E então, após sua morte, os livros de Bolaño começaram a vender cada vez mais. Há muito Bolaño nos blogs de língua espanhola e <em>Os Detetives Selvagens</em> e <em>Estrella Distante</em> são os preferidos de meus colegas. Alguns deles traçam linhas de continuidade e conexões entre <em>Os Detetives</em> e <em>O Jogo da Amarelinha</em> de Julio Cortázar ou <em>Adán Buenosayres</em> de Leopoldo Marechal. Falam não apenas das qualidades literárias de Bolaño, mas de suas obsessões como a eterna busca de personagens perdidas, amores e cidades. Li <em>Os Detetives Selvagens</em> na virada deste ano, mas como minha leitura d`<em>O Jogo</em> data de mais de 30 anos, não consigo estabelecer tais conexões, apesar de não ignorar que qualquer livro que contenha 50 ou mais narradores deva alguma coisa à Cortázar…
Santificado hoje e diabólico ontem, Bolaño se comprazia em fustigar seus inimigos literários. Ele os depreciava de frente, não obedecendo aos habituais salamaleques. Sobre Isabel Allende disparou: “Digo calmamente que Allende é má escritora. Para qualificá-la como escritora, uso de certa indulgência, pois nem isso ela é”. Isabel respondeu: “Dei uma olhada a dois de seus livros e eles me entediaram profundamente”. Até aí, tudo normal. A novidade é que, quando Bolaño morreu, Allende seguiu firme: “Não o lamento. É uma pessoa que nunca disse nada de bom a respeito de alguém. O fato de estar morto não o faz melhor. Era um senhor bem desagradável”. Isabel Allende foi bastante exagerada ao escrever que seu conterrâneo nunca disse nada de bom sobre alguém.
“Skármeta é um personagem televisivo. Sou incapaz de ler qualquer um de seus livros. Sua prosa me vira o estômago”, torpedeou Bolaño. O colombiano Fernando Vallejo respondeu pelo colega afirmando que a prosa de Bolaño é demasiadamente simples, plana, elementar, do tipo “Eu, Tarzan; tu, Jane”.
Bolaño teve problemas também com Diamela Eltit. Eu, Milton, os acho tremendamente cômicos… Ela o convidou para um jantar em sua casa. OK. Só que depois, ele publicou uma impiedosa crítica a um livro de sua anfitriã e aproveitou para também fazer referências à péssima gastronomia oferecida pela autora, dando detalhes. “Este é um tema sobre que prefiro não tocar. O que se passou foi algo absurdo e hipertrofiado. Bolaño morreu e eu prefiro não dizer nada a respeito”.
Bolaño deu também tiros que alcançaram o Brasil, atingindo Nélida Piñon e Paulo Coelho…
<em>Hace poco, Nélida Piñon, celebrada novelista brasileña y </em>serial killer<em> de lectores, dijo que Paulo Coelho, una especie de Barbusse e Anatole France en versión telenovela de brujos cariocas, debía ingresar en la Academia brasileña, puesto que había llevado el idioma brasileño a todos los rincones del mundo. Como si el “idioma brasileño” fuera una ciencia infusa, capaz de soportar </em>(sobreviver a)<em> cualquier traducción, o como si los sufridos lectores del metro de Tokio supieran portugués. Además, ¿qué es eso de “idioma brasileño”? Idea tan desmesurada como si habláramos del idioma canadiense o australiano o boliviano.</em>
Javier Cercas, autor de <em>Soldados de Salamina</em>, romance onde Bolaño é personagem, sustenta que há dois tipos de lendas em torno de Bolaño. Uma que foi construída pelos leitores e fãs e outra criada pelo próprio autor, voluntária e involuntariamente. Diz Cercas que ambas não se ajustam à realidade, mas que a de Bolaño é, em certo sentido, “mais real que a realidade” e que a outra é uma quase mentira ou uma mentira com elementos de verdade. O escritor espanhol enumera fatos em favor de uma construção mítica em torno de seu amigo: morreu jovem; morreu no melhor momento de sua carreira; morreu e foi recebido pela de braços abertos pela tendência que os meios literários possuem de falar bem dos mortos (com fartas cotas de hipocrisia — exceto Allende, claro). “A história da literatura está cheia de exemplos de canonização após uma morte prematura. Mas o que acho assombroso é que o mesmo homem que escreveu <em>A Pista de Gelo</em>, escreveria 3 anos depois <em>Estrella Distante</em> e seis anos depois <em>Os Detetives Selvagens</em>. É estupefaciente que, entre 1996 e 2003, ano de sua morte, ele tenha evoluído e escrito tanto!”.
Eu me pergunto se Bolaño sobreviverá a isto. Hoje, a única pergunta que cabe é se Bolaño é genial ou extraordinário. A última entrevista concedida por Bolaño foi para Mônica Maristain, da Playboy mexicana; ela perguntou: “O que você diz daqueles que pensam que <em>Os Detetives Selvagens</em> é o melhor romance mexicano de todos os tempos?”. Ele respondeu: “Dizem isto de pena. Me vêem decaído e desmaiando em praça pública e não lhes ocorre nada melhor do que uma mentira piedosa, que é o mais indicado nesses casos. Não é pecado fazer isso”.
Graças a boa relação existente entre o editor Jorge Herralde (Anagrama) e a família de Bolaño, chegaram às livrarias em 2007 textos que formaram mais dois livros: <em>El Secreto Del Mal</em> e <em>La Universidad Desconocida</em>. Também chegou um livro de poemas: <em>Los Perros Românticos</em>. Jorge Herralde foi amigo, editor e promotor da obra de Bolaño. E hoje é mais: é quem garante a subsistência de sua mulher e filhas, cuidando para que os direitos autorais cheguem a elas. Cumpre o que prometeu ao escritor antes de sua morte. Foi e é, repito, um amigo.
<em>(continua amanhã com comentários sobre obras de Roberto Bolaño)</em>
<small>Fontes consultadas: Livros de Bolaño, Caderno de Cultura do Clarín de 22/09/2007 e blogs hispano-americanos.</small>
1. Flávia
julho 31st, 2008 �s 0:30 edit
Nooossa! Mas o cara era o máximo! Adorei! Sincero, ácido, radical – um encanto!
(E a Isabelzinha, hein? Faca na bota! Adorei! Não abandona a arena nem sobre o cadáver do inimigo!)
bj, f
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2. gugala
julho 31st, 2008 �s 9:43 edit
Tô gostando cada vez mais do cara tb.
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3. Milton Ribeiro
julho 31st, 2008 �s 10:34 edit
Flávia e Gugala.
O homem, além de extraordinário escritor, era uma grande figura mesmo. Acho que ele acerta nas críticas, mas utiliza doses anormais de desprezo que são, todavia, explicáveis por alguns ataques que sofreu en Chile. Acerta, na minha opinião, sobre Skármeta, Paulo Coelho e sobre a postura equivocada de Nélida. Faz uma deliciosa maldade com Eltit, a qual teria tentado comprar uma crítica elogiosa através de um mau jantar… Não dá, né? Ela que pedisse para a Flávia fazer aquele creme de espinafre que atrasa suas filhas! Acerta também quando critica a Allende pós-Casa dos Espíritos, na minha opinião um livro OK.
Beijo e abraço.
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4. Flávia
julho 31st, 2008 �s 12:20 edit
Milton, conheço figuras ácidas e exasperantes que não precisaram de nenhum pinochetaço. esse tava podendo, né? Acho que o cara era “cheinho” mesmo. Usavas essa palavrinah no tempo em que queimavas álcool? Meus filhos desconhecem o significado e abominam quando uso (assim como demais “palavras do século XVI da mãe”). O que me salva é o creme de espinafre…
bj, f
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5. Milton Ribeiro
julho 31st, 2008 �s 15:03 edit
Cheínho? Claro. Muuuuito usei. Sim, um pouco cheínho, pero bonzinho.
Cheínho deve vir de cheio de si, acho.
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6. Flávia
julho 31st, 2008 �s 17:51 edit
Isso isso isso. Nada como um especialista em século XVI para esclarecer a etimologia de uma palavra. bjs, f
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