Falta de humor

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Uma das coisas mais interessantes de ter um blog ou ser um autor é notar que as pessoas leem o que querem, principalmente se deixarmos piadinhas e coisinhas inexplicadas aqui e ali. Meu post sobre a OSPA foi um lido por muita gente, foram tantos e tamanha a vontade de não entender que vou tratar de fazer uma limpeza nele. Nada metáforas, analogias ou imagens. Vamos ver se consigo.

O que retiro:

1. Tudo o que diz respeito à numeração da sinfonia interpretada. OK, foi um engano providencial a quem não gostou do restante. Não peço que esqueçam, peço apenas que prestem atenção na reclamação que há por trás ou, na minha opinião, ao lado do erro.

2. Faço questão de limpar dele todo o humor e, mesmo que ele insista em retornar nas próximas linhas, desconsiderem-no. Pode ser? Pois quando chamo Quadros de uma Exposição de Mussorgsky de obrinha para piano, todos os não envolvidos no problema entendem. É claro que, se compararmos o original com a versão de Ravel ou a de Ashkenazy, ela parecerá pequena, simples e desnuda. Não me parece complicado entender que não me referi maldosamente a Mussorgsky nem a uma música que amo e da qual possuo dezenas de gravações, até uma de Emerson, Lake & Palmer…

O que mantenho:

3. Não creio que se deva encarar a arte com absoluta reverência. Sou contra isso. A arte é uma manifestação da criatividade, parente muito próxima da alegria e dos jogos. Eu tenho que falar sobre Bach olhando para o Firmamento, rezando ou analisando tecnicamente cada fuga? Se preciso, não o conheço. Tenho que refletir sobre um filme de Bergman pensando do destino inexorável ou no quê? Porque vejo O Sétimo Selo e ouço a Chacona e fico feliz pela realização, mesmo sabendo o que há num de filosofia e pessimismo e noutro de estruturas complexas. A grandiosidade é feita de cada partícula de criatividade que esses gênios puderam juntar. No fundo, é algo a se comemorar, mesmo que expressem desespero ou solidão ou a falta de sentido ou propósito. Acho ridículas as pessoas que não chegam à compreensão de que talvez não devam levar tão à sério suas (sempre) pobres realizações. Nem Bach tinha tão alta opinião de si.

4. Para finalizar, digo agora com todas as letras o que quis dizer:

4.1. A OSPA tem um repertório curto e em grande parte irrelevante. A OSPA não apenas se repete como evita as obras mais complexas. Foge delas. Ah, eu sei que alguém vai me dizer que haverá uma 9ª de Mahler na semana que vem, mas já respondo de antemão que isto é ABSOLUTAMENTE CASUAL, ABSOLUTAMENTE ANORMAL.

4.2. O OSPA não sabe educar nem se divertir. Seus concertos populares com Túlio Belardi são o paroxismo do kitsch, com dancinhas, palminhas e cantorias a la André Rieu. Pensam que para atingir o público há que baixar o nível? Pois estão enganados. Que tal tocar isto na próxima (ouvir até o final). Viram como pode ser divertido? Jogo cem paus como qualquer plateia enlouqueceria. É só procurar — repertório novo, brilhante e original há.

4.3. Àqueles que escreveram que estas críticas partiam de alguém pouco qualificado, tenho algo muito importante a dizer: têm toda a razão. Sou um mero ouvinte, sou como um leitor, sou um sujeito que passa horas e horas ouvindo música diariamente e tenho parcos conhecimentos técnicos. Mas sei como ela pode soar e a extensão do repertório que é ignorado.

4.4. Tenho vontade de escrever mais algumas coisas, mas talvez perdesse a objetividade que espero ter tido. Então era isso.

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12 comments / Add your comment below

  1. Acho mesmo que já é um milagre ter orquestras sinfõnicas no Brasil. Há alguns meses fiz um comentário num blog, e a resposta debochada que tive da blogueira foi naquela vertente cansativa de que o Rio, São Paulo e os estados “evoluídos” do sul deveriam se emancipar do Brasil, tendo suas próprias liberdades para crescerem sem o peso dos demais estados atrasados (sem aspas). Não tive ãnimo de responder como ficariam deslumbrados em suas pobrezas pretensamente culturais, os grandes estados erradicados afundados numa restrição de uma série de produtos básicos, para os quais deveriam, então, terem que pagar com altas taxas de importação: grãos, carnes, frutas, cereais. Para nós, do novo pais tropical chamado Goiás, teriamos custas com café e laranja, e nos perderíamos para sempre sem o modelo cultural dos grandes centros: o bom funk apologético carioca, as babaquices edulcoradas da Globo paulistana, e o repertório do OSPA do Rio Grande do Sul. Minha cautela em não reponder á abobrinha da blogueira mostrava amadurecimento quanto ao conteúdo da net.

    Há dez anos assisti á primeira apresentação no centro oeste da 9º de Beethoven. Choradeira da platéia, um vilinista que se balançava na cadeira como uma versão erudita do Hendrix, e uma enoremíssima vontade da minha parte de nunca mais na vida dividir o meu Beethoven caseiro com aquele bando de exibicionistas.

    Adoro Emerson, Lake and Palmer.

      1. Também acho. Foi só um comentário ranzinza do tipo “olhem só como sou estiloso”.

        Aproveitando_ sempre, quando o assunto é música erudita_ de minha energumicidade de leigo, te pergunto, meu caro Milton: o que vc sabe sobre os ditos 25 minutos compostos da décima sinfonia pelo Beethoven? Existe registro gravado deste esboço? Vc já ouviu?

        Pergunto isso por ter uma caixa de vinis com as nove sinfonias, e um disquinho da famosa carta confissão narrada pelo Paulo Autran, onde o Ludvig assume o martírio da surdez. E no fascículo, aparece o fac-simile da décima sinfonia, com estipulados 25 minutos de duração (mais que a da maravilhosa “obrinha” da oitava sinfonia_ uma obrinha pode ser grandiosa).

        Esperando resposta, e antecipo que se desta vez não me responder, vou pedir ao Pedro pra te perguntar.

  2. Música de fato interessante a Danzón. Começa como um choro, vai pra Espanha, volta pro México, passa por Villa Lobos, tango, às vezes parece uma pastoral do século XIX, às vezes com uma trilha sonora de faroeste passado nas bandas da Califórnia, até jazz, e o Dudamel é realmente é uma figuraça (o nome dele deve ser comum na Venezuela, que tinha um goleiro xará). Só não havia lugar para a platéia, efetivamente, dançar, o que torna Os Grandes Clássicos Mais Populares do Mundo algo tão engessado como uma interpretação tímida e pouco impressionista da “obrinha” do Mussorgsky.

    Pô, mas não precisa dar uma de “oh, o mundo não me compreende!” e ficar irritadiço. Se você percebeu a incompreensão geral ao seu texto, sorria: não atingiste o público da maneira que querias, por inúmeros fatores, mas principalmente porque o público em questão tem as suas próprias, alternadas e alteradas percepções e, vai ver, estava todo mundo meio bêbado e/ou drogado quando leu.

    Acho que já te contei, mais vai lá: uns poucos anos atrás vi um concerto com o Jordi Savall na Sala cecília meirelles. No final, todo mundo de pé e dançando. Ele deu vários bis e, lá do palco, também os músicos se divertiam com a zorra. É isso: menos frescuragem com a música e mais respeito com seu espírito, quer dizer, da música e da platéia. Sai todo mundo alegre, numa boa, sem pigarro e sem sono.

  3. Sem ter a ver com a música e sim com a queixa:

    Na minha traumatizante estadia em Joinville, no Festival de Dança, a única coisa que realmente valeu a pena foram os espetáculos. O Teatro do Bolshoi é enorme – tão grande que provavelmente nenhum lugar é bom, porque ou você fica de lado ou fica distante. Eu assisti de lado. A cada noite, as melhores apresentações de dança no país para platéia de bailarinos. Parecia um jogo de futebol. As pessoas gritavam antes da entrada de alguns grupos, se emocionavam quando o bailarino fazia um movimento difícil, estavam todos dentro do palco. Ao mesmo tempo que havia muito respeito, não havia um pingo de sisudez. Todos sabiam o quanto é difícil e emocionante estar lá em cima.

    Para entender que a arte é criatividade, é preciso ter uma relação mais íntima com ela. É algo que a gente não explica, é vivência. Depois daquilo, deu vontade de nunca mais assistir um espetáculo de dança em outro lugar.

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