Não vou contar o filme, certo? Filme de suspense não se conta e a Caminhante me mataria.
Também não li a tal trilogia Millennium de Stieg Larsson e nem lerei. É um fenômeno de vendas e penso que não tenho tempo para coisas provavelmente perecíveis. Mas vi o filme e fiquei apaixonado pelas possibilidades da personagem Lisbeth Salander — protagonizada pela excelente Noomi Rapace — , a genial hacker que acompanha o jornalista Mikael Blomkvist (Michael Nyqvist) na sua tentativa de descobrir quem matou Harriet. É uma personagem muito moderna e sua postura expressa mais do que laudas ou manuais explicativos. Lisbeth é ressentida e agressiva, mas o que efetivamente interessa a mim é o fato de que ela se nega a falar de si. É um paradoxo, pois tudo o que há no filme é sua figura, de cuja biografia somos informados indiretamente. A montagem do quebra-cabeça Lisbeth Salander vai pouco a pouco tomando conta do filme. Sabemos pouco do jornalista (e nem nos interessa saber), ao passo que sabemos tudo a respeito de quem não fala nada. Mas acabo de descobrir que não sou nada original. Na Europa há até uma lisbethmania… Bem, voltemos a nosso tema.
Cheia de tatuagens e piercings — o nome do filme nos EUA é The Girl With the Dragon Tattoo — , Lisbeth Salander é a mais enigmática e clara personagem da trama. Trata-se de uma intensa punk revoltada, antissocial, com corpo de criança, teimosa e silenciosa. É estranho que alguns comentaristas tenham se atrapalhado e reclamado das cenas de entre Lisbeth e seu curador. Elas são absolutamente fundamentais para caracterizar a personagem da qual precisamos saber tudo, inclusive o motivo da curatela. Dona de um sentido de justiça primário, ela é um resultado muito caótico de nosso tempo e mais não devo dizer.
O filme é um charmoso Who done it? com todos os clichês habituais e um final alongado e desnecessário, porém demonstrativo de que a lentidão do cinema europeu pode não prejudicar uma narrativa deste gênero, ao contrário. Os homens que não amavam suas mulheres é muito europeu no tratamento e construção das personagens, apesar de tratar da violência, da corrupção e da indiferença, temas caros aos cinema americano. Longe das qualidades do filme de Antonioni, não há poucos ecos de Blow-up na trama. E mais não devo dizer. Um amigo que leu o livro ficou muito surpreso com a fidelidade deste ao livro. Mais um motivo para não lê-lo… E mais não devo dizer.
Obviamente, os estúdios de Hollywood já compraram os direitos de refilmagem. Leio que há uma verdadeira guerra pelo papel de Lisbeth: a atrizinha com cara de quem comeu e não gostou Kristen Stewart (de, argh, Crepúsculo), a bonitinha Ellen Page (de Juno) e a inglesa Carey Mulligan (de Educação) brigam pelo papel. Posso garantir desde já que nenhuma terá o impacto de Noomi Rapace pelo simples fato de que a qualidade da produção está no modo filmar e na postura daquele bando de europeus tranquilos e “educados”. E mais não devo dizer.