Não sou pessimista. Apesar de tantos problemas e desassossegos, não penso que o mundo esteja andando para trás. Mas houve coisas que certamente pioraram muito — refiro-me especificamente às artes populares, principalmente o cinema e a música do dia-a-dia. Por exemplo, durante o Festival da Record, cujos resultados mostro abaixo, eu tinha dez anos. Lembro que nós, lá em casa, fazíamos apostas. Minha irmã, em seus adolescentes 15 anos, era uma adoradora — é até hoje — de Edu Lobo, enquanto suas colegas só tinham olhos para Chico Buarque. (Aliás, ela devia ser do contra, tanto que amava George Harrison, não Paul McCartney ou John Lennon). Mas não tergiversemos: o Festival ocorria numa sexta ou sábado à noite e nós víamos o VT dias depois, mas antes da próxima “rodada”, a qual ocorria no fim-de-semana seguinte. Então, lembro de um sábado ou domingo pela manhã que entrei correndo no quarto da Iracema para berrar-lhe que ouvira a novidade no rádio. Na noite anterior, Edu Lobo vencera novamente o Festival da Record. Foi uma das raras vezes que a vi acordar bem-humorada.
O Festival da Record e o FIC mobilizavam o país e o que me deprime é que se tratavam de músicas populares de primeiríssima linha — coisa que não acontece mais hoje, pois popular é a Valesca “Beijinho no Ombro” Popozuda, não Yamandú Costa ou Hamilton de Hollanda ou Mônica Salmaso ou Guinga, por exemplo.
E aí está a apresentação de Edu Lobo defendendo sua composição. Mesmo com o som ruim, mesmo com a gritaria geral, fica clara a irrepetível mistura de ritmos nordestinos com Stravinsky, ídolo maior de Edu. É para se ouvir de joelhos.
Tremenda injustiça sofreu nosso ex-ministro. Gilberto Gil era um rapaz todo redondo e veio com a esplêndida e igualmente original Domingo no Parque, devidamente polida por Rogério Duprat e com a presença irreverente de um trio desconhecido de maluquetes — Os Mutantes. Não fosse Edu, era para ganhar. Era a minha preferida.
Mesmo bonito e com o apoio do público, Chico não poderia fazer nada contra as duas campeãs. As canções adversárias eram obras de exceção. Sobrou um mui digno terceiro lugar para Roda Viva, a absolutamente preferida de meu pai.
http://youtu.be/HRFw5u5wR4c
Caetano Veloso ocupou o quarto lugar com Alegria, Alegria, uma canção que marcou época e deu nome a um time de futebol amador onde eu brinquei algumas vezes: a AAAA (Associação Atlética Alegria Alegria…).
Naquele mesmo festival aconteceu um escândalo. Sérgio Ricardo veio com uma música bem ruinzinha e, quando foi reapresentá-la, o público vaiou tanto que ele simplesmente não conseguiu cantá-la novamente. Então, ele gritou, sapateou de raiva e acabou quebrando seu violão no palco. Depois, completou a obra lançando-o à plateia. Concordo que o público foi intolerante para com o artista, mas confesso a vocês que foi lindo de ver!
Por que caímos tanto? Acompanhando de longe a cena do rock e do pop, não vejo uma decadência tão grande fora do país. A música dos franceses sempre foi fraca, mas, quando estava em Londres, ouvia as canções que tocavam nos pubs. Não havia nenhum Led Zeppelin ou Beatles, mas o que ouvíamos eram coisas bem feitas, originais e vivas. Lá há criatividade e potência, por assim dizer. O que aconteceu conosco? Faltam universidades de música popular? O pessoal bom não chega a ser conhecido porque a indústria só se interessa pelo lucro rápido? Os caminhos estão mesmo cortados? A qualidade genética do país simplesmente caiu? Ou trata-se de mais um reflexo da falência de nosso sistema educacional? Sei lá.
Texto de 2010 que cortei, cortei, cortei e corrigi.