As gravações históricas, uma maldição

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Quando a gente ouve Pablo Casals tocando Bach, não está ouvindo Bach, o que se ouve é Pablo Casals (1876-1973) — um grande e importante homem — tocando Bach. Pablo (ou Pau, em catalão) foi enorme na luta contra a ditadura de Francisco Franco e o domínio nazista. Mais: foi ele quem trouxe de volta ao repertório as Suítes para Violoncelo de Bach mas, cá entre nós, suas gravações são péssimas. Às vezes ele desafina e o fraseado é tão duro que, bem, chega-se à óbvia e sabida conclusão de que ninguém, antes de Glenn Gould e principalmente das orquestras e executantes em instrumentos originais, sabia tocar Bach.

Sim, sei que é muita arrogância dizer que minha época sabe interpretar Bach; sim, sei que cada época deve ter o direito de dar sua interpretação para seja para ele, como para Shakespeare, Freud e outros gigantes do passado, mas também sei que nos aproximamos muito, não só dos instrumentos e da sonoridade da época, como de seu fraseado.

Hoje pela manhã, vinha de carro para o trabalho, ouvindo, como sempre, minha querida e cinquentenária Rádio da Universidade. Foi quando começou a Suíte Nº 6 com o famigerado catalão. Era um som de serrote tão horrendo que apenas esperei a manifestação de desagrado de minha mulher, uma amante da música barroca. Não deve ter demorado 3 minutos.

Essa coisa de ouvir Bruno Walter, Wilhelm Furtwängler, Karl Richter, Arthur Rubinstein e outros que vão sendo superados à medida que o tempo passa, é a própria definição de “anacrônico”. Pois homenageamos não a época do compositor, mas sim o precursor, o pioneiro, um intermediário. Quem sabe a gente deixa isso para quem se dedica à história das gravações e interpretações, hein? Nosso ouvidos merecem o melhor. Sempre.


Volta pra tumba, grande Casals!

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6 comments / Add your comment below

  1. Em relação a Bach, concordo.
    Mas para compositores que vieram depois, a partir de Haydn e Mozart, que já escreviam para orquestras com a formação das atuais, vale muito à pena ouvir as gravações antigas, especialmente se formos um pouco pra frente e pensarmos que Bruno Walter conheceu Mahler, é claro que é relevante ouvir o que ele tem a nos “dizer” sobre o compositor.

    Mas de forma geral concordo. Se no jazz ou no rock há um saudosismo e uma certeza de que não surgirão outros Coltranes ou novos Beatles, na música clássica há uma penca de gravações incríveis feitas nos últimos anos.

  2. Vamos fechar negócio então, Milton. Eu te mando todos os meus CDs com o Karajan regendo e você me manda todos os seus com o Bruno Walter!

  3. Uma vez comprei um disco (uns trinta anos atrás) de vinil da 5ª de Beethoven com o Furtwängler, cuja gravação era tão, mas tão ruim que eu nem faço ideia se a interpretação era boa ou a orquestra composta por músicos de bandinhas de coreto. Bosta, estamos no século XXI, há tecnologia para tudo, inclusive para a fabricação de instrumentos novos que soam como antigos ou para fazer com que antigos soem como novos. Por que diabos eu teria que recorrer aos tais gênios (como Rubinstein, cujo dedilhado de piano é soporífero) do século XX quando agora jovens cheiros de criatividade, vigor e até beleza (note-se: as cantoras, as violinistas, flautistas, etc.) estão pululando pelo século XXI cheios de talentos e amores para dar e vender?

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