Pó de parede, de Carol Bensimon

Observação inicial: Quando peguei este Pó de parede, logo pensei: ih, autora gaúcha, lá vem confusão. Acontece que alguns comentaristas sulinos ficaram nervosos quando achei apenas correto o romance Música Perdida de Luiz Antônio de Assis Brasil ou repetitivos alguns Noll. Há pessoas que vêem política, interesse e “intenções” suspeitas nessas curtas anotações diletantes a que chamo pretensiosamente de resenhas e cuja maior motivação é, singelamente, a de não esquecer o livro. Claro que nelas revelo o maior ou menor prazer que tive ao terminá-lo, mas, pô, nada de nervos, gente.

Carol Bensimon veio recomendadíssima: aposta de Luiz Ruffatto na Bravo!, artigo na Aplauso, além de elogios ouvidos aqui e ali a uma jovem escritora e é óbvio que comprei seu belo livro de estréia na Feira, obra da também gaúcha Não Editora.

Pó de parede é formado de três novelas na tradição de alguns volumes muito queridos meus: há as três clássicas de Tolstói na tradução de Boris Schnaiderman, Sonata a Kreutzer, A Felicidade Conjugal e A Morte de Ivan Illich; as três de Turguenev, O primeiro amor, Ássia e Águas primaveris; as três de Flaubert, Uma alma simples, A lenda de São Julião Hospitaleiro e Herodíade; as três de James, A lição do mestre, O desenho no tapete e A vida privada; ou seja, parece que os autores ou os editores gostam do formato do trio de novelas. Mas vamos ao livro.

A primeira surpresa é a inventiva prosa de Carol. Ela tem um pensado trabalho de linguagem em que toda rebarba fica de fora, mas o resultado não é daquele gênero no qual a inteligência e o suor do autor acabam por sufocar quem lê; não, o resultado é leve, coloquial e poético. Seus diálogos, por exemplo, são ótimos, transcritos de forma pouco convencional, variando entre o formato utilizado por Saramago, o de Pedro Rosa Mendes e disposições que parecem poesia, soltas no ar. O texto é pontuado por analogias muito próprias e femininas, distantes de quaisquer clichês ou influências reconhecíveis. Sim, Carol Bensimon é excelente escritora.

Todas as histórias tem o ponto comum de referirem-se a casas. É como um jazzista que repete o tema tocado pelo solista anterior para dar unidade à música. A primeira história, A caixa, é muito bonita. Dividida em capítulos cujos títulos são os anos em que se passa a ação, A caixa acaba por ser um mosaico de onde emerge clara a amizade entre Laura e a narradora. Falta céu é a melhor das três novelas. É curta mas trata de um grande número de personagens contra um triste cenário de construção-desconstrução. É uma novela nada esquecível, realista, de boa história, personagens bem construídos e polifonia arrebatadora. Capitão Capivara é bem humorado e simples, possuindo o clima triste de alguns filmes de Allen e Altman, com personagens insatisfeitos vivendo num estranho Sanatório Berghof que faz marketing adoidado.

Boa escritora, poética e delicada, Carol Bensimon não fala de seu umbigo, não se apóia apenas em sexo e violência e muito menos naquela autenticidade “do caralho”. Acho que só faz parte da Nova Literatura por fazer literatura e ser bem novinha. 26 anos, imaginem.

11 comments / Add your comment below

  1. AH, pára, Millton! Era brincadeira! Para ver tua reação ao ouvires alguém te pedir tua escova de dentes emprestada.
    …mas tô de aniversário dia primeiro… Mas peraí, aí seriam dois presentes!
    Sério! Pára com essa bobagem de me retribuir, Milton!
    Se quiseres te dou uma aulinha básica da teoria da dádiva na antroplologia. Sabias que minha tese é sobre isso? Chama se Género e reciprocidade.
    o básico é: a dádiva é feita sem cálculo de retorno. Cria obrigação, mas não põe preço. Segundo a lógica da reciprocidade (diferente da do mercado) a dádiva retorna, mas há um intervalo igualmente não calculado nesse retorno. Há um intervalo não estabelecido entre a dádiva e o retorno dela.
    Isso que dizer que um dia vc me retribui o favor, e há de ser com uma coisa bem complicada e chata! hahahaha
    aliás, costuma haver uma relação entre dádiva e sacrifício. Pode mandar o livro! mas ainda vais ter que sofrer para saldar a “dívida”. Bobo!

  2. é, Milton, é isso! essa é a lógica do toma-lá-dá-cá, a da mercadoria. Vc “paga” em seguida para se livrar, “quitar” a dívida.
    mas olha que lindo: Eu é que estava retribuindo, ao te fazer aquele favorzinho! Retribuía a tua amizade, aquela noite tão legal em Porto Alegre (COM A CLAUDIA JUNTO, LEITORES DE BUTUCA AQUI), e todo o carinho que recebo desde sempre aqui! Viu? A dádiva não se salda! é uma bola de neve. Que bom, né? porque é tão bom ajuda e presente – dar e recebê-los!
    Oba! vou esperar o livro!
    bj, f

  3. Li o livro para auxiliar o meu filho num trabalho de literatura. Respeito cada posição que leitores de um mesmo livro podem ter, mas enxerguei algo mais do que “simples contos” de uma “jovem autora”. Enxerguei uma sutil referencia (sequencialmente) aos pilares que constituem a ciencia História, em cada conto, respectivamente: o tempo, o espaço e a pessoa, sem um dos quais esta não existe. Há em cada conto uma critica à estrutura de classes, ao choque do desenvolvimento e à corrupção da arte pelo capital. Além disso, a autora deixa transparecer ao longo da obra insistentemente um viés para a arquitetura e à profissão “arquiteto”, o que se confirma nos elementos arquitetonicos citados em cada conto, ligando-se com a História e ao próprio título: “Pó” (de coisa velha ou desgastada” e “Parede” (elemento construtivo da arquitetura). Fica a pergunta: Porque a autora não é arquiteta

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