Se Bach soubesse que o órgão — instrumento do qual gosto com restrições — ficaria tão fora de moda, talvez não tivesse dado tanta atenção a ele. A sonoridade do órgão parece ser a ideal para acompanhar vozes e coros e suas possibilidades harmônicas torna-o capaz de substituir uma orquestra. Como, apesar de grande, ocupa menos espaço do que uma orquestra e também por não ser nada portátil, é o instrumento sacro por excelência. Porém nossa época o vê como um instrumento chato nas duas acepções da palavra.
Um amigo músico me disse que algumas obras para o instrumento parecem um longo orgasmo, analogia que não podemos avaliar se refere-se a algo bom ou não, infelizmente. OK, ele não disse orgasmo, disse clímax. Mas voltemos a nosso assunto. Então, as incríveis — verdadeiramente estupendas — possibilidade timbrísticas do instrumento ficam prejudicadas por aquelas peças de som contúnuo, flat, sem grandes variações de volume sonoro, chatas nos dois sentidos. Pude observar que isto incomoda, e muito, os ouvintes atuais que, desculpem, são quase todos ateus como este que vos escreve e não veem naquilo uma representação do poder divino.
Eu também me incomodo um pouco, mas com meu amor à catalogação e a conhecer tudo, estou ouvindo um por um os CDs da caixa Bach 2000. São 153 CDs coma obra completa do mestre e, se a maioria está no gênero Cantatas e Paixões, sua música para órgão está em segundo lugar. Os volumes 7 e 8 (23 CDs) é feito só de música para órgão. É um discreto porre, cheio de experimentações e novidades. O Bach mais ousado é o do órgão, sem dúvida. Todos os gêneros que ele explorou em outras áreas está ali realizado ou em projeto.
Hoje, é uma música quase secreta e ontem, enquanto corria calmamente meus 7 quilômetros ao anoitecer, sentia quão boa aquela música era para competir com o barulho dos carros da rua. E que qualidade tinha!
Bach não tinha a nossa noção de obra e, portanto, não era nada preocupado em preservar o produto de sua aparentemente ignorada — dele e de seus contemporâneos — genialidade. Se escrevesse para o futuro como Beethoven e os que vieram logo depois, talvez não tivesse ficado tanto tempo sentado na frente do órgão das diversas igrejas onde foi kantor (Diretor Musical).
Nunca discordei tanto de um texto seu, Milton. Essa descrição sobre a chatice se aplica muito mais ao gênero do concerto para instrumento solo, no qual masturbação e mesmisse se combinam quase sempre, do que para o órgão. E além do mais, as indicações de registro não eram feitas até meados do romantismo (e olhe lá!), e portanto uma boa execução depende muito mais do intérprete, ou melhor dizendo do seu bom gosto e a sensibilidade, para varia-los. Richter interpretando Bach ao órgão faz escolhas fantásticas de registros. E além disso, temos os grandes compositores do século XX e XXI, como Messiaen, que exploraram como poucos as nuâncias das combinações deste instrumento. Eu também sou atéu de carteirinha, mas isso não influencia em nada a minha preferência pelo órgão. E como compositor, este instrumento me deixa maravilhado… parece que não há nada que eu possa imaginar que não seja possível de reproduzir no órgão. Abração!
Pois é, Gilberto. Eu preferia discordar de mim.
Mas vejo e ouço a reação das pessoas ao órgão. É de irritação. É o momento em que me mandam ouvir com os fones. Sério!
Sob alguma forma, isso pegou em mim e hoje acho a coisa meio chata. Fazer o quê?
Abraço.
É troço de ouvido. Alguns amam órgão enquanto odeiam vilinos solo, outros não suportam sopros de metal mas adoram flautas de madeira; idiossincrasias de ouvido. Eu acho o cravo um instrumento chato na maioria das vezes. Quase sempre. E adora guitarras com pedais de distorção esporrentas a ponto de provocar acidentes nucleares. E uma soprano cantando uma ária de Bach.
Pros meus ouvidos ignorantes é bem chato sim.
De fato, é um instrumento sacro, por excelência. Eu, que já fui seminarista, bem sei. E “monosonante”, vamos assim dizer. Por isso, aparentemente “monótono”.
Aí ouço o “Süddeutscher Madrigalchor” cantando “O HAUPT VOLL BLUT UND WUNDEN”, com o grave dele, o órgão, ao fundo, dando uma sensacional sustentação, sob a égide do “Consortium Musicum”, Wolfgang Gönnenwein na batuta.
E digo que, de “monotonia” ele, o órgão, não tem nada. Depende da peça musical de que é parte instrumental. Nessa (“O HAUPT VOLL ….) simplesmente ornamenta, de maneira majestosa, aquela que, na minha opinião de leigo, é a mais perfeita música coral já feita, em termos de concatenação, uniformidade e harmonia das vozes. São apenas DOIS MINUTOS E VINTE E OITO SEGUNDOS DE MÚSICA DE DEUS! DO DEUS BACH!!!