Não faz falcatrua com o tio

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Fui vítima de um sequestro relâmpago em 2002. Não foi nada divertido. Eu estava chegando na residência de minha mãe quando vi um jovem vestido como qualquer pessoa de classe média aproximar-se da porta de meu carro. Veio numa velocidade inequívoca, deixando bem à mostra uma arma que apontava para algum lugar abaixo de minha cabeça, ou seja, a porta, pois eu estava sentado no carro, esperando que a porta automática abrisse. Fazendo o que sempre vira nos filmes, saí do carro com as mãos para o alto, em total silêncio. Ele me mandou sentar no banco de trás, onde logo recebi a companhia do mais agitado do grupo. Os bancos da frente foram ocupados pelo rapaz da arma e sua namorada. Eram 19h30, mais ou menos.

Mantive o silêncio que insiste em me acompanhar nas situações críticas e apenas notava vagamente que o motorista desejava dirigir rapidamente, mas que era inexperiente, muito inexperiente. Não parecia drogado, apenas dirigia mal. Já meu companheiro de banco parecia bastante alterado. De forma descontrolada, gritava palavrões e batia em minha cabeça com o cano do revólver que recebera do motorista. Ele apontava a arma para um local acima de meu ouvido direito — bem onde eu suponho que esteja meu cérebro — e batia ali com força. Eu não consigo refazer perfeitamente este período em minha memória. Acho que meu estado era mais de perplexidade e menos de medo, mas talvez isso seja uma fantasia posterior: meu estado devia ser de medo paralisante e só. Afinal de contas, eu nunca peguei um revólver e imagino que este seja uma coisa para ser manuseada com certo cuidado, como se maneja algo prestes a explodir. Não deve ser um instrumento para bater na cabeça de alguém, ainda mais com o cano apontado. Tratava de ficar o mais quieto possível ouvindo um monte de ofensas, quando o motorista mandou o sujeito parar de babaquice e ver se eu tinha dinheiro. Em resposta, o sujeito abriu minha pasta e logo achou a carteira. Tinha R$ 30,00. O cara ficou puto.

Antes que ele voltasse a se divertir com minha cabeça, resolvi falar:

— No bolso de trás da calça, tem R$ 1.700,00.

O casal no banco da frente comemorou, dizendo que o tiozinho era legal. Meu colega começou a dar risadinhas enquanto demonstrava enorme dificuldade para pegar o dinheiro, apesar de eu ter virado quase 90º a fim de que ele pegasse. Então, ele mandou que eu entregasse o dinheiro para ele. Não pensem que ando sempre com R$ 1.700,00. O que ocorrera é que eu achei que tinha dinheiro demais no caixa da firma e resolvi levar comigo. Era uma atitude rotineira para evitar, digamos, faxineiras mais curiosas. Disse para eles que não tinha dinheiro em caixa automática, que pegara tudo. O cara do meu lado duvidou aos berros, perguntando se eu tinha certeza absoluta daquilo. Confirmei e confirmei e confirmei. A menina do banco do acompanhante disse que era melhor assim pois

— fico muito “tensionada” nesses caixa automático.

Empreendemos um longo passeio aparentemente sem objetivo nenhum. O motorista dizia que o rádio do carro era uma bosta, que nem valia a pena roubar. Partiram para as avaliações: meu relógio era legal, o celular era outra bosta, a pasta era das caras e eles levariam, etc. E assim chegaram a conclusão que o saldo do sequestro seria R$ 1.730,00, minha pasta e o relógio. Apesar disso, ligaram o rádio na Atlântida, da RBS. A conversa era pouca e o motorista nos levou à periferia de Canoas, voltou a Porto Alegre, andou por umas vilas, etc. O que procuravam? Era algum plano para mim? Em certo momento, vi que o rapaz ia dobrar numa rua onde eu tinha visto rapidamente as luzes de um carro da Brigada Militar. Dei um grito:

— Não entra aí, tem um carro da Brigada!

Pode parecer paradoxal, mas achei que poderia haver algum gênero de tiroteio ou confronto e que eu seria um detalhe insignificante para ambos os lados. Além do mais, minha pequena experiência manda evitar autoridades como criminosos, brigadianos, juízes de direito e de futebol. Mais paradoxal ainda, sempre me entendi bem com policiais, os quais sempre foram razoáveis. Mas tergiverso. Minha atitude foi saudada pelos inquilinos (ou novos donos) de meu carro como um grande passo em minha vida como celerado.

— Porra, o tiozinho aprende rápido!
— Cacete, como é que ele viu?

Como já estava me tornando um ídolo, já conseguia pensar claramente que eles estavam procurando um lugar para me matar ou para utilizar meu inexpugnável ânus para seu prazer, algo assim. Como ninguém me impedia de falar, empreendi o mais patético dos discursos: tinha dois filhos pequenos (verdade), era separado (verdade), cuidava de uma mãe doente (verdade), era filho único (mentira…), trabalhava para todos eles (mentira) e que haveria muito sofrimento se alguma coisa me acontecesse (não sei); enfim, apelei. Então, subimos um morro de Porto Alegre que atende pelo delicado nome de Maria Degolada. O rapaz foi parando num local que, se não era um descampado, também não era desabitado. Então, a menina do banco da frente falou com veemência para o motorista:

— Não faz falcatrua com o tio! Ele é legal!

O cara olhou para ela e disse:

— Calma, …inha.

Me mandaram sair do carro. Saí lentamente, como se estivesse entre amigos, mas na verdade pensando que, se corresse, poderia levar um tiro (sabem aquele instinto que manda a gente NÃO correr de cachorros?, pois é, foi o que pensei indistintamente). Dei alguns passos e me chamaram. Quase me caguei. Era o motorista. O rapaz, com um sorriso, dizia para eu levar minha carteira vazia de dinheiro e meu celular de merda. Devia ter pedido dinheiro para o ônibus, talvez ele me desse. Me explicou que dava trabalho fazer os documentos que estavam na carteira e que tinha tirado a bateria do celular para eu ter não telefonar para meus amigos brigadianos. Peguei as coisas e caminhei devagar. Nunca mais os vi.

Depois de algumas quadras, notei que estava fedendo. Era o pior cheiro que já tinha sentido em mim. Era uma coisa animalesca, chegava a arder no nariz. Horrível. Caminhei, acho, por três horas. A sede era imensa. Quando cheguei à casa da minha mãe, ela dormia. Melhor assim. Devo ter ficado meia hora esperando a banheira encher, coisa que nunca fizera antes. Mergulhei na água pensando em meu azar e sorte, e no significado de “falcatrua” para aqueles caras. (Ouvi depois essa palavra ser usada no sentido de sacanagem).

No dia seguinte, às 8h em ponto, avisei o seguro sobre o carro e eles me mandaram fazer uma ocorrência. Fui trabalhar, não estava com nenhuma pressa de ir à polícia. Raciocinava confusamente que o problema era meu e que não tinha necessidade de ficar falando naquilo. Por volta das 10h30, um funcionário da seguradora me ligou, dizendo que meu carro estava na Rua Botafogo, estacionado em local proibido, com as janelas abertas. Meu rádio devia ser uma bosta mesmo, o resto também. Nunca fiz a ocorrência e nem liguei de volta para o seguro. Ninguém, além de meus filhos, soube da história. Naquela época, era doloroso demais contá-la.

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49 comments / Add your comment below

    1. Domingo de manhã, sem mais nem menos, comecei a contar esta história para uma amiga. Depois de sete anos, dá para falar até com certa tranquilidade a respeito.

  1. Uma experiência risível

    O velho atende o telefone e alguém do outro lado da linha diz: “Não fale nada, ouça: seu filho está conosco. Seqüestrado. Não ligue para ninguém, não tente falar com o celular dele, que está conosco. Voltamos a contatar em breve”. Diante do sinal de ocupado, o velho inquieta-se. Aguarda pelo novo telefonema, que vem em seguida: “Somos nós novamente. Se quiser ver seu filho de novo vai ter que pagar. Não ligue para a polícia, senão ele morre. Queremos 50 mil”. O velho não tem 50 mil, diz isso aos seqüestradores, mas estes respondem: “Não queremos saber. Voltamos a ligar em 15 minutos. Se vira”. Apavorado, o velho liga para a ex-mulher, para o filho mais velho e para a filha mais nova. Todos ficam sob enorme tensão emocional. Eis que o filho mais velho resolve ligar para o escritório do mais novo (aliás, somente um ano mais novo que ele) para avisar os funcionários mas, como são 12:00 hs, quem atende o telefone é justamente o irmão. Ele não acredita:
    – Marcos?
    – Que é?
    – É você mesmo?
    – Porra, claro que sou eu mesmo, você acha que alguém iria querer tomar o meu lugar?
    – Cara, não é isso, é que…
    E conta a história do “seqüestro”, golpe evidente e bastante difundido. Logo em seguida, ligam para ele pai e mãe. A irmã mais nova, bem, a irmã mais nova deve estar em qualquer outro lugar, físico ou mental.
    Marcos fica com uma pulga atrás da orelha. Não seria mesmo uma boa idéia alguém ser aquilo que ele é para que ele mesmo pudesse ser outra coisa?

  2. A história em si não é nada bela, claro – mas foi contada com muita energia e vibração, então acho que faz algum sentido dizer algo como “bela história, Milton”…

  3. bá.
    [impressionante como tu sabe contar uma história. acho q é a habilidade q mais posso admirar numa pessoa]
    bateu forte aqui. sei lá o q dizer. SAÚDE pra ti.

  4. Milton
    Bem forte.
    Acho que consigo imaginar o que tu sentiste. Muito pela tua narrativa, que me deixou com um punho fechado no estômago.
    Mas também porque fui assaltado uma vez. Nada parecido com o teu caso. Na verdade, foi ridículo.
    Em Botafogo, num domingo de manhã, eu com R$120,00 na mochila, roupas para uma semana e cartão de crédito. No bolso da calça, R$ 7,00, troco do metrô.
    O carinha chegou, mostrou o revólver na cintura e disse para seguir andando, devagar. Seguiu do meu lado, como um amigo.
    Pediu celular. Eu não tinha. Ficou puto, mas mandou por a mão no bolso e dar dinheiro. Dei os sete reais.
    Só isso, porra?
    Só (mentira, tinha os da mochila).
    Ele pensou um pouco e perguntou onde eu estava indo.
    Vou pegar um ônibus na praia de Botafogo.
    Ele pensou mais uns dois metros.
    Disse: é que ainda não comi nada (eram umas 11 horas da manhã). Seginte, vou pegar R$5,00 e você fica com 2 para pegar o ônibus.
    Foi embora.
    Eu entrei num boteco e pedi uma água.
    Foi patético. Se me contassem, eu não acreditaria.
    Mas isso não impediu que, por dez minutos, antes que eu voltasse a andar e passasse a fazer piada com a situação, eu me sentisse profunda e inapelavelmente violentado. De verdade.

  5. Milton, esse é o tipo de post que cala tão fundo que nem dá vontade de comentar, porque qualquer coisa que eu vá dizer aqui não acrescenta nada e vou me sentir leviano frente a uma vivência tão extrema.

    Mas só queria registrar que já foi uma experiência muito impactante só ler teu relato. É inevitável que nos coloquemos na tua situação, imaginemos o teu medo e tua perplexidade, não só porque você conseguiu narrar com cores vívidas e precisas, mas também por ser algo que pode ocorrer a qualquer um de nós a qualquer momento. E sabe-se lá se teremos a tua presença de espírito de “conquistar” os “inquilinos” e impedir que ocorra a “falcatrua”.

    Repito o que eu disse lá no Nassif há pouco: enquanto não rolar distribuição efetiva de renda nesse país, que dizem ser já a sexta economia do mundo, e um comprometimento de toda a sociedade com uma educação humanista, quem paga o pato somos todos nós, e será brasileiro comendo brasileiro, às vezes literalmente.

  6. Nunca passei por experiência violenta e terrível como a sua, embora conheça várias pessoas (até próximas) que a vivenciaram. Não vou entrar no mérito literário da narrativa (perfeita, certeira, com o distanciamento que não diminui seu impacto mas suficiente para nos ferir).
    A impotência diante de um cano de revólver é humilhante, sem conseguir apagar sua dignidade de querer continuar vivendo, e isso é o mais importante.
    E a raiva? O fígado destilou, pelo suor, o fel do ódio, não? Um paciente meu ficou dois anos sentindo o tal cheiro, teve que vender o carro (ninguém o percebia, apenas a vítima!).
    Bom que o ‘tio’ tenha sido legal e tenha vivido para receber meu abraço pessoal (há tempos, hein?) e sorver um vinho inesquecível.
    Abraços.

    1. De onde vem a porra desse cheiro?

      Sabes que no dia seguinte me convidaram para sair à noite? E eu disse que não ia mas ligeui de volta e fui, no mesmo carro, inteiramente em pânico, vendo fantasmas em cada esquina.

  7. Excelente Milton! Você estava a nos dever uma dessas. Sempre que você descambar para os assuntos band-aid, os textos tampões com fotos para preencher a página, as rixas simpáticas ocasionais com prazo de validade até as 24 horas seguintes em que, o serviço vencido, provavelmente se possa mais uma vez recorrer às musas, um de nós tem o direito de te trazer à obrigação de te lembrar de que isto aqui é coisa séria; ou você se rende à maldição de sustentar seus leitores, ou vira um twitteiro de tempo integral. (Ontem, enquanto a nave atravessava o silencioso e deserto espaço sideral, registrava-se 17 visitas on line_ ainda que talvez mais da metade disso fosse de portugueses ensandecidos, querendo purgar mais ainda o tal cuspe na fonte.)

    Victor, acabei de assistir Anticristo. Sua recomendação de não ler seu comentário antes de ver o filme procede: a temática da obra, a meu ver, é justamente o bem que nos proporcionaria a morte de alguns pesados aguilhões que se prende ao calcanhar de nossa espécie, como o da psicanálise. E, complementando ocasionalmente o rendimento deste filme realmente estupendo, estou lendo Minima Moralia, que também acusa de forma brilhante o quanto a psicologia freudiana se adequa a um instrumento de dominação burgues e coisificação apaziguadora do indivíduo.

    1. “A temática da obra, a meu ver, é justamente o bem que nos proporcionaria a morte de alguns pesados aguilhões que se prende ao calcanhar de nossa espécie, como o da psicanálise. E, complementando ocasionalmente o rendimento deste filme realmente estupendo, estou lendo Minima Moralia, que também acusa de forma brilhante o quanto a psicologia freudiana se adequa a um instrumento de dominação burgues e coisificação apaziguadora do indivíduo”.

      Cê jura? Aí vou ver correndo… Mas pelo o que o Victor comentou, óia, tá justo o oposto, né não?

      1. Minha opinião, também! Mas se trata de meu entendimento de um filme que é cheio de símbolos e sujeito a interpretações diferentes.

    2. Ô, Charlles, eu avisei, né? De modo algum eu quis fechar o filme naquela minha interpretação, tanto que fiz inúmeras ressalvas no início, e o tom categórico daquela análise se justifica pelo fato de que foram anotações pessoais, escritas de uma só vez num expurgo realmente “brainstorm” que nem tinha imaginado divulgar, e muito menos foram revisadas a fim de propiciar a necessária abertura à outras interpretações. Lars, sem dúvida, não foi tão cerebral quando eu sugeri, não “pensou” tanto seu filme quanto eu propus naquele exame.

      Quanto à psicanálise, vejo que tu anda bem acompanhado de Adorno, e ele é sempre um grande mestre. Mas veja meu lado: por 15 anos, eu rejeitei as teorias de Freud, e não sem total desconhecimento de causa, pois para rejeitar eu precisava conhecer, e li muito (na péssima tradução para o português) sem concordar com quase nada do que ele escreveu. E, assim, abracei as teorias de todos aqueles que o denunciavam e criticavam. Li muito de Jung, Wilhem Reich e Eric Fromm. Enamorei-me, por um bom tempo, pela neurologia purista, através de Ramachandran. Como poucos de seus críticos leigos (sou formado em direito!) eu sabia de cor algumas passagens dos principais textos de Freud, só para ter o prazer de questioná-las, e contava com um sorriso nos lábios título de um livro de James Hillman: “Cem anos de psicoterapia e o mundo está cada vez pior”. Pois não é que, depois de velho, eu acabei dando a volta no Cabo da Boa-Esperança, e sendo obrigado, após muito pensar e observar, a dar o braço a torcer e reconhecer que Lacan e Freud tinham lá suas razões em muita coisa? É como Marx: é preciso construí-lo, desconstruí-lo e depois reconstruí-lo para percebemos coisas em seus escritos que a primeira e segunda etapa deixaram passar desapercebidas. Quem está a desconstruir, por certo, confunde o sujeito que se encontra na segunda fase com aquele que ainda ficou estagnado na primeira, mas não é bem assim. Enfim, há muito que falar sobre o assunto, e esse não é o lugar. Grande abraço!

      1. Minha resposta acima, ressalte-se, foi escrita sem ler o comentário do Marcos Nunes, postado enquanto eu digitava a resposta ao Charlles. Se fosse para comentar algo ao Marcos, eu lhe diria a única coisa que se deve responder a um adulto que critica livros que ainda nem leu, filmes que ainda nem assistiu, e adora provocar gratuitamente outros adultos (eu e o Charlles, preferencialmente) como se eles participassem do mesmo jardim da infância emocional no qual ele se encontra: talvez algum tipo de terapia lhe fosse veementemente recomendável.

        1. Victor, ressalvo que gostei muito de seu comentário do filme. Ter outra interpretação não o desmerece para mim. Aliás, enquanto o assistia, ia notando o livro infantil e demais detalhes que você captou com um apurado olhar para a apreciação de quadros de grandes mestres holandeses, e penso que talvez, sem tê-lo lido, me passariam batidos. Não sou da vertente dos que gostam de Freud. Li apenas “A Psicopatologia da vida cotidiana”, e em horas de ócio folheava os volumosos compêndios de seus casos clínicos. Além de Adorno, outros importantes escritores repudiam seus dogmas escatológicos e seus carpenteirismos da nebulosa do subconsciente, onde todos os nós insinuam as mais terríveis doenças espirituais, como Aldous Huxley, Bellow, Allan Bloom. Freud teria ido mais longe se não tivesse a obrigação de prestar contas às origens acadêmicas de sua formação médica. Teria se mantido como o brilhante escritor que foi (mesmo nas péssimas traduções é perceptível sua profunda musicalidade na escrita), se tivesse mantido uma segura distância dos cargos de ofício que mutilam tão irreparávelmente o intelecto. Se pudesse anular meus defeitos e caçoetes na escrita e te dar um conselho, penso que seus textos ficariam ainda mais brilhantes se atentasse na liberdade que nós, não profissionais da psicologia, temos em manter em suspeição as visões freudianas e suas palavras cada vez mais caídas numa obsolescência simplista diante as sombras que se avultam nestas eras sucessivas da técnica, onde a perversão já transcendeu a mera razão das repressões sexuais.

          Abraços.

      2. Charlles, estou longe de querer defender Freud, e não vou assumir uma posição que nem mesmo me convence apenas por orgulho de não dar o braço a torcer em uma conversa na internet.

        Entre os diversos males de Freud, posso listar: seu reducionismo da psique humana a pulsões sexuais reprimidas (que você citou); suas descrições mecanicistas das estruturas da psique; sua pouca criatividade na análise dos mitos e tradições de culturas primitivas; sua infeliz concepção de que a base do condicionamento humano é a culpa; sua proposta de que a psicanálise deveria substituir a “dor psíquica aguda” dos pacientes pela “dor crônica produzida na terapia”; seu sectarismo quase religioso na organização de seu colegiado de psicanalistas; sua visão míope sobre os instintos religiosos da humanidade; sua incapacidade de separar em suas teorias os traumas de sua experiência emocional pessoal daquilo que há de universal (muito do que ele escreveu é projeção de seus próprios problemas íntimos, pouco tendo a ver com o resto da humanidade); a absoluta ausência de rigor científico em suas pesquisas; o prisma reacionário e conformista da visão de mundo que a psicanálise propõe, e por aí vai.

        Porém, a verdade é que a natureza humana não cabe em uma só teoria. Já que você citou Huxley, vou usar uma expressão que ele criou: as diversas teorias são “hipóteses de trabalho”, aproximações abstratas, não necessariamente certas nem erradas, que podemos utilizar, e devemos, sem rejeitar ou abraçar totalmente de antemão. Assim, as hipóteses de trabalho que permitem analisar a natureza humana sob a ótica da neurologia, da psicanálise, do marxismo, da psicologia analítica, do cognitivismo, do darwinismo e de tantas outras tem, cada qual, seu determinado grau de validez, e é inútil tentar encaixá-las. Cada uma acrescenta uma verdade e uma mentira, e já passei da época de dizer que todos os males do mundo estão nesse ou naquele ponto-de-vista. Quanto à obra de Freud, embora sua hipótese de trabalho seja muito primitiva e reducionista em diversos aspectos, outros tantos cabeções que vieram depois dele (e, curiosamente ou não, depois de Huxley e Adorno desferirem seus ataques) propuseram outras abordagens sobre o cerne de sua ótica, enriquecendo-a de um modo geral que não se divulga ao público, que se detém ainda naquilo que já mesmo entre os freudianos é tema ultrapassado. Por mera sorte, acabei deparando-me com essas outras e mais recentes abordagens, e a culpa de serem desconhecidas do público é dos próprios psicanalistas, totalmente incompetentes quando se trata de sair de seu pequeno mundo de jargões herméticos.

        Em minha pessoal abordagem das manifestações humanas (inclusive artísticas), costumo recorrer às “hipóteses de trabalho” que, naquele determinado caso, mais me parecem apropriadas. Outras vezes, recorro à hipótese de trabalho que, casualmente, estou mais estudando naquele determinado momento. Foi esse o caso de Anticristo, pois estou lendo muito sobre Lacan no momento. Como ressaltei no comentário que Milton publicou, tratavam-se de “anotações que fiz no dia seguinte à primeira vez que assisti ao Anticristo”, “registros fragmentados e despretensiosos”. Eu poderia, perfeitamente, elaborar uma abordagem junguiana da obra de Trier (essa é fácil), e também poderia escrever um texto no qual minha análise seria inspirada justo no que há de visceral, caótico e emocional no longa metragem.

        Claro, em uma época onde está na moda lançar breves comentários irônicos e duvidar de tudo, posando-se de iconoclasta a torto e a direito (Charlles, não me refiro a ninguém em particular), é um tanto ingênuo escrever um texto (e publicá-lo) que se propõe a enfrentar um tema sob o ponto-de-vista de uma específica hipótese de trabalho, tentando sistematizar e esgotar a abordagem nessa determinada perspectiva, mesmo que em parágrafos fragmentados. O primeiro risco é que se dá a cara para bater, pois ali está o alvo, ali estão as palavras que não podem ser desditas e que qualquer um pode contestar. O segundo risco é que, se tentamos expor, posteriormente, que aquilo era apenas uma “hipótese de trabalho”, passamos por alguém que não tem convicções, que covardemente se refugia no relativismo abjeto. Mas eu prefiro, ainda assim, fazer as duas coisas se julgar necessário, expondo opiniões de modo categórico e depois reconhecendo as lacunas daquela pretensa sistematização, do que optar pelas atitudes opostas, quais sejam, deixar de expor idéias e persistir em determinadas posições sem convicção, só por orgulho.

        Assim, se alguém pretender que eu diga: “Vou defender a psicanálise até a morte porque estou convicto das teorias de Freud e Lacan e é óbvio que Trier queria dizer exatamente tudo aquilo que eu disse que ele quer pois é a interpretação definitiva”, sinto muito decepcionar, mas não sou capaz de mentir nem sou estúpido. E, da mesma forma, também jamais direi “Sim, a psicanálise está completamente errada o século vinte estaria melhor sem ela”, pois já sei que a realidade das grandes teorias de nosso tempo é muito mais complexa do que um simples rejeitar e abraçar pode dar conta (e substitua-se, nessa frase, “psicanálise” por “neurologia”, “psicologia analítica”, “marxismo”, “cognitivismo”, “darwinismo”, e outros tantas aproximações teóricas, parcialmente acertadas e parcialmente equivocadas, que tentam compreender a natureza humana).

        E para o Arbo: não não, o óleo da vida é o sexo, tenho certeza, e não a provocação gratuita (aviso para que não desperdice energias no alvo errado, pois a sua confessada miopia já pode ser um sintoma congnitivo do desvio da libido).

        1. Em tempos: estou lendo “O Assassinato de Cristo” de Wilhem Reich, um texto formidável e antipsicanalítico por excelência, que recomendo muito ao Charlles, mas não ao Milton, por não ser exatamente a obra de um ateu. Encontra-se gratuito na web. Se não achar, envio por e-mail o meu pdf.

        2. E eu gostaria muito de ler sua abordagem junguiana da obra de Triers.

          Não foi Jung que disse: “Não acredito: eu SEI” ? Um posicionamento ousadamente arrogante como este me deixa propenso a me simpatizar com esse estudioso de sinais de uma possível realidade extra-acadmica.

        3. Nessa frase, Jung se referia à Deus, numa atitude que Freud, com típica falta de criatividade e mal humor, teorizava como um mero recalque da ferida edipiana não assimilada. Jung, certa vez, decidiu construir um pequeno castelo ele próprio, como único arquiteto, engenheiro e pedreiro da empreitada. Após terminar a obra, colocou no seu frontispício a frase: “Invocado ou não invocado, Deus está presente”. E essas manifestações de arroubo não-ateu, acredite, estavam longe de virem de um crente ingênuo.

          Jung era totalmente extra-acadêmico. Para começar, comeu todas as suas pacientes.

          Um xamã louco e fascinante, foi a grande decepção da vida de Freud, e desenvolveu uma obra monumental e controversa – mas muito mal compreendida também, em parte pela mediocridade dos posteriores “junguianos” (Jung não teve o seu Lacan, por assim dizer).

        4. Victor H. L., veja só, o post e os comentários abaixo do Woody Allen + Scarlet me ajudam nesta hora. Apenas queria trazer o humor à baila. As conversas ficam (e são, apesar de), mais interessantes, me parece, qdo não entram na “competição”…
          A miopia como desvio da libido é um diagnóstico exemplar no q diz respeito, pelo menos, ao humor. veja só.

  8. Não tenho nada a complementar o que já disseram. Você contou da maneira mais tranqüila o possível, mas o texto é uma pancada. Porque pode acontecer com qualquer um e ninguém sabe ao certo como vai reagir. Muito menos como a história vai terminar.

    Saúde pra todos nós.

  9. Mas, Milton, seu texto, por correlações mentais com o cotidiano, provavelmente apareceu em reflexo ao que aconteceu no Rio de Janeiro neste fim de semana, a queda do helicóptero, os ônibus incendiados (curioso o apego destes traficantes multimilionários em transformar todos os objetos da cena do homem comum em pesadelo, destruindo o que seria o antônimo à sua realidade de crime na figura da condução que o trabalhador tem que pegar para ganhar a sobrevivência de todos os dias: como se, além da efetividade estarrecedora do caos e da morte, estivessem fazendo odes ao seu modo de vida, convidando os filhos destes trabalhadores para o glamour aventureiro de não precisarem de ônibus senão como alvo carbonizado de chacota aos que padecem no rebanho assalariado), as mortes terríveis… As palavras é o que nos atrasa, no Brasil. Se a providência nos agraciasse com o defoeniano privilégio de sermos um país de mímicos, sem o recurso da fala e da escrita, penso que haveria um rabisco de solução no que, na nossa infeliz realidade corrente, afigura-se como um inferno cada dia mais grotesco e insolúvel no excesso de palavras tonitroantes e inúteis que temos na imprensa factóide, no congresso embostalhado, nos projetos sociais também embostalhados em suas fachadas corruptas de privilégios pessoais, no funcionarismo público inútil de um Estado inexistente. Na possível mudez, a falta de catarse da frase falada (a falta do desabafo, que no Brasil das milícias particulares já não desobstrui o medo e a indignação de ninguém), nos obrigaria ao “tudo ou nada” com seja quem for, o Ministério Público, o governo, o exército, os morros, a polícia.

    O fato é que, mesmo morando a mil quilômetros do Rio, essa realidade carioca me pega em cheio aqui no interior de Goiás. As drogas são disseminadas por aqui. Grande parte da juventude a usa. A delegada local, ineficiente sob o deslumbre de seu salário de quase dez mil reais por mês (um dos maiores entre a categoria, no país), que “trabalha” dois dias por semana e tira férias por conta própria, participou da prisão de nove traficantes, com aquele teatro holliwoodiano típico da polícia, viaturas, PMs fardados de um preto iracundo que deixa a multidão de curiosos arrepiada no dorso pondo-se na previsão de que serão os próximos. Daí, o que acontece? Duas semanas depois, toda essa quadrilha está novamente nas ruas, liberada por ofício da juíza pela prisão ter sido irregular: faltava laudo de apreensão das drogas e outros documentos que a delegada, em sua investidura por mérito de ter passado num concurso concorridíssimo, não sabia (ou não teve tempo) em providenciar.

    Todo o Brasil deveria se chamar Maranhão. Aqui onde moro é arcaico, atrasado, com o povo atolado em sua ignorância e inanição. E não pensem que o Espírito Santo, a Bahia, São Paulo, Rio Grande do Sul, ou qualquer outro canto com vigores cosmopolitanos neste país seja mais evoluído e melhor que aqui. Não temos distinção nenhuma em relação ao nosso atraso; nossa classe única como partícipes não reativos de uma guerra civil nos nivela pela baixíssima e desonrosa categoria de vítimas indefesas. Desculpem, mas como disse Borges, as únicas pessoas que nos fazem sofrer são as que amamos, por isso essa minha indignação com esse país de merda por ser pai. Mas não adiante falar. Sob o ruído, vai ver que minha prediga já esteja acontecendo, e vocês não estão me ouvindo ou lendo, assim como não ouço e não leio vocês.

    1. Tens razão, Charlles. Vi a irresistível Renata Vasconcellos narrando aqueles fatos e me dei conta que a guerra agora será para valer. O governo vai querer limpar o Rio e os traficantes multimilionários, imagine, não vão querer sair, imagine.

      Então, pensei nos meus sequestradores e resolvi que estava na hora de escrever a respeito. Afinal, já tinha verbalizado a coisa para uma amiga durante o café da manhã de domingo. Um dia, quando estiver mais livre, haverá histórias de juízes. Tenho-as várias.

      “Desculpem, mas como disse Borges, as únicas pessoas que nos fazem sofrer são as que amamos, por isso essa minha indignação com esse país de merda por ser pai”…. Responder o quê?

      Abraço.

  10. A Cidade do Poeta
    by Ramiro Conceição

    Sob o sol do Sul, um ipê se aproximava
    do andarilho com seus cães. Mas, metralhadoras
    na favela…
    Ainda assim,
    o artista libertou os domesticados:
    bem se escondeu; mal correu — desacorrentado.

    Pródigo, o ipê ofertava ao poeta
    seu raro amarelo nítido: ensinava
    que o belo é meio, não um fim, ao infinito.
    Mas, metralhadoras numa vilela…

    De longe, saltitantes, bem e mal
    retornaram às coleiras imaginárias
    do consagrador de palavras,
    mas o amarelo inovador com gravidade
    foi ferido
    no cantarejar das metralhadoras
    na viela:

    um pequeno lusíada mestiço,
    num beco brincando com a vida,
    morreu — sem saída.

    PS: Escrevi este poema faz uns 15 anos, no mínimo. Publiquei-o em 1999. Perdi a conta das dezenas e dezenas de vezes que li notícias sobre os “lusíadas mestiços” mortos nos becos da vida. E a sensação é de que o tempo não passou. Este poema poderia ser escrito neste instante. A violência,
    nas grandes cidades brasileiras, é o poético urubu verde da esperança que voltou a se pintar de preto…

  11. Victor:

    ” A psicologia aliena o homem de si próprio, denuncia junto com sua unidade a sua autonomia e assim o submete inteiramente ao mecanismo de racionalização, da adaptação. No final a sabedoria da psicanálise torna-se realmente aquilo pelo qual o inconsciente fascista das revistas de horror a toma, técnica de um bando especial entre outros para irrevogavelmente prender a si pessoas sofredoras e desamparadas, e assim comandá-las e explorá-las. A sugestão e a hipnose, que ela rejeita como apócrifas como o vociferante mágico na tenda de espetáculos, retornam no seu grandioso sistema tal como a farsa no grande filme. Aquele que presta ajuda porque sabe melhor converte-se naquele que humilha o outro mediante o privilégio de ter razão. Ela expropria o indivíduo ao lhe servir a felicidade.”(Theodor adorno, minima moralia, p.60)

    A mim pareceu que o terapeuta, em Anticristo, ao matar sua mulher a qual submetera a todo tratamento racionalizante da psicologia possível, conseguiu a liberdade (sinalizada a sua contradição visivelmente pela roda de metal que a mulher lhe parafusara no calcanhar). A cena final é de pura libertação, com os animais recompostos de suas teratologias e a procissão de mortos arrebatados que sobem a colina (como se em direção a um facho de luz). O protagonista se torna um novo Adão, colhendo as frutas do paraíso e capacitado a nomear todas as coisas. Por incrível que pareça, me fez lembrar a cena final de 2001, com o monolito prefigurando o nascimento de um novo avatar da evolução humana, após alcançada todo o rendimento (positivo e negativo) da técnica: a redenção moral e espiritual. Também me lembrou a jornada de barbarismos nas três horas de Satiricon, de Feline, onde nos repudia a sodomia sem fim de uma sociedade anterior à proposição divina do cristianismo. Por fim, penso que Anticristo intui uma possibilidade distante de uma nova religião, uma igreja nos moldes de Swidenburg, onde a inteligência, a liberdade e a ética possam andar juntas ao lado do questionamento sincero e profundo.

    (falta saber a opinião do Nunes sobre o filme)

    1. Ô Charlles, excelente interpretação essa sua, quase rivaliza com a minha em pernosticismo e simbologia vazia, rs! É uma ótica que se aproxima bastante do que uma visão reichniana” ensejaria.

      Esses assuntos dos quais você está falando são muito próximos a mim: a evolução humana pela redenção da moral e da técnica. Ao analisar essa proposição, realmente a psicanálise teria muito pouco a oferecer, revelando-se canhestra e limitadora – os psicanalistas reduziriam tudo à um complexo mal resolvido, de forma a cabrestear o novo Adão para a vida medíocre da sociedade atual.

      Podemos ir mais longe? O nascimento da consciência nessa “nova religião” pressuporia um “crime”? Um assassínio “ritualístico”? Porque? E de quem? E esse novo Adão, redivido de uma catarse na qual se livrou da visão cartesiana dos consultórios para lançar-se adiante justo (e paradoxalmente) com o resgate do que havia de mais primitivo e caótico bem mais lá atrás: quem ele se tornaria após o fim do filme? A superação das limitações da visão tecnicista (representada pelo homem “psicanalista” no início do filme) demandaria justo uma vivência visceral dos instintos animais mais agressivos, superando o passo intermediário da psicanálise “euclidiana”?

      Viste “A Hora do Lobo”, de Bergman? Há pontos de encontro entre ambas as obras?

      Essa sua intepretação de que o filme intui uma “nova religião” também faz pensar. Afinal, não seria o filme um “ritual” de mergulho na religiosidade mais primitiva, mais anticristã e, por isso mesmo prenhe de significados não verbais? Os três animais não seriam “deuses pagãos”, convidando o homem intelectualizado a experienciar o genuino horror e sofrimento que caracteriza qualquer verdadeira vivência “espiritual” e estética? O fato de serem retratados como “mendigos” não indicaria justo que, oprimidos pela proposição divina do cristianismo, equiparam-se aos marginalizados pelo subproduto mais detestável da civilização cristã, a economia de mercado? Já estarei viajando demais? É hora de tomarmos uma gelada?

      Essas perguntas Charlles, são para demonstrar que sua interpretação é realmente rica e mereceria ser mais extensamente desenvolvida. Claro, sempre pode-se dizer que Lars não quis dizer porra nenhuma, só viajou na maionese porque não conseguiu comer uma patricinha por aí, e pirou na maionese das intuições artísticas sem significado intelectualizado e conceitual. Sem dúvida, qualquer análise é possível, pois, como eu disse naquele meu comentário, “como toda Obra de Arte Fodástica, claro que Anticristo é suscetível à vários níveis de interpretação”, mesmo as mais elementares e brochantes.

  12. Milton:

    Esta é uma experiência muito desagradável, que, como quase todos, também já passei, onde inclusive levaram meus cartões de visita da tua empresa, mas não pude deixar de lembrar daquela piada infame:

    – O rabo ou a vida !

    Estamos vivos, né ?

    até mais !

    Fernando

  13. Experiência bizarra essa sua. No dia,não! A gente fica à mercê de
    sentimentos que nos tiram do eixo. Mas, com o tempo, conseguimos rir da situação. Dia destes, fui assaltada às 6:45 h da manhã. O carinha,
    totalmente desequilibrado, levou tudo o que eu tinha: uma bolsa velha e
    o meu RG, além de R$8,45. Fui à Delegacia. O solícito delegado, entre
    risinhos mal disfarçados, perguntou-me porque eu não tinha indagado
    ao carinha se ele estava armado mesmo ou se isso era mentira. Na hora,
    quase o mandei às cavernas do Bin. Agora,vendo de longe, morro de rir.
    Afinal, o que ele quis dizer com tamanho absurdo? Que eu saísse no braço com o meliante aloprado? Arre..

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