Berkeley em Bellagio, de João Gilberto Noll

BerkeleyOs livros de Noll quase sempre tratam do mesmo personagem: o próprio Noll. As características biográficas, físicas, étnicas e profissionais do tal personagem coincidem inteiramente com as do autor. No começo do livro, é impossível não sermos tomados de simpatia pelo personagem quando o mesmo declara sua extrema pobreza – vive apenas de literatura e de pequenos trabalhos correlatos – e com todos os fatos que o levam a aceitar dar um curso sobre “Cultura Brasileira” em Berkeley. Os fatos são descritos sumariamente. Estava envergonhado de “filar” inumeráveis almoços na casa dos outros, de pedir dinheiro emprestado, etc. Ao mesmo tempo, parece sentir alguma culpa por estar prestes a mamar na teta de uma universidade americana.

Então, ele aceita o convite para o curso e chega à California com menos de 100 dólares no bolso e sem saber falar inglês. Suas aventuras, primeiramente em Berkeley (para dar aulas) e depois em Bellagio (onde fica em uma “oficina criativa” em frente ao Lago de Como), poderiam ser bastante interessantes do ponto de vista humano, porém nosso autor está mais a fim é de descrever as aventuras sexuais. Tudo bem, o sexo faz parte da vida, mas não é, digamos, mais que 88% dela. Apesar de conviver com ensaístas, músicos, pintores e ficcionistas, nada de intelectual acontece. Já de sexual…. é do caralho. As lavanderias de Bellagio devem ter se surpreendido com os sucrilhos deixados nas cortinas de seus salões, pois o autor declara ter limpado seu pênis nelas.

Intermezzo: o personagem principal é homossexual, talvez o Noll também o seja, sei lá. Nada tenho contra a opção dele, mas sou totalmente contra as descrições pós-sexo que o autor nos impinge. Ora, depois de cada relação, a narrativa é atacada daquela indireção poética ao estilo de Clarice Lispector. A narração pós-ragazzo em Belaggio é longuíssima para o tamanho do livro e… é chata, chata, chata, como Clarice NÃO o faria.

O final do livro, quando o narrador retorna à casa em Porto Alegre é muito emocionante. O fato inesperado de estarem lá um ex-namorado pai-solteiro com sua filha é surpreendente e é também uma brisa depois do prolongado claustro. Tá bom, não é nada original aparecer uma criança ou uma jovem para dar uma refrescada e mudar o contexto da história, mas com o Noll a coisa funcionou. A vida também é assim, não?

Não sei porque voltei a ler o Noll. Não tinha gostado de outros livros lidos anos atrás. Acontece que o vi em uma entrevista na TV e gostei dele. Mas valeu a pena retomar o contato com sua literatura. Uma curiosidade: toda a vez que abria o livro vinha aquela baita saudade de ler Thomas Bernhardt, pois, quando via seu parágrafo único, lembrava-me de como aquilo poderia ser bom, se tivesse mais solidez, racionalidade e raiva. E um pouco mais de arte narrativa, é claro.

5 comments / Add your comment below

  1. caraca, mas tu é sacana! quando parece que tu vais elogiar o cara, aí que tu sacaneia ele!
    Acho que vou voltar a ler Clarice ou, quem sabe me dedicar a Bernhardt, já que Noll, vou continuar ignorando…
    Ah, minha irmã mora em Berkeley e sempre estão querendo que eu invente algum bico por lá, por isso até deu vontade de ler. Ela é casada com um americano, e até agora ela (e minha filha quando morou um ano lá) era a minha única referência da experiência portoalegrence em Berkely. mas nao quero saber desse negócio de sucrílhos em cortinas…
    Já chega as escatologias que outros amigos porto-alegrenses me obrigam a ler às vezes…
    Aiai, tive uma segunda trabalhosa e corrida, mas ainda assim cheguei em primeiro?! bjs, f

    Era esse ó! Mandei duas vezes. Pq não “foi”? Que ódio!
    Ai ai ai. esses “servidores”…

  2. Pois é Rafael, mas ontem (antes de ti) eu enviei duas vezes meu comentário (esse aí em cima), e só aparecia uma pp em branco depois de enviado. Coisa do servidor! Dei um tempo para ver se mais tarde o comentário aparecia publicado, e o que apareceu foi o teu!
    Que ódio! Eu sou a leitora ideal! O meu é que tinha que aparecer primeiro, não sabias?
    Abç, f.

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