A Soberana dos Móveis não existe mais

A Soberana dos Móveis foi uma loja que reinou por anos em Porto Alegre com suas muitas filiais e insuportáveis propagandas no rádio e na TV. Deve ter fechado antes do advento da internet, pois não encontrei uma mísera logomarca da rede na rede.

Lá pelo fim dos anos 80, eu estava na casa de meus pais, ambos dentistas. Era um sábado, como meus sete leitores poderão constatar, e estávamos no horário do almoço. Sempre almoçava lá neste dia com minha ex-mulher, aquela que se chama Pâmela ou Suélen, nunca lembro. Era o momento da conversa preguiçosa e cordial em torno da cozinha que antecede a comilança, algo que nem era tão exagerado lá em casa porque minha mãe nunca foi uma ás das panelas, nem muito menos sua empregada. Só para dar um exemplo, minha mãe levava muito, muito tempo cortando um frango, coisa que o açougueiro fazia em 30 segundos. Quando a gente lhe dizia isso, ela replicava: “E uma obturação? Em quanto tempo ele faz?” Bem, evitemos as discussões por enquanto.

E então tocou o telefone.

— Alô, é da Soberana dos Móveis?

— Não, minha senhora, é da residência de Maria Luiza e Milton Ribeiro.

Explico: meu nome é Milton Luiz Cunha Ribeiro e o de meu pai era Milton Cardoso Ribeiro. Éramos dois Miltons Ribeiros, portanto.

Desliguei o telefone e voltei à conversa. Passou dois minutos e ele voltou a tocar.

— Alô, é da Soberana dos Móveis?

— Não, minha senhora, é da residência de Maria Luiza e Milton Ribeiro.

Desliguei o telefone novamente e ele voltou a chamar uns 15 segundos depois. Foi quando — como dizia o meu pai — o diabo entrou em minha mente e passei agir como o Woland de O Mestre e a Margarida. Saltei sobre o aparelho e me antecipei:

— Soberana dos Móveis!

— Ah, meu filho, que bom, já tinha ligado umas cinquenta vezes, sempre pro número errado.

— Sim, em que podemos servi-la?

— É que me prometeram entregar meu sofá da sala agora, sábado de manhã, e até agora nada. São 12h30.

 — Bem, minha senhora, é que nós não entregamos nada aos sábados.

— Como assim?! O vendedor me disse que eu não precisava me preocupar. Que fariam a entrega no sábado, dia em que fico em casa! Ele me jurou, prometeu!!!

— Minha senhora, quando a gente vende, a gente promete qualquer coisa. Mas agora chegou a hora de dizer a verdade: segunda-feira a senhora terá seu sofá.

— Olha aqui seu infeliz, segunda eu não estou em casa. Eu quero a entrega AGORA, conforme o combinado.

— Desculpe, mas hoje não vai dar.

— Eu quero falar com o gerente!

— O Aristeu? Ele está em horário de almoço.

— Eu vou aí agora!

— Pode me procurar? Meu nome é Milton Ribeiro.

— Vou procurar sim, com certeza!

— Então, até mais, minha senhora.

Neste momento, consegui afastar o diabo e gritei no telefone para a coitada que aquilo era um trote. Por sorte, ela ainda ouviu. Disse-lhe que não era da Soberana dos Móveis, que não aguentava mais os telefonemas equivocados dela e que estava brincando. Aconselhei-a a esperar mais um pouco. Primeiro ela ficou dubitativa. Expliquei que eu era um palhaço mesmo, que não podia ser levado a sério. Ela ficou pensativa… Então disse:

— Não é da Soberana então? Tu é louco, menino? Tu quase me matou do coração… Bom, mas eles me prometeram para de manhã e já passou do meio-dia.

— Passou um pouquinho só, né?

— Olha, não quero nem saber. Depois de conversar contigo eu me enfezei de verdade e vou lá brigar com eles. É aqui pertinho. Bom almoço pro senhor.

Depois as lojas fecham e a gente não sabe o motivo.

16 comments / Add your comment below

          1. Esqueceste da Casa Reinaldo, “A Maluquinha da Praça do Portão”. O cara/dono soltava umas bombinhas de São João na calçada, pra chamar a atenção da freguesia…

          2. Errado! O Marinha Magazine era na Av. São Pedro 622. O Magazine Alberto Bins era na Alberto Bins. A escadinha continua lá: você entra na loja e tem uma escada enorme para baixo. Fica localizada próximo às lojas de malas.

  1. Minha mãe tinha mania de mudar o número de casa, mais pra encher o saco do meu pai do que para qualquer coisa. Já tivemos o número que era de uma concessionária, de diversas pessoas. Difícil mesmo foi quando ficamos com o antigo número de um puteiro. Cada hora chamavam por uma mulher diferente, eu era criança e atendi vários. Tinha também homem bêbado pedindo três mulheres, telefonema tarde da noite, outro chamando a Fernanda (“uma morena gostosa e alta”)… Todos ficavam sem graça (quer dizer, todos menos o bêbado) quando diziamos que aquele agora era o número de uma residência.

    Um dia a dona do antigo número ligou e pediu para minha mãe dar o novo número para os clientes dela. Minha mãe achou aquilo demais e mudou de telefone de novo.

  2. Aqui em casa, toda semana, atendo alguém que ligou pra Madeireira Terra. Em geral os caras entram pedindo o preço de telha, ripa, sem nem dar bom dia. Uma vez, uma velha entrou rachando, com uma voz esganiçada: “É da Terra”? Eu, na bucha: “Não, é de Marte”. Ficou aquele silêncio. Aí a senhora, ainda meio surpresa, disse: “Então me desculpe”.

  3. Meu pai (Darcy Reis Nunes), que fazia as propagandas da Soberana nos anos 60. O dono, o Tio Marquinhos era muito legal. Depois ele se juntou a CR Mentz, mas hoje não sei se ainda existe parceria. Bons tempos.

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