Preconceito de Classe

Tenho um amigo que pensa que o preconceito de classe é tão grave ou mais do que o racial, até por sempre ficar impune. Fico na dúvida quando ele fala isso, mas logo penso naquela assessora do Serra que garantiu que o candidato era apoiado por uma “massa cheirosa” e no resultado desta e de outras ações de “classe superior” do grupo: hoje estão sendo punidos por um desempenho pífio de sua tartaruguinha. Também acabo de pensar nos empresários que foram beneficiados pelo governo Lula mas que não podem de modo algum aprovar o governo de um torneiro mecânico sem formação universitária, mesmo que ele tenha garantido estabilidade e maior consumo. Trata-se de puro preconceito de classe.

Célia Ribeiro, em sua coluna dominical no caderno Donna de Zero Hora, publicou, em 22/08, um texto que passa ao largo de suas habituais considerações inofensivas sobre elegância e etiqueta, invadindo com duas patas o terreno mal-cheiroso do preconceito de classe. Destaco um trecho da coluna:

Dia desses, entrei no banheiro de um shopping, por volta das três horas da tarde. Todas as pias da bancada de mármore estavam ocupadas por funcionárias das lojas que escovavam os dentes com o maior esmero, diante do espelho, formando espuma da pasta dental na boca. Havia mais duas senhoras à espera para lavar as mãos, mas nada levou aquelas vendedoras a acelerar sua higiene bucal (bom senso seria os shoppings oferecerem aos seus funcionários banheiros privativos para deixá-los mais à vontade).

Se isso não ocorre, que elas escovem os dentes no banheiro comum, rápida e discretamente, sem ruído, deixando os detalhes para aprimorar na pia de casa, no final do dia. E, cá para nós, não é nada favorecedora a imagem de um rosto no espelho, com as bochechas infladas pelo vaivém da escova.

Achei que Célia foi pra lá de infeliz. Ela deveria, no máximo, dirigir sua crítica exclusivamente à administração dos shoppings e não qualificar as mulheres escovadoras de “funcionárias” e as mulheres esperadoras de “senhoras”. Todas são mulheres, provavelmente trabalhadoras. Simples assim, minha cara colunista. O tom da crítica, com descrições de bochechas infladas e baba saindo pela é muito preconceituoso. Queria ler Célia dizendo o mesmo de uma senhora…

Estranho, lembro agora de que uma ou duas vezes fui atingido por suspiros impacientes por ter resolvido lavar o rosto num shopping. Tenho a pele oleosa e penso que às vezes sou um sebo ambulante. O pessoal não gosta e nesse caso nãop se trata de preconceito de classe.

Portanto, fica aqui uma pergunta para Célia Ribeiro: devo lavar o rosto num banheiro de shopping ou apenas fazer os números 1 e 2 e lavar as mãos, hein?

26 comments / Add your comment below

  1. Primoroso o post!

    Tenho pavor de qualquer tipo de preconceito, em especial o preconceito de classe. Sugiro dar uma olhada em meu post “Gente Feia”, publicado em ranzinzices.blogspot.com.

    É necessário, sempre, denunciar e repercutir esse tipo de coisa.

    Parabéns!

  2. Putz, o fato das funcionárias do shopping estarem escovando os dentes deveria ser louvado como um progresso da saúde em todas as classes sociais e não ser visto como uma visão “desagradável”, muito antes pelo contrário.

    Célia Ribeiro é uma múmia ambulante, assim como seu coleguinha Paulo Santana.

  3. Tenho um post com preconceito ainda mais nojento para publicar. Só que não consigo expressar a minha revolta diante de um preconceito tão grande, é demais.

    E do jeito que o mundo é, se eu não deixar claro que reprovo, é capaz de aparecerem partidários desse tipo de atitude no meu blog.

  4. Essa Dona Célia Ribeiro_ de onde que cê tira essas tralhas, Milton?, lendo colunas de etiqueta!!_ deve ser do tipo que toma uma colher de Elixir Paregorico e duas de perfume toda manhã, para as fezes saírem conforme manda a turma da Eliana Tranchesi (aquela mesma que há dois anos apareceu no noticiários mostrando à plebe um de seus passatempos favoritos: tacar objetos das sacadas de seus apartamentos nos passantes da calçada), ligeiras, volumosas e aprazíveis à degustação de seu nariz sensível. Gente desse tipo é perita em esconder a irritação crônica e cancerígena formada no reto à custa de abusos de usos anatômicos incorretos. De onde que cê tira esses tipos?

  5. Taí, não achava que iria dizer isso nunca,mas: abaixo os jornais impressos. Nesses últimos dias, como num ato conjunto de desespero, nos jornais tem aparecido muito dessas manifestações de “genuína liberdade de pensamento”.

    Por falar nisso, no jornal da globo que passa de manhã (cuméquechama), o Alexandre Garcia soltou uma gafe que a mim pareceu terrível. Comparando o sequestro do ônibus nas Filipinas, com o sequestro do ônibus 174 no Rio, ele disse, hoje, que felizmente no ônibus 174 não houve nenhuma vítima que não fosse o bandido. Completou ainda, dizendo que provavelmente os policiais haviam sido condecorados pelo resultado.

    Alexandre Garcia _ que tem um quadro só para si, em que telespectadores o elegem como arauto da opinião circunstancial do momento_ não só revelou uma desinformação fatal para um jornalista, quanto o desconhecimento do documentário excepcional do Padilha sobre o tema. Uma inocente MORREU SIM no sequestro do ônibus 174, resultado da mesma ineficiência policial que se repetiu nas Filipinas.

    1. Os jornalões ou se renovam — hoje são verdadeiros casos de polícia, meros representantes de seua patrões — ou vão por água abaixo. Todos eles.

      Sim, estão em ato conjunto de desespero, mas sem alterar um milímetro sua linha.

      Complicado.

  6. Uma amiga de minha esposa, também com doutorado, julga inadmissível votar em alguém com condição social inferior à dela. O que eu considero inadmissível, na verdade, é que uma pessoa que teve a oportunidade de estudar pense de maneira tão torta, misturando alhos com bugalhos, inclusive porque ele, por exemplo, enquanto doutora em Literatura, daria, por exemplo, uma péssima presidente da república, enquanto um, cara formado tão somente em grau técnico de administração pode dar um ótimo, e ainda um torneiro mecânico se sair de maneira bem razoável, e não em função de seu grau primário de ensino, mas por seu grau instintivamente maquiavélico em política.

    Quanto à tragédia do ônibus 174, só morreram duas pessoas em razão da pressão midiática sobre a polícia, que satisfez a sanha da massa que, em meio àquela exposição, puxava corinhos, telefonava sem parar para as delegacias, quase todo mundo exigindo “justiçamento” do sequestrador. Enquanto isso, dentro do ônibus, o “bandido” fazia um teatro ensandecido para a televisão e negociava uma maneira, com os sequestrados, de todo mundo sair daquela sem maiores sequelas. Sei disso por uma testemunha privilegiada: uma menina meio gordinha de óculos que estava no ônibus era aluna de minha esposa, e, no interior do veículo, conversava com Sandro tentando achar uma saída que o ajudasse, pois ele estava com medo de ser “esculachado”. Não deu outra, mas a polícia arranjou uma maneira de matar por tabela uma refém, por ação equivocada que fez a delícia dos queridos teleespectadores.

    1. Eu conheço versões da amiga da tua esposa. Porto Alegre está cheia de “análogas”.

      Educação é uma coisa, bom senso e inteligência é outra. Nem sempre andam juntas.

  7. A origem social de um indivíduo normalmente fica impregnada nele pela vida inteira através de sinais externos. E os sinais que indicam que alguém é “bem nascido” são exatamente o tema de que se ocupa essa senhora. E são os mesmos sinais que dão a senha para o exercício do preconceito de classe. Se alguém não usa os talheres da forma adequada, se quebra regras de protocolo social, ou coisas desse gênero, passa a ser olhado de nariz torcido por quem já o tem bastante empinado.

    Portanto, a Dona Célia é simplesmente uma guia que indica contra quem devem os “bem nascidos” exercer seu preconceito, e como devem se comportar para não serem confundidos com essa ralé.

    Argh!

  8. Jornalões são gozados eles exigem tudo e não querem pagar por nada. Os jornalistas são muitas vezes ridículos, preconceituosos, despreparados e nunca reconhecem os erros. Não possuem simancol.

    Tem um alí que chamou de ridículo, sem lógica, humilhante um clube de futebol não da entrevistas durante os embarques.

    Na Inglaterra, os clubes conseguiram na justiça o direito de cobrar caro da imprensa para permitirem a cobertura, até para fornecer uma simples formação antes dos jogos eles cobram. Avaliem para bagunçar um embarque com entrevistas inuteis para perguntar se o jogador está preparado para mais uma partida, como sempre.
    http://blog.opovo.com.br/gol/nao-tem-logica/

  9. Não conheço a tal sra. Célia, Milton, mas aqui em São Paulo também abundam atitudes desse tipo.

    Mais que apenas preconceito de classe, a colunista parece confundir etiqueta com interesse próprio. É um fenômeno bastante comum em gente que, por algum motivo, acha que merece mais respeito que os outros.

    Por motivos profissionais, pego diariamente a Rodovia Ayrton Senna, voltando de São Paulo para São José dos Campos no começo da noite. Se o caminho é tranquilo durante o resto da semana, a sexta-feira é um inferno. Não se passam trinta segundos sem que algum Jipão, Pajeros e afins, apareça à 160 km/h, luzes altas e atitude temerária, querendo te transformar no “Encurralado” do Spielberg.
    O melhor é sair da frente, já que o camarada deve ter mesmo muita pressa em chegar à Campos do Jordão.

    Só mais um exemplo bobo que reflete a mentalidade baixa das nossas classes altas.

  10. Caro Milton,
    lendo a Célia, hein!
    Bom eu li o texto através do teu email e vi um comenta´rio do Dario.
    Bom eu acho que funcionários e clientes deverriam ter banheiros separados, mas por motivo completamente diferente ao do que a Célia expôs. A empresa tem que fornecer um lugar em que o funcionário possa execrcer sua privacidade, escova os dentes, faça as necessidades sem ser importunado por estranhos. Como não dá pra cada um ter o seu banheiro, ao menos que o divida entre conhecidos. Usar um banheiro público, de fato, é um desrespeito a eles e o comentário da Célia prova isto.
    Quanto à etiqueta, já não acho que lições delas sejam uma demosntração de preconceito. Pode ser, assim como outras atividades o são e esta é, talvez, mais fãcil de transfrormar-se nisso. No entanto o sentido útil dela está em inidcar como pessoas devem tratar-se, por exemplo, ter um limite sonoro em casa, evitar espalhar excrementos de animais, ficar do lado direito da escada rolante, dizer bom dia e obrigado e distinguir meio de transporte de arma. A verdadeira etiqueta (etos – comportamento) representa a civilização e não podemos achar que ela alcance só as classes mais favorecidas. Aliás, o “sabe com quem está falando” é um exemplo de falta de etiqueta de alguém mais favorecido, digamos.
    Quanto à capacitação, é natural que haja um a tendência a reconhecer pessoas mais instruídas como mais competentes. Afinal o estudo é para isto. Questionar o Lula pela falta de estudo é perfeitamento aceitável (tanto o Serra como a Dilma apresentam seus currículos como querendo mostrar esta competência adquirida, assim como o Tarso o faz aqui no sul – ora se há esta competência, deve haver uma não competência). Eu vejo sim (e não gosto dele por outros motivos) uma reação a ele de algumas pessoas causadas pela sua origem. É só comparar o preconceito que o Olivio Dutra (mau governador, mas excelente cara; eu mesmo disse isto pra ele no último show da OCTSP – ele riu e disse-me que preferia que eu pensasse assim; não tenho razão?) sempre sofreu, como ignorante e grosso etc. Pois ele tem um Mestrado (parece que são dois), não faltou-lhe estudo.
    Há também o preconceito reverso, digamos. Tre nascido pobre não qualifica ninguém e há gente que escolhe por isto, como se fosse uma confraria.
    No fundo, o único que vota certo sou eu. Vote em Branco.
    Abraços
    Branco
    PS não votarei pois só volto ao brasil em 10/10

  11. Milton,

    Sinceramente, não vi preconceito nenhum. Como qualificar as mulheres (que eram funcionárias do Shopping) e as mulheres (que eram clientes) de forma diferente? Ficaria melhor as companheiras trabalhadoras colaboradoras do shopping e as companheiras trabalhadoras consumidoras do shopping? Olha, não se trata de preconceito e sim da situação em si. Acho que se eu chegasse no Shopping e tivesse que ficar esperando qualquer pessoa escovando os dentes por muito tempo sem que eu pudesse lavar as minhas mão eu ficaria chateado. O problema ali foi o tempo despendido e não a condição social. Ora, se tem alguém esperando em um local público para utilizar o mesmo serviço que eu, eu procuro ser o mais rápido possível. Acho que isso é bom senso. Acho que você viu aí chifre em cabeça de cavalo.

    Abraço,

    Eduardo

  12. Eu leio a Célia Ribeiro mais como parte humorística do jornal do que para aprender regras de etiqueta pois considero muito do que a senhora escreve ali uma baita frescuragem.O meu marido sugeriu que mandasse email a ela perguntando como ele deve proceder para peidar numa festa cheia,sem sair do salão.Será que ela responderia?Abraços Milton,eu adoro o seu blog !!

  13. “AS DIVERSAS FORMAS DE PRECONCEITO”

    “Já pararam para perceber como existe preconceito. Sendo que alguns deles a gente nem percebe, mas estão lá. Outro dia mesmo estava lendo um texto de uma editora num site qualquer que dava a entender mais ou menos o seguinte: “se você não é especialista no assunto nem olhamos…”. Do tipo: um advogado não pode escrever poesias, simplesmente porque na cabeça de quem lê ou vê um advogado somente pode escrever petições ou aquelas súmulas chatas que ninguém que não é da área gosta de ler, e que portanto, ele (advogado) jamais teria sensibilidade para escrever poesias, ou mesmo romances. Isso não é preconceito?? Ou seja, um médico então somente pode atuar na medicina?? Se ele por exemplo resolver pintar quadros jamais poderá fazer uma exposição, simplesmente porque ele não é do ramo e muito menos conhecido?? Não é preconceito?? Infelizmente a nossa sociedade está muito atrelada a modelos padronizados, se aparece algo diferente, por medo, insegurança as pessoas rejeitam. Um outro exemplo bem clássico é o preconceito contra os homossexuais. Se a gente for analisar e observar, pelo fato de muitos apresentarem um comportamento nada sociável, como a vulgaridade por exemplo, a sociedade já toma como todos sendo assim, e há rejeição e preconceito de uma forma bem massacrante. Se for assim então, teriamos então que ter preconceito contra os homens e mulheres que são adulteros. Não é mesmo?? Ou será que o adultério, a traição é permitida, é liberada?? Porque de acordo com pesquisas que não faz tanto tempo que foram divulgados na midia, a AIDS tem se propagado mais entre as mulheres heterossexuais, justamente pela traição de seus companheiros que levam a doença para casa. E aí?? Como faz?? Se a sociedade não repensar muitos de seus valores infelizmente a juventude de hoje será a “velharia” de amanhã, não em termos de idade, mas sim de pensamentos arcaicos e padronizados.”

    Jupira Lucas Zucchetti
    (Contabilista- Campinas-SP)

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