Há Mrs. Dalloway, há As Ondas, Passeio ao farol e Entre os atos. Há também o fantástico ensaio de Um teto todo seu, mas se tiver que escolher o melhor livro de Virginia Woolf, escolho a alegria de ler Orlando. Nem vou comparar a qualidade literária de um e outro livro de VW. Escolho Orlando pelo mais puro afeto. Pois não lembro de nada mais que seja ao mesmo tempo tão satisfatoriamente feérico, alegre e inteligente do que este romance digno de grandes paixões.
Orlando é um jovem aristocrata inglês da época elisabetana (1558-1603). Sacha, uma jovem russa, foi sua grande paixão e desilusão. Os encontros entre eles são puro tesão literário. Mas acontecem coisas a Orlando: ele algumas vezes dorme e avança no tempo. Então, no século XVIII, vai a Constantinopla como embaixador. Um dia, há uma revolta na cidade. E Orlando acorda mulher. É recolhida por ciganos e regressa a Inglaterra. O livro prossegue até Orlando chegar ao século XX, com 36 anos. E, mesmo desprovido da sua masculinidade, continua a amar Sacha. Virginia era casada com o grande Leonard Woolf, a quem amava incondicionalmente como amigo. Talvez o seu maior amor carnal tivesse sido Vita Sackville-West, a quem Orlando e sua indefinições é dedicado.
Como em Um teto todo seu, Virginia Woolf permanece dentro de um feminismo esclarecido, sem culpas ou ódio, apenas fazendo anotações sarcásticas e desencantadas sobre uma humanidade que despreza as mulheres. Os símbolos são fortes e elegantes, como quando Orlando retorna à Inglaterra e apenas os cães e os animais o(a) reconhecem. São os únicos a respeitarem Orlando sem se importar com seu novo sexo.
Mas não pensem Orlando como um livro centrado apenas na questão do feminino. Há as questões da sabedoria, do tempo, da felicidade e da permanência, representada pelo filho que ela tem com o estranho Marmaduke Bonthrop Shelmerdine. Quando lançado, Orlando fez imenso sucesso e permitiu a Virginia e Leonard comprarem o carro em que passeavam por Londres… Nenhuma surpresa, pois o livro é de um modernismo alegre, repleto de poesia e humor. Apaixone-se por Orlando. Na minha opinião, é inevitável que isto ocorra logo nas primeira páginas.
Eu li faz pouco e adorei. Simplesmente genial aquela descrição do inverno com pássaros congelados em pleno voo. Há sutilezas e uma riqueza de informações na narrativa que vi poucos autores até hoje igualarem. Só a parte final do livro, acho que deixa o leitor muito em suspenso. Talvez eu deva ler de novo.
Pois é. Li este livro nessa edição mesmo da Nova Fronteira, pouco tempo depois do lançamento. Tenho Woolf como a figura imaginária mais afim à minha própria sensibilidade; na verdade, uma paixão quase irrestrita por seus livros, onde encontro uma inteligência refinada e neurótica, um esnobismo paralelo à modernidade, uma disposição ao risco que não esconde o medo de se perder, uma piração que ora cria desmesuradamente ora se rende a mais completa apatia. Claro que, com isso, ela, em si, nada tem a ver comigo. Mas os livros dela falam a mim diretamente, como se pudessem mirar no meu estilo de percepção das coisas. Gostaria muito de conhecê-la, mas não pude. Fica para a próxima vez. Não tem? Então, Virginia, minhas lembranças.