A norueguesa Åsne Seierstad é uma grande estrela da reportagem mundial. Com apenas 40 anos, já escreveu livros sobre os conflitos da Sérvia, do Iraque e do Afeganistão, todos best-sellers. Este O Livreiro de Cabul não é um relato de guerra. É uma narrativa bem amarrada sobre os costumes e a vida no Afeganistão, observados pela autora durante os três meses que viveu com uma família afegã após a queda do talibã, na primavera de 2002. Vendo aquele estranho mundo sob uma burca, a loiríssima Seierstad nos mostra o dia a dia dos Kahn, uma rara e privilegiada família que tinha algo para comer em Cabul naquela época.
O livro tem um sério problema. Como a jovem Seierstad pode julgar uma cultura milenar tendo passado apenas alguns dias com uma família afegã? A fim de não me irritar, tratei o livro como se fosse uma visão estrangeira que tem muito em comum comigo, mas uma visão estrangeira. E crítica.
Estruturando seu relato em capítulos que mais parecem contos e utilizando esplendidamente a condição de comerciante de Sultan Kahn, Seierstad chega a outras instâncias de uma sociedade que nos deixa estarrecidos a cada página, tal o medievalismo das atitudes e opiniões. É claro que esta característica nos faz engolir o livro rapidamente, mas os méritos de O Livreiro de Cabul ultrapassam o da mera “narrativa de ocorrências e costumes para nós absurdos”. O livro é muito bem escrito e alguns capítulos, como Ondulante, esvoaçante, serpenteante, que conta as peripécias de três velozes burcas comprando o enxoval de casamento de uma delas, O carpinteiro, que conta minuciosamente a história de um roubo e sua punição, e Minha mãe, Osama, que conta a viagem de um tradutor por uma região onde o fundamentalismo islãmico é natural e milenar, chegam a entusiasmar. Seierstad reconstrói vividamente cada um de seus personagens, os justifica e nunca nos entedia. E olhem que não tenho muita paciência com obras que não sejam de ficção!
Outro acerto é o de não haver grande intervenção da política no relato. Não precisa, seria apenas ruído em um livro cuja sedução está no interesse da autora pelas pessoas – principalmente por mulheres como Leila ou jovens como Mansur – e pela vida sufocante que a absoluta maioria leva. Mas volto a dizer, há as críticas à cultura afegã e entramos no pantanoso terreno antropológico.
É uma excelente indicação para quem quer um livro grudento e competente.
A tradução é de Grete Skevik. Bom trabalho, mas faltou revisão. Há duas trocas de nomes que tornam seus trechos puzzles e outros errinhos aqui e ali. Nada grave para o leitor atento, só que é chato.
Parabens pelo post Milton. Acho horrivel o preconceito q alguns intelectuais de esquerda tem contra tudo o que for bestseller. Tem alguns que se esforcam em explicar uma logica equivocada de que tudo o q faz sucesso e’ ruim e, para alguns se quer seja cultura. Para esses so e’ cultura o que fica escondido em meia duzia de prateleiras. Algumas vezes, qndo leio um best seller (e gosto de faze-lo), fico com vergonha de falar nas rodas mais intelectualizadas. Errado! Respeitemos o gosto da massa. Diferentemente da musica, na minha opiniao, tudo o que for lido esta valendo.
E a proposito: ja li todos os livros da Asne e agora, com a Venia do Milton, posso dizer q gostei muito.
Ainda não li o post. Mas, Milton, só vim dizer que nesse último fim de semana, na Saraiva de Goiânia, achei alguns tesouros a preços promocionais, e o resultado é que pelos próximos dias tenho excelente leitura com igual padrão de música. Adquiri, por menos de 100 mirréis (sobrou do décimo terceiro e a patroa abriu exceção) os romances “Amor e Lixo” e “O Fiasco”, e os mp3s (já viu isso, mp3 à venda, original e tudo?) das sinfonias completas do Mahler, e 10 horas de música do charles Parker. Além de Homens em Tempos Sombrios, da Harendt. O descaso com a leitura de uns, gera benefícios em queima de estoque para outros.
Sensacional. A Saraiva de Goiânia é estranha. Fui duas vezes lá. Nas duas, deixei uma fortuna comprando coisas ótimas e baratas.
As de Porto Alegre não têm ofertas assim.
Quem é o regente das sinfonias de Mahler?????
Agora que fui conferir, são as sinfonias 1, 2, 4, 5, 8 e 9. Havia um do Beethoven com as 9 sinfonias, e um do Mozart com 40 e tantas sinfonias. Infelizmente, apesar da ótima qualidade das gravações, não há qualquer indicação de qual o regente. Pelo site, o mesmo produto que me custou 19,90, tá por 44,90.
Me manda o endereço no site? Quero ver!
milton, tá lá no site da livraria saraiva. basta digitar “mahler-mp3”, que de cara vai aparece o produto. Não vem encarte nem nada além de uma capinha fina econômica e o cd. A coleção engloba o Louis Armstrong, Miles Davis, Richard Strauss, Mozart (com dois volumes, cada um DUPLO, um com as sinfonias, outro com três óperas e outras peças), música celta, obras de Bach para órgão. Acho até que lançamentos assim diminuiriam uma pequena fração substancial da pirataria. O do charles parker tem 158 músicas (!), com versões que jamais vi, como “Funky Blues”, de 10 minutos, com solo de guitarra; e uma de “Star Eyes”_ minha preferida_ que quase faz chorar. E uma sessão de calipso no mínimo curiosa.
Penso que deve ser muito difícil viajar e deixar a mala que se é em casa, levando só a bagagem com roupas, documentos e equipamentos, e deixando a cultural no aeroporto. Falando francamente, é imprescindível levar para onde se vai a bagagem cultural, na verdade a mais importante. Com isso, você dialogará um pouco em seus termos, aprenderá sem perder a visão crítica e descartará o que tiver que ser descartado (no caso do Afeganistão, por exemplo, as burcas, a pena de morte, as orações diárias batendo com a cabeça no chão, etc.). É importante para os povos locais a contestação de seus valores pelos que vem e veem de fora mas agora estão ali dentro, desconfortáveis, sentindo falta da velha e boa variedade de uma civilização tão milenar, por exemplo, quanto a afegã, mas infinitamente mais aberta (com todas suas interdições que podemos nomear por uma, a econômica), e mesmo assim com disposição ao exame, à reportagem, à emissão de um parecer com um ponto de vista fundado na laicidade, não num teologês qualquer.
Não li o livro (certamente não o farei) porque, para ser sincero, não me importa nem um pouco o exotismo revelado por um olhar que vem a reboque de uma invasão depois de muitos e muitos equívocos, mas espero que os afegãos, como toda a raça humana, um dia se desapeguem das ideologias religiosas sem cambiá-las a favor de ideologias políticas com afinidades autoritárias ou totalitárias – dessas eles já possuem o quanto basta. O singular de todo afegão precisa, urgentemente, dialogar com a pluralidade do mundo, sem perder seus costumes mais essenciais, que dizem respeito ao modo de vestir, comer e beber, trabalhar, transformar o natural em produto de consumo voltado para a sobrevivência e para o prazer, enfim, contribuir com sua singularidade possível sem manter a opressão sobre as mulheres e a educação religiosa sobre as crianças. Não é só o Vaticano o mal, mas também os mulás, as mesquitas.
Enfim, não acho que devemos nos eximir de julgar os costumes diferentes dos nossos, quando eles são marcados pelo tacão do arbítrio, instrumento de dogmas absurdos e tradições fundadas em equívocos. Embora não queira, por exemplo, o xá Reza Palhevi (quer dizer, seu herdeiro) de volta ao Irã, gostaria que lá ascendesse ao poder uma democracia secular que nos permitisse, por exemplo, ver mais do que os olhos das lindíssimas mulheres que passeiam pelas ruas da velha Pérsia cobertas até os pés. Quando a sexualidade das mulheres constitui um risco para uma civilização o problema não está na sexualidade, mas na civilização.
Amén.
Vixe, ficou taxativo, tipo dono da verdade, né?Edita, expurga, limpa, passa por um filtro e tira um chazinho de camomila disso aí. Da próxima vez vou escrever com os dedos em posição de lótus!
Marcos,
perfeito!
Eu não queria nem mesmo proibir os burkas, sempre haverá quem queira usá-lo por gosto, mas este negócio de evitar olhar culturas diferentes com o nosso olhar acaba por virar cumplicidade a diversos crimes.
Sócrates disse que “o cidadão é a morte do homem”. Entendo a necessidade, mas é nisso que a religião e a ideologia estão baseadas.
Branco
Caro Ricardo,
Agora é tarde, já me penitenciei…
Outra coisa: você não é o cara do Vitalatas? Eu tô com uns livros do Marcos Pontes inté hoje comigo. Não deveria devolver a ele?
Aquele é Branco Leone, nada a ver com este Ricardo Branco…
Pô, é mesmo… e por onde anda o Leone? Tô com dois livros para devolver, mas ele sumiu; ficou de me passar o endereço para remessa um tempão atrás, e só por acaso (a homonomínia parcial) é que eu me lembrei disso…
E cadê o Branco Leone?
Marcos,
como disse o Milto,
ou o Branco, Ricardo Branco.
O único.
Não entendi tua penitência.
Branco, Ricardo Branco
Ah, Ricardo, a penitência foi o mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa por ter escrito um texto cheio de juízos definitivos demais. sabe como é, juventude é uma coisa que nunca morre na gente, apesar do dito “a juventude é uma doença que o tempo cura rapidamente” ou coisa assim. Bobagem, a gente ée jovem à vida inteira, até quando temos 99 anos e estamos à espera da morte. Pô, juízos definitivos novamente…