Mônica Salmaso tem o melhor CD de 2014

Mônica Salmaso tem o melhor CD de 2014

Após equivocar-se lamentavelmente numa questão sobre o crossover porto-alegrense há duas semanas, o jornalista de ZH Juarez Fonseca voltou a seu nível habitual fazendo publicar neste sábado uma bem fundamentada lista de melhores discos de 2014. Ele convocou uma série de críticos da área que chegaram à conclusão de que Corpo de Baile foi o melhor CD de 2014. Ganhou fácil, alcançando o dobro de votos dos segundos colocados. Fiquei feliz com o resultado, ainda mais considerando o grupo de votantes e mais ainda se pensar que comprei somente um CD de música popular em 2014 e este foi exatamente Corpo de Baile, de Mônica Salmaso. Pois é, não acompanho muito os lançamentos não eruditos.

(Fiquei também satisfeito ao ver a presença de meu amado Beck dentre os melhores do ano. Vou atrás de Morning Phase).

Corpo de Baile é um CD sensacional formado por 14 canções compostas pelos veteranos Guinga e Paulo César Pinheiro. Os arranjos são camarísticos e luxuosos, incluindo quarteto de cordas, violões, viola caipira, piano, madeiras e metais, além de baixo acústico e percussão. São assinados por gente como Dori Caymmi, Tiago Costa, Nailor “Proveta” Azevedo, Teco Cardoso, Luca Raele, Nelson Ayres e Paulo Aragão.

Mônica Salmaso e Guinga
Mônica Salmaso e Guinga

Mônica Salmaso é uma cantora sofisticada e que não faz concessões ao fácil. Não é uma cantora “pra cima”, não levanta o povo, mas é capaz de deixar uma plateia hipnotizada com sua técnica e musicalidade. Alguns destaques de um disco fantástico são o fado Navegante, a indígena Curimã, mais Sedutora e Fim dos Tempos. Boto a primeira e a última abaixo.


Tive duas vezes o prazer de ver Mônica Salmaso em ação — a primeira vez em Paraty, cantando músicas de seu repertório pré-2006, e a segunda no Theatro São Pedro de nossa leal e valerosa, interpretando exclusivamente Chico Buarque. Na primeira vez, em Paraty durante uma Flip, fui falar com ela após penar numa longa fila de autógrafos. Naqueles minutos em que esperei pensei em dizer algo marcante a ela, que é uma mulher comunicativa e simpaticíssima. Foi um considerável trabalho para meu limitado cérebro. Pensei ter encontrado a solução quando ecoei uma frase de Adoniran Barbosa que Mônica recém dividira de forma brilhante, conseguindo que sua tristeza e humor ficasse longe do patético, permanecendo dentro do habitat poético que merecia. Resumi e decorei direitinho o que devia dizer e, quando entreguei-lhe o CD para a assinatura e depois de dizer meu nome, despejei meu discurso. O efeito foi monumental. Ela se levantou subitamente como se o botão de eject tivesse sido abruptamente acionado, deu a volta na mesa e lançou-se sobre mim num daqueles abraços em que a gente fica balançando como se fosse um João Bobo. Parecia um reencontro de velhos amigos, separados há uma década.

— Ai, que felicidade ouvir isso. Aquele trecho é dificílimo, é o centro, o cerne da música e foi o maior trabalho entender como devia ser cantada. Fiquei anos tentando! Você é músico?

Na época, eu ainda não sabia que era um blogueiro recalcado e desqualificado, então respondi que era apenas um melômano.

E ficamos conversando por alguns minutos, pouquíssimos para mim e longos para o resto da fila, que ficou comentando quem era aquele cara que tinha alugado a Mônica… Depois lhe disse rindo que viera a Parati só para ouvi-la. Ela deu uma gargalhada:

– Ô gaúcho mentiroso. Você veio pra FLIP!

É.

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OSPA, Yamandu e Música Brasileira

O compositor e pianista Dimitri Cervo

A gente aqui é muito chique. Como o titular do espaço resolver ver a peça Deus da Carnificina — uma de suas preferências absolutas — terceirizamos a resenha do Concerto da Ospa de ontem  à noite com alguém que conhece muito mais. Não se acostumem, eu voltarei! Sim, o texto a seguir é de Dimitri Cervo, convidado por nós para escrever acerca de um concerto que, pelo visto (ou lido), foi ótimo. Agradeço ao Dimitri por ter concordado tão pronta e simpaticamente com nossa proposta. Aproveito também para me desculpar pela ligação que o tirou da cama, fato que só fui descobrir após lê-lo. Ah, a Ospa apresentará o mesmo programa de ontem na segunda-feira que vem, só que no Teatro Solis, em Montevidéu. Eu não disse que estamos chiques hoje? Com vocês, Dimitri Cervo:

Chego às 20h15 para o concerto da OSPA de ontem à noite, fila no pórtico da Assembléia Legislativa, ingressos esgotados. Após certa apreensão, pelas 20h30 as cerca de 70 pessoas que ficaram de fora são gentilmente convidadas a se acomodar “onde for possível.” Todos entram satisfeitos, com o aquele espírito de imagina-perder-esse-concerto-tchê! Olho ao redor, Assembléia Legislativa lotada, público animado e diversificado, alguns até com mate em punho e ainda consigo sentar bem no meio da sala, enquanto que a maioria se acomoda nas escadas laterais.

O concerto começa, música sublime de Carlos Gomes pairando no ar, José Maria Florêncio consegue extrair o máximo dessa obra prima: Alvorada, de Carlos Gomes. Logo entra Yamandu Costa, violão na mão, jeito “amandueiro”, um pouco levado, de alpargatas e bombacha. Ele é o solista da Fantasia Popular, obra sua em parceria com Paulo Aragão, que teve sua gênese em 2008 e desde então tem sido apresentada no Brasil e no exterior. Os três movimentos fluem maravilhosamente. No final, Yamandu, muito aplaudido, volta para um bis, com a excelente Bachbaridade, uma síntese musical e fonética e do espírito irreverente desse grande artista.  Muito ovacionado, coloca o violão acima de sua cabeça, ofertando-o a platéia, simbolizando um “me coloco a serviço desse instrumento e da música”. Grandiosidade e humildade em um mesmo ser.

Falando com Aragão, soube que o processo criativo dessa obra representa o amadurecimento de uma relação artística de mais de uma década.  Yamandu lhe passou em gravação inúmeras ideias musicais, e aos poucos elas foram sendo anotadas e modeladas em conjunto por esses dois vizinhos em Botafogo, tomando a forma final nessa excelente obra em três movimentos, em que a expressividade e virtuosidade do violão brasileiro de Yamandu são tão bem balanceadas com os recursos orquestrais.

Na segunda parte José Maria Florêncio voltou a demonstrar porque é um dos maestros brasileiros mais conceituados no mundo. Sua singular e precisa concepção da Bachianas Brasileiras nº 4, de Heitor Villa-Lobos e da contagiante Suíte Sinfônica nº 2 – Pernambucana, de César Guerra-Peixe fecharam a noite em grande estilo

Após o concerto, ainda tive a honra de partilhar do jantar com Yamandu, Paulo, Florêncio, Tiago Flores e Elisa Cunha. Depois, a grande e boa armadilha do Yamandu, “vamos em algum lugar para uma saideira”. Foi um privilegio trocar ideias com Yamandu, Florêncio e Aragão madrugada adentro, as riquezas que brotaram desse encontro jamais poderá ser reproduzida em palavras. Para resumir, a saideira só terminou na hora de Yamandu ter que ir para o aeroporto, para outro compromisso sinfônico, agora com a Sinfônica Brasileira. E eu que esperava poder dormir um pouco mais hoje, fui despertado com o Milton Ribeiro ao fone. Já que ele não pode ir ao concerto me pediu essa resenha. Fiz o que pude, mas para capturar algo do essencial que aconteceu em música no concerto, e no palavreio do pós-concerto, só um escritor escrevendo um livro, ou um compositor criando música.

Dimitri Cervo — www.dimitricervo.com

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