Não sou um cara muito atento à MPB e há poucos artistas que têm o poder de me mobilizar para ouvir seus trabalhos. Talvez sejam eles Hermeto Pascoal, Guinga, Mônica Salmaso e Chico Buarque. Posso então dizer que 2007 foi um grande ano: em 4 meses tivemos o último Guinga, Casa de Villa e agora chega esta perfeição de Mônica Salmaso, Noites de Gala, Samba na Rua.
Muita gente já fez trabalhos interpretando Chico Buarque, mas ninguém chegou a este nível. Em primeiro lugar, ao ver a relação de catorze canções, vemos que Mônica decidiu-se finalmente a enfrentar alguns riscos. Construção, música que originalmente fora insuperavelmente arranjada por Rogério Duprat para o próprio Chico, é o maior deles. Porém, se Mônica e o grupo Pau Brasil – que a acompanha em todas as faixas – não supera o original, a nova interpretação é muito boa e não deixa de lado as dissonâncias e as estranhezas que a canção exige.
Como é Mônica? Ora, é uma cantora de grande técnica e de um virtuosismo não voltado ao espetacular e sim à expressão. Tem voz belíssima, meio entubada, perfeita para as canções intimistas e inadequada às músicas “pra cima”. Sim, é um enorme elogio, mas vá ouvir o CD antes de reclamar que exagero.
Voltando ao CD. Nele há alguns achados como a desconhecida e malandríssima Logo eu e a pouco executada Você você que Chico escreveu para um neto que ainda não havia nascido e que recebe de Mônica Salmaso uma interpretação de indescritível carinho para com seu filho Theo, que se encontrava na sua barriga de sete meses à época da gravação. É arrepiante. Além das citadas, o resto do CD, sempre com o criativo acompanhamento do grupo Pau Brasil – pontuado de silêncios, acústico, presente mas sem pontificar e com um extraordinários violonista e pianista – tem seus melhores momentos em Morena dos Olhos D`Água, Ciranda da Bailarina (em extraordinário registro com bem humoradas marimbas), Partido Alto, Suburbano Coração e O Velho Francisco. Mas as outras não são nada esquecíveis.
Se você está atrás de milagres, esqueça Bento XVI e fique com Mônica Salmaso. Pode comprar hoje! Se não gostar, por favor, não me avise, pois eu ficarei muito desconfiado.
Posso contar uma história? Eu estava assistindo um show de Mônica Salmaso em Parati. Terminado o espetáculo – e foi mesmo um espetáculo -, resolvi comprar um CD dela que não tinha e entrei na fila de autógrafos. OK, eu sou um filha-da-puta e, nos cinco minutos em que fiquei na fila pensei em dizer algo muito marcante a ela, que é uma mulher comunicativa e simpaticíssima. Foram cinco minutos de considerável trabalho para meu limitado cérebro. Pensei ter encontrado a solução quando ecoei uma frase de Adoniran Barbosa que Mônica recém dividira de forma brilhante, conseguindo que sua tristeza e humor (que esqueci) ficasse longe do patético, permanecendo dentro do habitat poético que merecia. Resumi e decorei direitinho o que devia dizer e, quando entreguei-lhe o CD para a assinatura e depois de dizer meu nome, despejei meu discurso. O efeito foi monumental. Ela se levantou subitamente como se o botão de eject tivesse sido abruptamente acionado, deu a volta na mesa e lançou-se sobre mim num daqueles abraços em que a gente fica balançando como se fosse um João Bobo ou como um reencontro de velhos e íntimos amigos, separados há uma década.
— Ai, que felicidade ouvir isso. Aquele trecho é dificílimo, é o centro, o cerne da música e foi o maior trabalho entender como devia ser cantada. Fiquei anos tentando! Você é músico?
E ficamos conversando por alguns minutos, pouquíssimos para mim e longos para o resto da fila que ficou comentando quem era aquele cara que tinha alugado a Mônica… Depois lhe disse rindo que viera a Parati só para ouvi-la. Ela deu uma gargalhada:
– Ô gaúcho mentiroso. Você veio pra FLIP!
Claro, claro.
Oh, eu sei, sei que não deveria contar sem constrangimento uma história em que brilho tanto, mas, acreditem, eu ESTOU constrangido, mas é que me orgulha tanto, sabe…?
Mas houve outro lançamento relevante. A cantora portuguesa Teresa Salgueiro, do Madredeus, reaparece muito bem, muito bem mesmo, em seu segundo trabalho solo. Ela canta 22 clássicos da MPB de todos os tempos e surpreende por várias razões. A primeira pelo fato de ela ter esquecido em algum lugar seu sotaque português. Sim, alguma coisa ficou – ninguém no Brasil canta “eu voU pra Maracangália, eu voU” – e às vezes o sotaque volta, mas, pô, o que conseguiu foi outro milagre. A segunda é que a voz de Teresa vestiu-se de profana ao abandonar inteiramente a impostação quase clássica exigida pelo grupo português, mostrando que ela pode e faz o que quer. Você imagina Teresa Salgueiro saracoteando, dançando? Bem, se imagina, deve ter uma vida interior muito tumultuada.
Aqui também temos um extraordinário grupo de músicos trabalhando em favor da música. Trata-se do Septeto de João Cristal (prazer em conhecer). O trabalho dos caras é genial. O CD de Teresa está vendendo muito na Europa, principalmente na Alemanha e entre os ibéricos. Gostaria de saber o que pensam os portugueses de sua cantora, agora com sotaque brasileiro. Penso em quando Elis Regina chegou ao Rio de Janeiro e, para horror de alguns gaúchos, começou a chiar…
Se você tiver grana para apenas um CD, compre o de Mônica. Mas se der parcelar no cartão, leve os dois. O Milton garante, apesar repelir quaisquer protestos.
Sempre me falam bem da Salmaso, eu vou lá, ouço e… não acho essa coisa toda não. Sei lá, não bate bem no meu ouvido. Um disco só com Chico parece aquele disco só com bossa nova ou só com Paulinho da Viola (Teresa Cristina gravou um): troço de mercado, meio clichê.
Gosto da Roberta Sá, que também acabou de lançar um disco dedicado inteiramente a um único compositor, Roque Ferreira, acompanhada do excelente trio musical Madeira Brasil. O resultado só não é grande coisa por causa das composições mesmo, às quais tenho umas restrições – poética fácil, de “louvação da cultura negra”, que implica no destaque a mitologias e costumes anacrônicos, além das canções de amor um tanto infantilizadas. Pena, com uma cantora tão bonita, com tom de voz tão agradável e emissão tão cristalina…
A Teresa Salgueiro gravou um primeiro disco solo sofrível. Joguei fora. Gosto do Madredeus, daquela fusão de informações musicais diversas, de caráter português, mourisco, brasileiro, africano, indiano… Ok, soa world music, um tanto new age… mas é bacana, tanto nas músicas tristes quanto nas alegres. Há uma canção deles (Madredeus) sambabossanovística, Oxalá, que ela canta lindamente – aliás, a voz de Teresa Salgueiro é tão bonita que se confunde com ela mesma, e por isso a tenho por lindíssima. Quanto a “Você imagina Teresa Salgueiro saracoteando, dançando?”, não preciso. Eu vi. Pode acreditar.
Sobre MS: é muitíssimo diferenciada. Nem vou perder tempo invocando as opiniões de Edu Lobo, Chico, Bellinatti, Guinga, Nelson Ayres, etc. Estou muito bem acompanhado…
A Roberta Sá fica uma graça de sainha rendada.
Sobre MS:
Milton, você deu a dica e eu aqui, na distante Alemanha, corri atrás dessa Monica, que eu nao conhecia e nunca tinha ouvido falar. Ainda mais que botou o Chico no meio.
Cara, que beleza! Que voz é essa? E esses músicos do Pau Brasil… matam a pau (trocadilho babaca, né?)
Valeu pela dica. Só não vou dar um beijo em você porque eu sou espadíssima e ainda por cima colorado.
Aquele abraço
André Provedel
eu adoro ouvir o próprio chico cantando suas músicas. fora uma ou outra coisa que o caetano gravou, sempre acho que ele é o grande intérprete de todas a suas obras.
mas a forma com que m. salmso canta “Morena dos Olhos D`Água” é de arrepiar. e incomparável. tem o exato tom arrastado e a força-humildade do narrador que a letra pede.
belo texto!