Publicado em 4 de maio de 2007
Eu estava dirigindo meu carro em Porto Alegre e ia deixá-lo na garagem de um casal de amigos. Depois, seguiria a pé para não sei onde. O portão estava aberto. Entrei e estacionei o carro quase encostado na parede da casa. Vi através de uma enorme e indiscreta janela de vidro a mulher de costas, levando o café escada acima. Rebolava cuidadosamente com a bandeja nas mãos; estava de blusão e calcinhas, mas aquilo não me interessou. Aquele café tinha um significado. Era o primeiro. O homem abriu a porta da frente e me disse que ela estava lá. Reconheci nele o Társis. Estava muito tenso e, quando o abracei, deu uma risada fora de tempo. Uma coisa estranha e meio cuspida.
Entramos e a Gabi desceu já sem o blusão, vestida com um chambre que lhe chegava aos pés. Meu daltonismo ficou indeciso quanto à cor. Ela me beijou e disse que eu adivinhava quando e onde havia pão novinho e quente. Ela sabe das coisas. Completou me acusando de ser um magro com cabeça de gordo. Já disse que ela sabe das coisas.
– O papai agora vai acordar cedo todos os dias para buscar pão na padaria da esquina. Para a filha, nada de coisa velha. De coisa velha basta eu.
Riu e olhou para o Társis, que escondeu o rosto na xícara enorme e cor de laranja. Ouvimos um som de passos descendo as escadas e uma voz infantil:
– Gabi, me ajuda?
– Milton, lá vem ela. Dá uma de tio bonzinho, seu monstro.
Acordei.