O golpe está dado. Vivemos numa republiqueta latino-americana onde um gangster, Eduardo Cunha, aglutina interesses da Fiesp, bancos privados, empreiteiras, EUA, multinacionais do petróleo, fundamentalistas evangélicos, etc. — todos auxiliados por uma imprensa que os governos petistas só fizeram adubar — e faz cair um governo. E não pensem que morro de amores por Dilma.
As forças econômicas atuam à revelia da democracia e da sociedade. Alguns ridicularizaram Paraguai e Honduras. Hoje, somos iguais. O desfecho da história está decidido há meses. O que nos resta agora é a luta diária em todos os espaços.
Espero que o governo Temer não tenha paz, pois se tiver, meu amigo, prepare-se. A insegurança jurídica já está aí, tendo em vista a posição facciosa das instituições que deveriam zelar pela ordem democrática. Haverá forte tentativa de retrocesso social.
Mais: o governo Temer procurará reduzir em muito os direitos sociais e trabalhistas conquistados em lutas de várias décadas. Infelizmente, prevejo greves, perdas, instabilidade e violência.
E, mesmo com a notória exceção dos EUA, o mundo já nos trata como merecemos: como um paisinho instável de segunda classe. Com nosso Congresso BBB (Bala, Boi, e Bíblia), votado por uma maioria inteiramente apolítica, é o que somos mesmo.
As especulações sobre os futuros Ministérios são de arrepiar. Vai dar até para esquecer Katia Abreu na Agricultura, que será substituída por Blairo Maggi, o Rei da Soja… O nível é rasante, cheio de velhos conhecidos nossos.
Hoje não é dia do enterro do PT, é o dia do enterro de 24 anos de estabilidade de um discutido presidencialismo de coalizão. Por ironia, esse período teve um impeachment em seu início e terá outro em seu final.
Os próximos dois anos podres, violentos e, fundamentalmente, necessários apenas para que permaneçamos como nação periférica e desigual.
A crise política deverá ser seguida por um longo período de domínio da direita, diz Idelber Avelar, professor na Universidade Tulane (EUA), à BBC Brasil.
Nesse cenário, ele afirma que a esquerda e os movimentos sociais podem levar anos para se reagrupar.
Brasileiro, Avelar leciona literatura latino-americana e estudos culturais nos Estados Unidos desde 1999, mas se tornou conhecido entre muitos compatriotas por seus posicionamentos políticos nas mídias sociais.
Crítico do PT, ele não vê razões para se associar aos grupos que defendem a permanência de Dilma Rousseff na Presidência e rejeita a descrição do cenário político brasileiro como uma “briga de duas torcidas ante a qual você tem de se posicionar ao lado de uma delas”.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
BBC Brasil – Com a crise houve alguma mudança na forma como o Brasil é encarado nos EUA?
Idelber Avelar – Cinco anos atrás o Brasil era o modelo de como crescer com instituições democráticas fortes e reduzindo a desigualdade. Neste momento perdemos as três coisas: não estamos crescendo, não estamos reduzindo desigualdade e as instituições democráticas estão em perigo, pelo menos.
Chama atenção a rapidez com que se desmoronou esse modelo. Há um cenário político marcado por tremenda instabilidade, com uma classe política na situação e oposição completamente desmoralizada, e não há perspectiva de transformação desse quadro em longo prazo. Vivemos uma grave crise econômica, institucional, política e ambiental.
BBC Brasil – Por que ambiental?
Avelar – Uma das características essenciais dos governos petistas tem sido o desenvolvimentismo arrasa quarteirão. Ambientalistas, lideranças indígenas e ribeirinhas na Amazônia dizem que o PT foi pior para a região que o PSDB. O PSDB implantou aquele modelo de estado mínimo, deixando que a iniciativa privada resolvesse.
O governo petista apostou num modelo através do qual o Estado gera mecanismos para que as grandes construtoras realizem negócios e (em troca) financiem campanhas eleitorais.
Sou a favor de que se estabeleça algum tipo de requisito dentro do nosso aparato educacional para que pessoas do Sul e Sudeste possam visitar a Amazônia e ver o que aconteceu no Xingu com a construção da usina de Belo Monte, o que aconteceu no rio Madeira, para ver o que é a expansão da soja.
Isso lhes daria uma leitura diferente da realidade e desmontaria uma noção de crescimento que muita gente da esquerda fetichiza.
BBC Brasil – Não é inviável se opor ao crescimento num momento em que o Brasil enfrenta uma grave crise econômica, com crescente desemprego?
Avelar – Não existe possibilidade lógica de crescimento infinito num planeta com recursos finitos. Poderíamos estar numa sociedade em que optássemos por um crescimento zero, há até marxistas falando nisso.
É um debate difícil, porque há uma mentalidade que associa a redução da desigualdade ao crescimento do PIB. Mas não há relação automática entre as duas coisas: pode haver crescimento extremo sem redução de desigualdade e pode haver redução de desigualdade sem ritmo frenético de crescimento.
Claro que para isso teríamos mexer em políticas redistributivas, na dívida pública, no sistema bancário, numa série de vespeiros em que nosso sistema político não está pronto para mexer, mas é uma conversa urgente.
BBC Brasil – A Lava Jato põe em xeque o modelo de relação entre o Estado e empreiteiras?
Avelar – A Lava Jato tem consequências que fogem ao controle inclusive dos procuradores e juízes envolvidos. Não acredito que haja limpeza completa da política brasileira, mas também não acredito que ela vá simplesmente decapitar algumas lideranças do PT, derrubar o governo da Dilma para depois se restabelecer tudo como era antes.
Existe uma nova geração de procuradores imbuída de um espírito que pode ser criticado como meio salvacionista ou messiânico, mas esse grupo claramente não está interessado em pegar lideranças de um só partido político. Alguma coisa se quebrou no pacto oligárquico. Ele vai ser restabelecido, mas em outras bases.
BBC Brasil – Embora milite à esquerda, você não tem apoiado as manifestações em favor da manutenção de Dilma na Presidência. Por quê?
Avelar – A descrição do quadro político brasileiro como uma briga de duas torcidas ante a qual você tem de se posicionar ao lado de uma delas é um quadro não apenas simplista, mas chantagista.
Não cedo à chantagem de que a direita vai tomar poder se não nos alinharmos com a defesa do governo. Em primeiro lugar, porque a direita já está no poder num país em que Kátia Abreu controla o Ministério da Agricultura, em que cargos são regularmente loteados ao PMDB. Há uma coalizão que implementa cotidianamente políticas de direita.
Não bato bumbo pelo impeachment. Acredito que a melhor saída seria a renúncia da Dilma. A situação de descalabro não é só produto da Lava Jato, mas de uma série de fatores, incluindo a inépcia dela em dialogar com a própria base no Congresso.
BBC Brasil – Há uma ofensiva do Judiciário contra o governo do PT?
Avelar – O Judiciário sempre teve a natureza oligárquica e punitivista que está se revelando agora, mas o governismo não se preocupou quando manifestantes contra a Copa ou líderes ambientalistas foram criminalizados, nem com as prisões arbitrárias feitas a rodo nas manifestações de 2013.
O governo não ficou neutro nestas histórias. Ele foi partícipe dessas operações. A draconiana lei antiterrorismo sancionada recentemente foi enviada ao Congresso pelo Executivo, é uma lei da Dilma. Quando alguns desses mecanismos se voltam contra o PT, o governismo grita, mas o PT fortaleceu esses mecanismos ao longo da última década.
BBC Brasil – Diante da fragilização do PT, há margem para a articulação de uma nova frente de esquerda?
Avelar – Sou bastante pessimista. Houve nos últimos 14 anos uma cooptação brutal dos movimentos sociais. O único partido consistentemente à esquerda do PT e com alguma presença no cenário nacional, o PSOL, tem funcionado mais como linha auxiliar do governo do que como alternativa a ele.
Temos algumas faíscas do que poderia ser a esquerda pós-PT, mas acho que vai demorar muito tempo para que ela se reagrupe e faça a crítica necessária da experiência petista. Acho mais provável que a direita clássica volte ao poder e a gente tenha um longo e tenebroso inverno.