Uma mente madura deve ser capaz de admitir a coexistência de dois fatos contraditórios: que Wagner foi um grande artista e, segundo, que Wagner foi um ser humano abominável.
Você talvez pense que, se a música é algo impalpável e transitório — se, como disse Busoni, “é apenas ar sonoro” –, não haveria grande espaço para a ideologia ou o nacionalismo nela. Mesmo no terreno da ópera, com a necessidade de se contar uma história, fazer “poesia”, ser teatro e música ao mesmo tempo, seria complicado estabelecer teses. Pois é, você só pensará assim se ignorar compositores como Shostakovich, que consegue comunicar “intenções” e protestos sem palavras. No caso de Wagner, há Wagner e Wagner, o autor e o homem. Inteligentemente, ele deixou quaisquer referências diretas aos judeus fora de sua música. Aliás, é um curioso mecanismo de ocultamento (ou culpa) este que faz alguns autores escreverem pequenos ensaios como Das Judentum in der Musik (O Judaísmo na Música, de 1850), mas deixarem sua obra maior livre destas delicadas referências seculares… Também Céline, Hamsun e Pound não entremearam sua obra com referências anti-semitas ou nazistas, deixando essas coisas para os panfletos e jornais. O fato é que Wagner foi trazido pelo próprio Hitler ao centro da discussão, tornando-o o maior dos anti-semitas, postura que está longe de ser um privilégio exclusivo. Em Das Judentum in der Musik ele vai longe e como! Primeiro, ataca a influência dos judeus na música e cultura alemãs, descreve os judeus como ex-canibais de fato e agora canibais das finanças. Logo após afirma que são de natureza muito pouco profunda, acusa-os de corruptores da língua alemã e ataca Meyerbeer e Mendelssohn, compositores judeus que considerava inimigos… Em uma carta para Lizst, Wagner confessa que “Sinto um ódio, por muito tempo reprimido, contra os judeus e esta luta é tão necessária à minha natureza como meu sangue… Quero que deixem de ser nossos amos. Afinal, não são nossos príncipes, mas nossos banqueiros e filisteus…”.
Embora não haja referências anti-semitas em suas óperas, é bastante claro o significado da existência de Beckmesser em Os Mestres Cantores de Nurenberg e de Mime no Anel. São associações muito claras e ao final ambos são derrotados. Uma mesma canção interpretada por Beckmesser nos Mestres Cantores causa riso e rejeição, enquanto que a interpretação de Stolzing dá vida à música… E o discurso de Hans Sachs ao final da mesma ópera traz uma apologia da santa arte alemã, alertando para os perigos que vêm de fora. Mime estranhamente se declara hipócrita, pois esconde “pensamentos íntimos”, mas o pior é a parentesco de sua conduta — Mime, seu nome, mímesis em grego, significa imitação) — com a descrição dos judeus em O Judaísmo na Música, acrescida pelo fato de Wagner obrigar o personagem a registros altíssimos e a cantar em intervalos semelhantes aos de um pássaro – um corvo, uma gralha –, reservando-lhe ao final uma morte brutal sob a espada de Siegfried.
Grande admirador de Wagner, Gustav Mahler escreveu:
No doubt with Mime, Wagner intended to ridicule the Jews with all their characteristic traits — petty intelligence and greed — the jargon is texually and musically so cleverly suggested; but for God’s sake it must not be exaggerated and overdone as Julius Spielmann does it… I know of only one Mime and that is myself… you wouldn’t believe what there is in that part, nor what I could make of it.
Ora, tais coisas, quando em contato com quem necessita de justificativas para seus ódios… só pode criar uma idolatria. Não por acaso, caíram na mão de um certo Adolf Hitler. Ele ia com freqüência assistir às óperas de Wagner e orgulhava-se de ter lido tudo o que dele havia. Era amigo dos netos do compositor — fez-se fotografar inúmeras vezes com eles — e visitava Bayreuth mesmo durante os anos de guerra. Em 1923, foi conhecer a viúva de Wagner, Cosima. Ou seja, fazia absoluta questão de ligar-se ao compositor. Claro que o nazismo não é uma conseqüência direta disto, mas é indiscutível que Wagner influenciou a sociedade alemã com suas sagas nórdicas — tão ao gosto do nazismo –, sua pompa e anti-semitismo. Imaginem que Hitler era tão influenciado que tornou-se vegetariano… por causa e tal como o compositor!
Agora, há grandes méritos em Wagner. Foi compositor, regente, libretista, ensaísta, político (principalmente no sentido de que era suscetível a alterar suas posições subitamente, era um casuísta), polemista, amigo e referência de toda a intelectualidade alemã da época, entendido em acústica, publicitário dos bons, e era quase tudo o que você imaginar. Sem dúvidas, era um gênio. Construiu em Bayreuth um teatro revolucionário que até hoje é o melhor para suas óperas serem apresentadas, devido ao grande palco e ao fato da posição da orquestra ficar sob o mesmo, no chamado Abismo Místico (mystischer Abgrund), o qual produz um som absolutamente espetacular, escondendo inteiramente a orquestra dos espectadores — pois Wagner queria atenção absoluta ao palco — e permitindo que a orquestra abuse dos fortíssimo porque, por misteriosa ciência acústica, a posição da orquestra garante que tudo será ouvido clara e perfeitamente pelos espectadores da ópera (os fortíssimos serão suportáveis e não irão impedir que se ouçam ao mesmo tempo os instrumentos capazes de menos decibéis), apesar dos músicos sofrerem com o calor do aposento. A acústica do teatro está mais para o milagre do que para qualquer outra coisa.
Sua imaginação melódica e suas texturas harmônicas são de um refinamento ao qual é impossível associar imagens como, por exemplo, as dos assassinatos em massa. Há um enorme descompasso quando Goebbels utiliza sua música na propaganda nazista. Na verdade, é uma música revolucionária destinada a entendidos. Mas Goebbels se interessa pelo autor de O Judaísmo na Música, a música de um nacionalista que odiava os judeus, porém apenas algumas aberturas e a tal Cavalgada das Valquírias serviam aos propósitos propagandistas do regime e não suas vastas e complexas óperas que, em seu contexto, fizeram a efetiva ligação entre a música dó século XIX e a moderna. Sua música sempre aparece descontextualizada sob o nazismo e eu imagino o que não sofriam os nazistas que faziam a peregrinação anual à Bayreuth para assistir por horas e horas óperas destinadas a uma elite intelectual… Só que eles tinham que gostar, não? Na opinião do chefe, era a expressão de uma superioridade.
Eu leio Céline — um dos maiores romancistas que conheço — e abomino seu lado B; também leio Pound e gosto de Dali, um admirador de Franco. Por que não ouviria Wagner? É ilógico, mas confesso que o evito. Sinto como se houvesse muito de demasiado na personalidade de Wagner e isto invade a esfera artística de tal modo que é dificílimo ouvi-lo (não há erro na expressão “muito de demasiado”). Ele queria tudo: a obra de arte total, a criação de uma nova música, o teatro ideal para ela, procurava a maior controvérsia, escrevia panfletos, fazia tudo para aparecer e era tudo para si. É demais para mim saber de tudo isso, mesmo não ignorando seus indiscutíveis e tão audíveis méritos. Para vocês terem uma idéia, a cena em estética nazista do filme Apocalipse Now – a dos helipcópteros bombardeando os surfistas tendo a Cavalgada como fundo – provoca-me náusea… E nem sou judeu! É irracional, mas é assim. Defendo-me com o auxílio de Thomas Mann que denunciou o substrato racista das obras de Wagner sob aquelas confusas sagas nórdicas, das quais também não gosto nem um pouco, mas sei que é isso é apenas colocar uma grife numa rejeição para a qual não encontro explicação. Por que posso preterir o grande Richard Wagner e não o não menos enorme Louis-Ferdinand Céline? Sei lá.
Então, meu caro Said, eu não devo ter uma mente madura.
Milton,
Gosto muito do artista Wagner, mas, confesso que ouço suas obras quando estou só em casa porque o remorso permeia meu gostar… Como um músico tão brilhante pode pensar de forma tão pouco humana?
Abraço,
Fátima
É algo curioso, Fátima. Em mim, a aversão se manifesta cada vez que noto sua genialidade. Trata-se de um paradoxo invencível.
Pelo pouco que sei, os judeus entraram e foram acolhidos em solo alemão (prussiano, etc…) e, como sempre, se mantiveram fechados em sua sociedade.
Segundo Wagner, corromperam a língua alemã (o idiche é muito semelhante), entraram nas artes, e especialmente nas finanças sem darem muito em troca.
Falo com pouquíssimo conhecimento do assunto, mas imaginem como um grupo grande de brasileiros seria recebido em Israel se passasse a dominar o sistema financeiro e diversas instituições, não interagisse e permanecesse décadas (séculos) sem se integrar à cultura judaica.
Ou, ao contrário, se um grupo grande de um outro lugar chegasse ao Brasil e fizesse a mesma coisa.
Bem, não sou nada racista, mas creio que Wagner sentiu que a cultura alemã, que ele tanto prezava, estava sob ameaça.
Lembro, ainda, que Wagner faleceu em 1883 e Hitler nasceu em 1889…
Exatamente isso Cosme. Eça de Queiróz em sua visita à Alemanha ( Cartas de Inglaterra) fez um comentário interessante: ” os judeus fizeram uma Jerusalém dentro de Berlim.” Sim Cosme, os judeus foram bem recebidos na Alemanha, mas como em toda a parte do mundo, eles se fecharam. Quem leu ” o Judaísmo na Música,” de Wagner, não deve esquecer seus elogios ao ” Sr. Mendelssohn.” Como alguém antissemita iria elogiar um compositor judeu? Sim, ele fala de certos judeus que viviam na Alemanha desfrutando da cidadania desse país, mas que viviam somente dentro de sua própria sociedade e não permitiam a nenhum alemão estar em seu meio. Todos erramos, ainda mais em um país afundado pela corrupção como o nosso, com políticos que nunca pensaram em ninguém, senão em si. Esses não deixarão nada para as gerações futuras, a não ser dívidas e vergonha. Wagner deixou um legado musical para a humanidade de uma riqueza incomensurável. Sua música poderosa nos transporta, ouçam a Sinfonia em dó maior, sublime! Certamente muitos que censuram Wagner nos dias de hoje, desconhecem a História alemã, e o maior erro de um crítico de História, é o anacronismo. Fazer uma crítica de um tempo conturbado como foi o início do século XIX com a cabeça no século XXI, é um erro fatal. A França sempre foi antissemita e entre os séculos XVIII e XIX, havia uma Europa antissemita, mas a Alemanha ficou mais marcada por causa de Hitler. Cheguei a conclusão de que ouvir Wagner, como disse Hermann Hesse no Lobo da Estepe, ” é para poucos, para raros.”
Dá gosto de ler um comentário assim. Muito bom !
Dá gosto de ler um comentário assim. Muito bom !.
Concordo com Said e a saída (ai, desculpa!) é simples: se em 500 anos ainda houver humanidade e alguém que saiba ler uma partitura, o anti-semitismo do homem Wagner e outros pecadilhos de menor monta terão sido todos esquecidos, sobrando apenas sua música. Ou imaginemos que em 2.000 anos as partituras sobreviventes tidas como de um autor anônimo – restará a admiração pela música. Esqueça-se o homem, ouça-se a música, altere-se suas conexões (toquemos, como fez-se em Jerusalém, a música pelo seu valor em si), enterrem-se os cadáveres para que eles nos falem apenas do passado, não do futuro.
Bom, depois disso tudo, é claro, é bom dizer que ouvir Wagner não me alegra nem um pouco. Sinto-me preso à história e as sagas nórdicas são expressão de um barbarismo que se quer puro e demonstrativo da força de uma “raça”. Não por acaso os nazistas ambicionavam, também, substituir o culto católico pelo dos antigos deuses pagãos (há clubes de futebol hoje que referem-se a uma deusa, Borrusia, se não me engano). Merda por merda prefiro iludir-me com a razão – dela dá para desconfiar sem mergulhar em tolices obscurantistas (embora, claro, também esse mergulho seja possível, pois estamos a falar de humanidade, não dos deuses que ele criou).
Nessa mixórdia que é a vida humana nesse vasto e incomprensível Universo, Wagner não é a maior de minhas preocupações, mas não devemos negligenciar a intensa presença do reacionarismo e/ou conservadorismo em nossas hostes pluripartidárias. Wagner, assim, deve ser mais um desses cadáveres que só nos falam do passado e não tem lugar no futuro. Espero.
Amém, ops, divido minhas esperanças contigo, Marcos.
Meu problema é o contrário: eu nunca consegui suportar Wagner, independente da sua biografia, e me vejo obrigada a reconhecer seu valor. Sabe quando intelectualmente você aceita algo, mas ao mesmo tempo não lhe desce? Assim é a música de Wagner pra mim. Um dia me debruçarei com mais carinho sobre as Óperas pra ver se deixo de ser tão radical.
Não, Caminhante, temos o mesmo problema. Reconheço a qualidade porém… dá indigestão.
me pareceu q não entendeste o Caminhante. “independente da sua biografia”
ou eu é q não entendi.
[está ótimo passar no teu blog ultimamente, belos comentaristas]
Então deixa eu explicar melhor: eu disse independente da biografia porque não suportava da música muito antes de conhecer os pormenores da vida de Wagner. Soube e achei pior ainda. Aí soube um pouco mais e descobri que ele era um grande compositor, etc, etc.
Não curto muito o Wagner (olha só, como se eu fosse um ouvinte inveterado de música erudita!), dele gostando mais das alfinetadas do Nieschze sobre seu cristianismo exarcebado. Concordo plenamente com você Milton, de que se fossemos restringir os escritores permitidos aos humanamente intocáveis,só sobraria os pastéis de padaria como Stefan Zweig e Pearl Buck. Os grandes escritores realizam uma constante busca por sentido nesta pindorama toda, e,para mim, importam aqueles que conseguem passar uma fagulha do Inominável em suas obras. Céline é uma das minhas leituras preferidas (O Viagem ao Fim da Noite me marcou muito).Outro escritor que se pactuou ao nazismo,embora de forma menos gritante,foi o Knut Hamsun,que também foi uma das minhas leituras formativas.
Mas Said não tem muito de intolerante. como todo escritor,tem sim suas antipatias_ ele odiava Camus, também. Mas são deles uns dos mais geniais ensaios literários que já li,como o que compara Conrad com Niestzche,em “Reflexões sobre o exílio”. E foi bom citá-lo,pois hátempos procuro ocasião de reafirmar algo que o Marcos Nunes havia dito aqui, e você o rechaçou: segundo Said,em “estilo Tardio”, Glenn Gould realmente abominava Mozart , e só o gravou apressadamente e com descuido,para mostrar seu pouco caso.
“Glenn Gould realmente abominava Mozart”. Tá vendo, Milton? Com citação de fonte e tudo, de forma a sustentar que eu sou apenas 90% das vezes um mentiroso e farsante; nas demais 10%, sou apenas mal informado, o que é perfeitamente perdoável, ou seria, se não utilizasse minha desinformação com um tantinho de má-fé…
É também difícil p mim escutar Wagner, principalmente porque abomino ópera, não importa de qual compositor.
Mas, ao contrário do Marcos e do Milton, acho interessante a sugestão de Wagner, de que a arte trabalhe com os símbolos que as religiões literalizam. Excetuando mentes privilegiadas como o blogueiro e o comentador mencionados, a imensa maioria da humanidade, gentalhuda que é, ainda precisa dar vazão àqueles impulsos não-racionais de seu cérebros. E é sempre odioso quando surge um bando de malandros para aproveitarem essa tendência humana e estabelecerem um novo sistema religioso.
Duvido muito que Wagner tenha conseguido cumprir sua própria proposta, até porque o conceito de “arte total” no âmbito da tradição alemã soa muito megalômano. Porém, ele prenunciou algo do futuro. O cinema não seria a concretização moderna daquele ideal de arte total? Não há (claro, nos mais subliminarmente mais supersticiosos, e não nas mentes privilegiadas) o despertar de um certo sentimento religioso, verdadeiramente religioso, em obras como “A Última Tentação” de Scorcese, “Ran” de Kurosawa, “Anticristo” de Lars von Trier, “Stalker” e “Nostalgia” de Tarkovski, “A Montanha Mágica” de Jodorovski, “A Via Láctea” de Buñuel e o “Sétimo Selo” de Bergman?
Isso, de certa forma, Wagner prenunciou, assim como a popularização às raias da estereotipação (o que Nietzsche odiava) e o manejo político e comercial (o que era Bayreuth?) da própria arte. Será ele o avô da cultura pop? O uso recorrente de trechos das suas óperas mais fodonas pela publicidade (não só nazista) e em momentos célebres do cinema seriam um ponto a favor.
Esse negócio de precursor é meio chato, Victor, por isso darei uma radicalizada para encerrar o assunto. Muito mais que avô da cultura pop, temos o criador e pratriarca da cultura pop, que não é outro senão o velho Abraão – sim, o da Bíblia mesmo, o criador de um deus que constitui a primeira totalização, pontapé inicial para uma cultura de massas. O resto, como se diz no mercado econômico, é derivativo…
reductio ad absurdum? pô, isso é prá lá de mais chato…
(Milton, obrigado pelo email elucidativo sobre o uso dos pontos em parênteses. Acho que aprendi.)
(Ou não).
Eu é que não entendi, será que você poderia me explicar? (eu falo sério!)!
Abaixo, a resposta de minha prima professora:
Olha, Mílton, o detalhe poderia ser insignificante, mas tem lógica. A pontuação dentro dos parênteses é colocada quando faz parte da frase aí destacada: após os parênteses, deve aparecer a pontuação do parágrafo ou da frase onde está inserido.
Exemplo: Gostei muito do verbo acorreje (com certeza, um neologismo teu, não é?); não pretendo, porém, passá-lo para os meus alunos. Por falar em alunos, retornei ao colégio para substituir uma colega de laudo (problemas nervosos).
Valeu? Qualquer dúvida, grita.
Beijos a todos. VL
Interessante!
Olá Milton! São essas relações (ainda que sinuosas) entre estética e ideologia que me fascinam! Em algum artigo, Barthes reflete (mas não se aprofunda!) sobre a vanguarda artística que se identificará com o nazismo (ele está pensando sobretudo em Marinetti e Dalí, presumo), e a estética comunista, orientada pelo estado ao apelo realista, ápice do modelo de pensamento pequeno-burguês.
Ainda ontem fui procurar pelo jogo no Inter e acabei assistindo o Café Donna Fashion na TVCOM (desculpem-me, pequei Senhor!), em que tínhamos o Tatata Pimentel falando sobre Wagner, o Tulio Milman fazendo perguntas interessantes, o David Coimbra com conhecimento de almanaque de farmácia e o Teddy Corrêa odiando a conversa. Percebi que o Pimentel, na sua admiração pelo Wagner, apagava completamente o sujeito Wagner, contornando o seu anti-semitismo. Lógico que, antes disso, falavam sobre cocô de cachorro e depois sobre animais tratados como crianças. Hehehehehe…
Abraço
Conheci a música de Wagner sem conhecer a história de Wagner. Resultado: êxtase total!
Lembro-me que, à época, estava a sofrer de uma profunda crise mental, uma quase ruptura com a realidade: por muito pouco, mas por muito pouco mesmo não fui internado. Sofria de um terror total desde a primeira até a última hora de cada dia; isso durante, aproximadamente, 4 anos. Wagner, por muito tempo, foi meu único alivio: durante meses e meses, o escutei tal qual remédio. Assim, de alguma maneira, tenho uma dívida com a música de Wagner.
Depois Nietzsche entrou em minha vida. Li algumas vezes “O Crepúsculo Dos Deuses”. Percebi o amor e depois o ódio de Nietzsche por Wagner. Mas sempre dei um desconto ao bigodudo. Soube depois que Nietzsche foi apaixonadíssimo pela mulher de Wagner que, diga-se de passagem, o recusou (o mesmo acontecendo com a mulher de Rilke que também o recusou).
Em síntese, creio que a crítica de Nietzsche a Wagner foi muito mais pessoal que, na realidade, ao dito doentio romantismo do músico que, para o filósofo, era um câncer à cultura alemã.
Certa feita levei um susto: por Lohengrin, desde a primeira audição, vivi um verdadeiro fascínio. Vim a descobrir depois, perplexo, que tal obra era a preferida de Hitler. Que susto!
Mas com o tempo compreendi que o importante não é o que entra mas o que sai do coração do homem.
Quem foi que disse isso, mesmo?…
Errata:
“Crepúsculo dos ídolos” é o nome correto da obra de Nietzsche. Na verdade, o título é uma tiração de sarro do filósofo sobre a opera “Crepúsculo dos deuses” de Wagner.
Acho que é a primeira vez que comento no seu blog, apesar de segui-lo. Entendo patavinas de conceitos técnicos de música e reconheço isto com pesar. Minha capacidade de avaliar um artista por sua técnica aliada à sua criatividade se esvai. Só que nunca tive paciência nem raciocínio matemático para aprender música de verdade. Admiro a obra de Wagner, como as de tantos outros compositores clássicos. Aliás, música clássica pra mim é um deleite provocado pela incapacidade de análise do meu cérebro. Sempre soube da história do cara. É foda admirar um cara tão humanamente deplorável, mas fazer o quê? O êxtase é maior que minha arguição.
Abraços e parabéns, atrasado alguns meses, pelo blog.
Milton, mais que nada, está na hora de gente esclarecida parar de usar o termo ‘antissemita’ para antijudeu. O termo é mistificador. Os palestinos são um povo semita, e nada mais antipalestino hoje em dia do que o estado judeu. Nada a ver com Wagner, mas acho que é necessário no contexto.
Nobre Milton, quão expressivas suas palavras, e de todos que as comentaram. Desculpe a pobreza na metáfora, mas não poderia dizer de outra forma: sabe, me sinto como o namorado traído que ainda gosta da namorada, com aquela vontade de perdoar… mas não tendo forças, a condena e vai embora. É assim com Wagner e Heidegger, dois gênios que se ligaram forte (passado ou futuro) demais ao antisemitismo para serem perdoados. Wagner compôs algo de extrardinário, Heidegger quase me mostra que ontologia e fenomenologia são tudo o que importam ao se descrever a realidade e o que é. Mas.. Genialidade à parte, a vida de cada um deles é muito mais que biografia, ou não? Assim como Sócrates só é Sócrates por dizer, morrer e viver como Sócrates, devemos nos indagar, o que é o homem e que deve fazer para ser agraciado com nossos elogios? Dá para fazer isso com Wagner? Eu não consigo… e me entristeço por isto.
Desculpe-me, mas associar Wagner ao nazismo e a Hitler é um absurdo. O que Wagner disse sobre o nazismo de Hitler? Ele se orgulhou de ver um demente admirar o seu trabalho e usá-lo como trilha sonora de seus delírios tão cruéis? Wagner sorriu ao ver seu anti-semitismo se realizando, finalmente, nas inúmeras câmaras de gás? Wagner se extasiava com as marchas militares solenes e com as saudações ao Kaiser? Claro que sim. Como eu sei disso, se Wagner já tinha morrido há muito tempo? É porque vocês estão aí para falar por ele, representando-o sem a menor cerimônia.
Brilhante post! Parabéns. Concordo com tudo o que você falou.
E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música.
Milton vc falou bem, mostrando suas incertezas- acho porém que devemos no caso de Wagner e outros artistas de outras artes, optar pelo lado da arte pura e liberta de quaisquer amarras, para que ela saia incólume, como fruto da inspiração sublime que brota em nós, únicos animais de sangue quente portadores de consciência reflexiva. Ha muita exploração politica em torno dessa questão do Wagner e os judeus-isso é um assunto que pertence àquela época, e é apanágio da antiga Viena, um reduto milenar de anti-semitismo.Pessoas desavisadas se deixam influenciar por essas propagandas que são transplantadas de lugar no espaço por puro interesse material. Na realidade a época e local de sua eclosão era outra com outro pensamento, outro estamento politico. Vejam inclusive que ha indícios fortes de que ele, Wagner seja judeu, verifiquem em sua biografia – quanto ao enredo do Anel e outras peças, não tem nada de cabeludo ou apavorante ou qualquer outro adjetivo, trata-se da Mitologia Germânica. Porque ter “arrepios” pela mitologia germânica , se “Mitologia” é um termo sintético, e se esqueçam por exemplo da mitologia grega etc?.Esta nos vem repleta de coisas originais, sutis, sublimes, mas coisas outras bem calhordas, se me permitem o termo – as próprias escrituras bíblicas estão repletas de incongruências e mal caratismos, que são sublimados pelos sacerdotes como coisas santas e sujeitas a interpretações convenientes. Procurem ler o enredo do Anel dos Nibelungos, na realidade é um documento impressionante, exortando à libertação do homem do domínio dos Deuses.Não existe coisa mais extasiante quando entendemos as personalidades de Siegiefied e de seu aparentemente oposto Parsifal- ambos são uma homenagem à pureza do homem violentada pelos valores conspurcados pela civilização e pelos homens cuja tessitura foi de serem “maus”, nada tendo a ver com sua raça ou origem….
Não sei se isso me faz pior ou melhor, mas quando ouvi todo o ciclo do Anel me senti sublimado, tive um relâmpago rápido de transcendência e entendi até melhor algumas coisas que Schopenhauer falou sobre as artes, isso está além do moral e imoral.
Se formos julgar a obra de um grande homem por seus desvios pessoais, não apreciaríamos obras maravilhosas de literatura, música, pintura, arquitetura dentre outros, como exemplo, haveríamos de ter repulsa à construções barrocas, à Bach, a Vivaldi, a Nietzsche pois, nos primeiros, a igreja estava no auge da inquisição e no caso do último, esse era um anti-semita declarado, há um tópico inteiro no seu livro “Humano demasiado humano” em que ele ataca mestiços e enaltece o povo alemão puro. Portanto, há de ser feita uma separação entre o autor na obra e o autor em si. Alegar que há muito de Wagner em suas músicas e devido a isso elas são de difícil apreciação, é alegar não apreciar as obras de todos os autores que também faziam parte do romantismo e do posterior naturalismo, pois esses tiravam de si, de suas essências, suas criações. Em fim, toda esta militância (não em seu artigo, mas que tem ocorrido recentemente) contra Wagner tira o foco do mais importante, o fato de esse homem ser um dos mais inovadores e influentes músicos do romantismo e suas músicas são conhecidas pela maioria dos ocidentais, ainda que muitos não conheçam o compositor ou o nome das obras, garanto que todos conhecem a introdução de “Ritt der Walküren”.