Petição «Cidadãos pela Laicidade»

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Senhor Presidente da República Portuguesa,

Nós, cidadãs e cidadãos da República Portuguesa, motivados pelos valores da liberdade, da igualdade, da justiça e da laicidade, manifestamos, através da presente carta, o nosso veemente protesto contra as condições – oficialmente anunciadas – de que se revestirá a viagem a Portugal de Joseph Ratzinger, Papa da Igreja Católica.

Embora reconhecendo que o Estado português mantém relações diplomáticas com o Vaticano e que a religião católica é a mais expressiva entre a população nacional, não podemos deixar de sublinhar que ao receber Joseph Ratzinger com honras de chefe de Estado ao mesmo tempo que como dirigente religioso, o Presidente da República Portuguesa fomenta a confusão entre a legítima existência de uma comunidade religiosa organizada, e o discutível reconhecimento oficial a essa confissão religiosa de prerrogativas estatais, confusão que é por princípio contrária à laicidade.

Importa ter presente que o Vaticano é um regime teocrático arcaico que visa a defesa, propaganda e extensão dos privilégios temporais de uma religião, e que não reúne, de resto, os requisitos habituais de população própria e território para ser reconhecido como um Estado, e que a Santa Sé, governo da Igreja Católica e do «Estado» do Vaticano, não ratificou a Declaração Universal dos Direitos do Homem – não podendo portanto ser um membro de pleno direito da ONU – e não aceita nem a jurisdição do Tribunal Penal Internacional nem do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, antes utilizando o seu estatuto de Observador Permanente na ONU para alinhar, frequentemente, ao lado de ditaduras e regimes fundamentalistas.

Desejamos deixar claro que, se em Portugal há católicos dos quais uma fracção, mais ou menos importante, se regozijará com a visita de Joseph Ratzinger, há também católicos e não católicos para quem o carácter oficial da visita papal, o seu financiamento público e a tolerância de ponto concedida pelo Governo, são agressões perpetradas contra os princípios de laicidade do poder político que a própria Constituição da República Portuguesa institui.

Esta infracção da laicidade a que estão constitucionalmente vinculadas as autoridades republicanas torna-se ainda mais gritante e deletéria quando consideramos que se celebra este ano o Centenário da Implantação da República, de cujo legado faz parte o princípio de clara separação entre Estado e Igreja, contra o qual atentará qualquer confusão entre homenagens a um chefe de Estado e participação oficial dos titulares de órgãos de soberania em cerimoniais religiosos.

Declaramos também o nosso repúdio pelas posições veiculadas pelo Papa em matéria de liberdade de consciência, igualdade entre homens e mulheres, autodeterminação sexual de adultos, e outras matérias políticas.

Porque nos contamos entre esses cidadãos que entendem que a laicidade da política é condição fundamental das liberdades e direitos democráticos em cuja defesa e extensão estão apostados, aqui deixamos o nosso protesto e declaramos a Vossa Excelência o nosso propósito de o mantermos e alargarmos através de todos os meios de expressão e acção ao nosso alcance enquanto cidadãos activos da República Portuguesa.



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2 comments / Add your comment below

  1. Milton,
    em função do último poema (EXORCISMO) que deixei em seu blog, dá pra desconfiar que estou preocupado com a tal da Igreja Católica. Pois bem, a seguir, de maneira resumida, estão descritos os principais eventos históricos até a criação do Estado do Vaticano vigente. Não farei nenhum comentário. Creio que o texto é auto-explicativo.

    Em 756, Pepino, o Breve, rei dos francos, deu ao Papa um grande território no centro de Itália. A existência destes Estados Pontifícios terminou quando, em 1870, as tropas do rei Vítor Emanuel II entraram em Roma e incorporaram no Reino de Itália esta parte do território. Em 13 de março de 1871, Vítor Emanuel II ofereceu como compensação ao Papa Pio XI uma indenização e o compromisso de mantê-lo como chefe do Estado do Vaticano, um bairro de Roma onde ficava a sede da Igreja.[1] O papa porém, recusa-se a reconhecer a nova situação e considera-se prisioneiro do poder laico, dando início assim à Questão Romana.
    Embora tenha negado inicialmente a proposta do governo italiano, a Igreja aceita estas condições em 11 de fevereiro de 1929, por meio do Tratado de São João de Latrão ou simplesmente Tratado de Latrão, que criou um novo estado, assinado pelo ditador fascista Benito Mussolini, então chefe do Governo italiano, e o cardeal Pietro Gasparri, secretário de Estado da Santa Sé. Este Tratado formalizou a existência do Estado do Vaticano (cidade do Vaticano), Estado soberano, neutro e inviolável, sob a autoridade do papa, e os privilégios de extraterritorialidade do palácio de Castelgandolfo e das três basílicas de São João de Latrão, Santa Maria Maior e São Paulo Extramuros. Por outro lado, a Santa Sé renunciou aos territórios que havia possuído desde a Idade Média e reconheceu Roma como capital da Itália.
    O acordo também garantiu ao Vaticano o recebimento de uma indenização financeira pelas perdas territoriais durante o movimento de unificação da Itália. O documento estabeleceu normas para as relações entre a Santa Sé e a Itália, reconheceu o catolicismo como religião oficial desse país, instituiu o ensino confessional obrigatório nas escolas italianas, conferiu efeitos civis ao casamento religioso, aboliu o divórcio, proibiu a admissão em cargos públicos dos sacerdotes que abandonassem a batina e concedeu numerosas vantagens ao clero.

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