Notas de Concerto (III): Borodin: Danças Polovetsianas (da ópera “Príncipe Igor”)

Borodin, Alexander (1833 – 1887): Danças Polovetsianas (ópera “Príncipe Igor”)

E lá vamos nós explicar mais um título! Quem diabos são os polovetsianos? O povo Cuman era também conhecido como Polovetsiano nos paises estavos orientais e pelos poloneses. Polovtsy significa “pálido, amarelo claro, loiro”. Eles eram um povo nômade turco. Após a invasão mongol em 1237, muitos buscaram asilo no Reino da Hungria. Eles habitavam uma área instável ao norte do Mar Negro e ao longo do rio Volga, mais conhecida como Cumânia. Eram guerreiros nômades ferozes, numerosos, culturalmente sofisticados e militarmente poderosos. A língua cumana é uma das que deu origem à atual língua turca.

A Ásia em 1200

Príncipe Igor é uma ópera de Aleksandr Borodin, escrita em quatro atos. O libreto foi adaptado pelo compositor a partir de uma epopeia do séc. XII (cuja autenticidade não tem consenso no meio acadêmico) – Canção da Campanha de Igor – que relata as lutas entre um príncipe russo e os polovetsianos, em 1185. A ópera foi deixada inacabada em razão da morte prematura do compositor em 1887 e foi concluída por Nikolai Rimsky-Korsakov e Alexander Glazunov. A estreia (póstuma) teve lugar em São Petersburgo, no teatro Mariinsky, em 4 de novembro de 1890.

Químico de reputação internacional, professor da Academia Militar de São Petersburgo, Alexander Borodin é hoje mais conhecido como compositor, apesar de esta atividade ter sido afetada pela sua carreira acadêmica.

As Danças Polovetsianas são uma das seções mais conhecidas de O Príncipe Igor, e encerram o 2º ato. A composição desta seção ocorreu em 1875 e ela foi estreada isoladamente em 1879. As Danças ocorrem num momento da ópera em que o protagonista, o Príncipe Igor, está preso no acampamento do chefe dos polovtsianos, Khan Kontchak, que o presenteia com um espetáculo em admiração pela sua valentia. O filho de Igor, Vladimir, também prisioneiro, está apaixonado pela filha de Kontchak, e este sentimento está subjacente no clima sensual da música inicial. Tal sensualidade ecoou na Broadway. O musical Kismet (1953), mais exatamente na canção Stranger in Paradise, usa a melodia de Borodin. Aliás, a música fez enorme sucesso na voz de Tony Bennet.

Borodin não utiliza a palavra sensual na partitura, mas manda a orquestra tocar de forma deslizante… Sim, a palavra deslizante está escrita na partitura logo no início, na Dança das Donzelas. Já a Dança dos Homens é caracterizada como ‘selvagem’ na partitura, seguindo-se a Dança Geral e a Dança dos Meninos. Todas estas seções vão sendo depois alternadas e revisitadas, num crescendo de energia que desemboca no clímax final.

As “Danças Polovetsianas” são o principal destaque principal da ópera e ocorrem ao final do segundo ato. Este trecho costuma ser apresentado em forma de concerto ou como balé por diversos teatros do mundo. O libreto é tipicamente de ópera, cheio de reviravoltas e situações difíceis de explicar. Conta que o Príncipe Igor e seu filho Vladimir lideraram um ataque aos Polovetsianos no século XII, tomaram uma tunda e acabaram prisioneiros. Porém, são tratados como nobres, com luxos e belas mulheres. Em admiração à coragem dos prisioneiros, o chefe Khan Kontchak resolve dar uma demo da cultura polovestsiana. Igor e Vladimir assistem boquiabertos às “Danças Polovetsianas”. Na ópera, depois, Igor arma uma confusão e consegue fugir, votando para a Rússia enquanto o filho fica por lá, casado com a bela filha do líder polovestsiano. Nada como o amor.

Apresentação: Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (OSPA)
Quando: 01/10/2022 às 17h
Regência: Manfredo Schmiedt
Solistas: Leonardo Winter (flauta piccolo)
Direção Artística: Evandro Matté
Participação Especial: Coro Sinfônico da OSPA

Abaixo, uma apresentação das Danças, no Mariinsky, com a orquestra do teatro e Gergiev no comando:

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Notas de Concerto (II): Ernani Aguiar: Concertino para Piccolo e Cordas

Notas de Concerto (II): Ernani Aguiar: Concertino para Piccolo e Cordas

Aguiar, Ernani (1950 –): Concertino para Piccolo e Cordas
1 Allegro ma non troppo
2 Calmo
3 Choro

Ernani-Aguiar (foto de Ana Laura Freitas)

Se na Patética temos profundidade e variações de humores, aqui predomina a alegria e o popular, o que não é sinônimo de superficialidade, mas é outra coisa. Ernani Aguiar é um compositor carioca que vive em Ouro Preto e este seu Concertino já ganhou diversas gravações internacionais. Aliás, o compositor Ernani tem mais de 70 CDs gravados com obras suas, além de suas obras já terem sido interpretadas em mais de 64 países. O Salmo 150 é a peça mais famosa e ele se orgulha de ser o maestro campeão de Música Colonial Brasileira.

Ernani Aguiar também é pesquisador e professor de regência orquestral na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Estudou com Guerra-Peixe.

Abaixo, copio um texto do solista Leonardo Winter sobre o Concertino para flautim (piccolo) e orquestra de cordas (2008) de Ernani Aguiar que nos foi enviado:

Composto em 2008, o Concertino para flautim e orquestra de cordas foi dedicado para o virtuose flautista italiano Raffaele Trevisani. O flautim (piccolo, flauta piccolo, kleine flöte, ou ottavino), com sua sonoridade característica e inconfundível, é o menor instrumento da orquestra e apresenta a tessitura mais aguda dos instrumentos de sopro. Graças à sua sonoridade ímpar e diferenciada, o instrumento tem sido muito utilizado em orquestras e em música de câmara bem como em peças solos. Atualmente o instrumento tem sido redescoberto, explorando sua característica expressiva e timbres marcantes através numerosas composições.

Com três movimentos seguindo a forma concerto tradicional (rápido- lento -rápido), o Concertino do compositor carioca Ernani Aguiar tem duração de aproximadamente treze minutos. O primeiro movimento, em forma ABA’BA, é um movimento vivaz, rítmico e com grande virtuosidade instrumental: o solista apresenta um motivo gerador com duas semi-colcheias e semínima pontuada em trinados que perpassa o movimento através modificações rítmicas e melódicas. O segundo tema, de caráter contrastante, apresenta diálogos entre o solista e os violoncelos em colcheias e em dinâmica piano.

O segundo movimento é um movimento lento e cantábile com atmosfera seresteira e onde o flautim demonstra toda sua expressividade em longas linhas melódicas.

O terceiro movimento é um Choro, um dos gêneros musicais mais populares do Brasil. De caráter leve e galhofeiro, é um movimento divertido e rítmico onde o solista dialoga com uma linha melódica descendente nos baixos que remetem ao violão de sete cordas, (realizados pelos violoncelos e contrabaixos). O final é rápido e virtuosístico, encerrando o Concertino de forma brilhante.

Abaixo, o Concertino com o solista Leonardo Winter e a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (OSPA) com regência de Ubiratã Rodrigues. Gravado ao vivo na Igreja da Reconciliação em Porto Alegre, em novembro de 2017. Sim, aquele bebê devia ser um amor, mas não precisava, né?

Apresentação: Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (OSPA)
Quando: 01/10/2022 às 17h
Regência: Manfredo Schmiedt
Solistas: Leonardo Winter (flauta piccolo)
Direção Artística: Evandro Matté
Participação Especial: Coro Sinfônico da OSPA

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Notas de Concerto (I): Tchaikovsky: Sinfonia Nº 6, Op. 74, “Patética”

Notas de Concerto (I): Tchaikovsky: Sinfonia Nº 6, Op. 74, “Patética”

Tchaikovsky, Pyotr Ilyich (1840 – 1893): Sinfonia Nº 6, Op. 74 em Si menor “Patética”
I. Adagio – Allegro non troppo
II. Allegro con grazia
III. Allegro molto vivace
IV. Finale – Adagio lamentoso

A Sinfonia N° 6 de Tchaikovsky, Op. 74, também conhecida como Pathétique ou Patética, foi composta em 1893, tendo sido a última obra do compositor. Também foi a última obra que ele regeu, precisamente na estreia da mesma em São Petersburgo em dia 28 de outubro de 1893, poucos dias antes da sua morte. Por influência da língua inglesa, hoje, no Brasil, a palavra Patético significa digno de pena, mas não pensem que isto sirva à Sinfonia Nº 6 de Tchaikovsky. Ele chamou a obra de Pathétique, em francês. Só que, em francês, pathétique significa comovente, tocante, pungente, perturbador, emocionante, eloquente, trágico, dramático. O título da sinfonia em língua russa, Патетическая (Pateticheskaya) significa também “apaixonado” ou “emocional”, mas é uma palavra que também refletiria um toque de sofrimento. Tchaikovsky considerou chamar a sinfonia de Программная (Programmanaya ou “Uma Sinfonia Programática”), mas concluiu que isso encorajaria a curiosidade sobre o programa, que ele não queria revelar.

O que é uma música programática? Música programática, música de programa ou música descritiva é aquele tipo de música que tem por objetivo evocar ideias ou imagens extra-musicais na mente do ouvinte, representando musicalmente uma cena, imagem ou estado de ânimo. Pelo contrário, entende-se por música absoluta aquela que se aprecia por si mesma, sem nenhuma referência particular ao mundo exterior à própria música. Exemplos de música programática? Ora, as mais famosas talvez sejam As Quatro Estações de Vivaldi e a Sinfonia Pastoral de Beethoven.

Mas voltemos à questão do título da Sinfonia. A lenda diz que ela se chamou de Vida por alguns dias. Na manhã seguinte à estreia, Tchaikovsky encontrou seu irmão mais novo, Modest, sentado a mesa do café matinal, tendo em sua frente a partitura da Sinfonia. Eles queriam remetê-la ao editor Jurgenson, em Moscou, naquele mesmo dia, mas o compositor ainda não encontrara um título. Não queria designá-la apenas como N° 6 e, como disse, havia abandonado a intenção de intitulá-la como Sinfonia Programática.

— Por que “programática” se não pretendo explicar nenhum significado?

Ele pensou em “Sinfonia Trágica”, porém, este também não o agradava.

Seu irmão acabou indo embora, enquanto Piotr Ilitch permanecia indeciso. De repente, no meio da escada, ocorreu a Modest a palavra em francês Pathétique, e ele retornou para fazer a sugestão. E Tchaikovsky aprovou. Ficou Pathétique!

Imediatamente, Tchai escreveu na partitura o título pelo qual a Sinfonia ficou sendo conhecida.

Intermezzo. Minha relação com a Patética iniciou nos anos 70, quando eu tinha uns 13 anos e conheci o álbum Elegy, do Nice, grupo que Keith Emerson teve antes do Emerson, Lake & Palmer (ELP). Neste disco, eles tocaram todo o terceiro movimento da Patética numa versão para teclado, baixo e bateria. Naquela época, eu era um ouvinte contumaz da Rádio da Ufrgs, que até hoje tem programação de música erudita (ainda bem). Então, quando ouvi a Sinfonia pela primeira vez na Rádio da Ufrgs, logo pensei: “Olha só, isto é do Nice”… Tá bom.

Fim do intermezzo.

Há muitas lendas na música erudita, mas podemos quase garantir que o programa da Patética fazia referência à própria vida do compositor, que não foi muito fácil. Na verdade, Tchaikovsky se inspirou na ideia de criar uma obra com um conceito de programa que permaneceria um mistério para os ouvintes. O compositor insinuou que o programa seria subjetivo, ou seja, carregaria um código de experiências pessoais. Na mesma direção, um site russo diz que o primeiro título que Tchaikovsky deu à Sinfonia seria Vida, com 4 divisões:

  • Parte I – Reflexão sobre a vida e a morte.
  • Parte II – O mundo poético do herói lírico.
  • Parte III – O Scherzo do Mal, uma zombaria do destino ou uma celebração da vida, na qual uma pessoa é um elo extra.
  • IV – o desfecho trágico.

O primeiro movimento é um paroxismo de dor, de esperança, de alegria, de sofrimento. Tudo tem a intensidade das paixões da adolescência. Hoje, chamaríamos este movimento de bipolar… É tudo insegurança e instabilidade emocional. A valsa do segundo movimento é feliz e otimista, como se pudéssemos escapar ao destino. Sim, é uma valsa que soa como valsa, mas que possui tempo irregular (5 em vez de 3). Então, se você tentar dançá-la ou mesmo imaginar-se dançando, identificará certo desconforto por trás de toda aquela alegria. O explosivo terceiro movimento chega como uma marcha desenfreada para nos levar à euforia. A força rítmica e a orquestração brilhante convidam o público a aplaudir antes do final da Sinfonia. Ele tem aquela mola que nos faz levantar para aplaudir, só que a Sinfonia segue. E segue com tons de morte, como se Tchaikovsky antecipasse o copo de cólera que o matou dali a dias. Assim como no início da Sinfonia, o timbre do fagote domina o cenário. Como um coração, a pulsação feita pelos contrabaixos propõe a inevitabilidade da morte.

Ouvindo a Sinfonia, a mudança constante e bastante acentuada de humor, tanto entre as partes quanto dentro delas, permite-nos experimentar vários estados psicológicos, desde um sentimento absoluto de inspiração até um colapso completo. e confusão.

Se a Sinfonia Patética foi estreada em 28 de outubro de 1893, Tchaikovsky morreu em 6 de novembro, isto é, 9 dias depois. Morreu depois de beber água não fervida durante uma epidemia de cólera. Alguns falam em descuido, outros em suicídio.

Apresentação: Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (OSPA)
Quando: 01/10/2022 às 17h
Regência: Manfredo Schmiedt
Solistas: Leonardo Winter (flauta piccolo)
Direção Artística: Evandro Matté
Participação Especial: Coro Sinfônico da OSPA

Abaixo, a Patética completa com a hr-Sinfonieorchester (Frankfurt Radio Symphony Orchestra) sob a regência de Lionel Bringuier. A gravação é de um concerto realizado em 15 de novembro de 2013 na Alte Oper Frankfurt.

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