coral Madrigal Presto e a dupla Olinda Alessandrini e Fernando Cordella, no piano e no órgão. Impressionou-me de forma muito forte o Agnus Dei, muito bem conduzido pelo regente João Paulo Sefrin.

Abaixo, deixo uma história que, de forma muito particular, descreve esta obra de Rossini. Deixei os comentários do post original, apenas acrescentando esta introdução.

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Todos os Pecados Perdoados

A Fernando Monteiro

Eu estava estudando na Itália, mas o tema de maior interesse, aquele sobre o qual me debruçava com verdadeira afeição, era Antonella, minha pequena e saltitante romana. Um dia, tivemos uma discussão acerca de algumas grosserias que, segundo ela, eu cometera, e ela rompeu nossa ligação.

Dias depois, telefonei-lhe e convidei-a para assistirmos à Pequena Missa Solene de Rossini, que estaria sendo apresentada na Parrocchia dell’Assunzione, no Tuscolano. Depois de alguma hesitação e surpresa – ela não esperava uma ligação minha, ainda mais sem referências a nosso impasse -, ela aceitou. Antonella amava a música de tal forma que eu não tinha como saber se a aceitação do convite significava um perdão ou a mera impossibilidade de recusar a missa de Rossini.

Caminhamos lado a lado, sem nos tocarmos. Tive todo o cuidado em ser verbalmente o mais gentil com ela, já que as circunstâncias não permitiam nada além. Quando a Missa começou, ela se riu. Disse em meu ouvido que achara engraçada a pobre instrumentação que Rossini utilizara. Passaram-se alguns minutos e notei que Antonella estava muito emocionada. Abracei-a e ela apoiou sua cabeça em meu peito. Enquanto lhe acariciava o rosto, sentia suas lágrimas molhando meus dedos. Soube que estava perdoado.

Rossini começou a escrever música muito jovem. Era prolífico e compunha, em média, duas óperas por ano. Então, aos 37 anos – enfadado do freqüente contato com cantores temperamentais e diretores de teatro ainda piores -, parou de trabalhar seriamente com música, tornando-a um divertimento pessoal. Riquíssimo e célebre, dedicou-se ao lazer e a um irônico e gentil convívio com todos, itens nos quais era mestre. Costumava promover freqüentes festas em sua casa. Ali, bebia-se champanhe, vinho, comia-se esplendidamente e ouvia-se música. Às vezes, Rossini apresentava ao piano peças de um certo compositor anônimo… O compositor ressurgiu surpreendentemente aos setenta e poucos anos publicando duas extraordinárias peças sacras – o Stabat Mater e a Petite Messe Solennelle (Pequena Missa Solene) -, além de peças para piano. Tais obras foram agrupadas sob o título genérico de Péchés de vieillesse.

Fomos a meu apartamento, onde nos amamos e dormimos como fazem os casais. Quando acordei, não vi Antonella. Havia somente um bilhete em italiano sobre meu criado-mudo. Meu amigo, fomos engolfados por um dos “pecados da velhice” de Rossini. O que aconteceu não tem nada a ver com nossa situação. Não me procure mais. Antonella.

Nunca mais vi minha pequena Antonella. Porém, ontem, recebi de um amigo uma gravação da missa de Rossini. Comecei a ouvi-la, mas logo interrompi a audição por pudor. Deixei todos dormirem para religar o aparelho de som. Então, enquanto minha mulher dormia, ouvi toda a gloriosa Missa, imóvel, sentado no escuro, sentindo a presença de minha adorável Antonella e de uma outra vida perdida.

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A fundação da Sociedade Bach Porto Alegre

Ontem à noite, no StudioClio, durante um bem-humorado e civilizadíssimo evento, com direito a excelente música e cerveja da melhor qualidade — a Coruja, de Teotônia — , foi fundada a Sociedade Bach Porto Alegre. Havia por volta de 80 pessoas. Analisando retrospectivamente, acho curioso o contraste entre a alegre algaravia dos intervalos e o respeitoso silêncio que acompanhou as apresentações.

Em meio às peças de Bach, que tiveram como destaque as notáveis participações de Olinda Alessandrini, Josias Matschulat (!) e Artur Elias Carneiro, foi lavrada a ata de fundação, posta à fórceps no horroroso formato apreciado pelos cartórios. O presidente Francisco Marshall tinha caprichado no leiaute. Tudo inútil. Foi obrigado a tirar as novas linhas e parágrafos, deixando a coisa em formato de tijolaço.

Considerei natural meu ingresso na diretoria provisória da incipiente entidade. Afinal, todos sabem que “Bach” significa “Ribeiro” em português. Faço o maior esforço para crer que tal fato NÃO SEJA uma coincidência.

(!) Não parece ser um asterisco e não é, mas o que posso fazer se esta exclamação nasceu com espírito de rodapé? Ver a Olinda arrasar é algo rotineiro, mas o espetacular Concerto Italiano do jovem Josias deixou o coinesseur PQP Bach arrepiado, conforme confissão ouvida à saída do Clio.

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