Vocês ainda não viram nada

Vocês ainda não viram nada
Vocês ainda não viram nada…

Ontem, após um piquenique na Redenção, fomos assistir dois filmes assim de enfiada no Guion — mania de minha cara-metade, para a qual um filme só é como se ficasse apenas nos aperitivos. Revi Nota de Rodapé, o qual minha amada ainda não vira e vi Vocês ainda não viram nada, nova provocação estética e narrativa do mestre Alain Resnais. O filme, garanto-lhes, é maravilhoso, indo buscar seu material na história clássica de Orfeu. Sem spoilers: um autor e diretor teatral fez duas montagens de sua peça Eurídice. Quando morre, ele convida os atores que participaram delas para assistirem uma terceira, totalmente diferente e despojada, realizada por jovens atores. Enquanto assistem, eles comentam e revivem a história. Há três Eurídices e Orfeus, duas mães de Orfeu — provavelmente a atriz bisou nas montagens antigas — e a estrutura do filme de Resnais é de absoluto virtuosismo. 

O que os atores veem é outro filme e muitas vezes a tela é dividida entre o que acontece na tela e nas montagens antigas, presentes na imaginação dos atores. Duas cenas de textos iguais são mostradas ao mesmo tempo. Dizer que passado e presente se confundem é uma frase imbecil, mas verdadeira para o caso.

Vocês ainda não viram nada me deixa feliz por dois motivos. Em primeiro lugar, por ele mesmo: apesar de verboso em alguns momentos, é um magnifico e típico Resnais. Em segundo lugar, pela própria realização: o diretor prova que alguns podem ser irônicos, originais — na verdade, o filme está lotado de boas ideias — e brilhantes aos… 90 anos.

Claro que o fato de considerar a idade avançada do diretor diz respeito a meu próprio de desejo de chegar mais ou menos inteiro àquela idade, mas acho que é humano regozijar-se e considerar o fato importante. É notável como o diretor de Hiroxima Mon Amour, O ano passado em Marienbad, Providence e Meu tio da América, mantém-se fiel a sua peculiar poética.

Grandes destaques do filme são as duas Eurídices que assistem a nova montagem — Sabine Azéma (mulher de Resnais) e Anne Consigny — , Pierre Arditi e, como não sê-lo?, o grande Michel Piccoli.

Anne Cosigny, a Eurídice da segunda montagem.

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