Tabu, de Miguel Gomes

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Eu simplesmente adorei Tabu (Portugal, 2012). O filme se passa no sope do fictício Monte Tabu. Minha companhia acrescentou que é um monte e é um tabu, e eu acrescento que Tabu também é uma homenagem à obra de Murnau de 1931 e o 28 de dezembro, primeira data que aparece no filme, é o dia da fundação do próprio cinema pelos irmãos Lumière. Mas essas referências — propositais ou não — ficam opacas frente à qualidade da narrativa e do tema.

Aurora e Santa no Paraíso Perdido
Aurora e Santa no Paraíso Perdido

Tabu é, aparentemente, uma história de amor. Um ou dois pensamentos depois já é um filme sobre as coisas que, sob a passagem do tempo, passam a existir como memória, como quase ficção. Dividido em três partes (uma curta introdução, Paraíso Perdido e Paraíso, em ordem cronológica inversa), Tabu joga informações nas duas primeiras partes e as explica na terceira, uma curiosa e longa seção onde nenhum personagem é ouvido. Há apenas o som ambiente e a narração, em off, do próprio diretor Gomes. As pessoas falam umas com as outras, mas não as ouvimos. Com este efeito simples, ele obtém uma mistura de fantasmagoria e realidade, criadas sobre ruídos e excelente música. Não, não pensem que é uma obra experimental. É um filme de sabor clássico, mas que utiliza brilhantes artifícios. Miguel Gomes explica que, na terceira parte, o Paraíso a que me refiro, atirou fora o roteiro e os atores não sabiam o que iam fazer. “Como tudo na vida, corremos o risco de nos vermos frustrados. Improvisamos muito. Como a vida, o cinema é um jogo”.

Não vou dar spoilers, tá? Pilar é vizinha de Aurora, uma anciã demenciada que vive sob os cuidados da uma empregada cabo-verdiana chamada de Santa. A filha de Aurora não quer saber da mãe e paga para ficar longe dela, enquanto a velha reclama de Santa e busca auxílio em Pilar. Então Aurora morre para que o filme receba um de seus amigos, aquele que vai narrar para Pilar a aventura de sua amiga na África de pouco antes do início da Guerra Colonial Portuguesa. E então tudo ganha sentido através de imagens.

A fotografia em preto e branco, no formato do cinema mudo, registrada em película da extinta Kodak, mostra os últimos dias de um período da história portuguesa e moçambicana. É extinção por todo lado. Como o Tabu de Murnau todos parecem assombrados por uma cultura que é incompreensível para o Ocidente, apesar de manterem-se cantando seus rocks, procurando ignorar a realidade.

Mas o mais importante de Tabu não é a nesga de painel africano que ele mostra, é a lenta reconstrução de um sonho (ou de um paraíso) para o qual não há ponte de acesso, a não ser algumas imagens na memória. Como último destaque desta resenha nada planejada, sublinho a alta qualidade poética do texto narrado em off em Paraíso.

Aurora e Gian-luca no Paraíso
Aurora e Gian-Luca no Paraíso

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5 comments / Add your comment below

  1. Pra mim é filme do ano!

    Já comentei isso em outros sítios, mas Tabu me remete a escrita do Mia Couto (em especial no A Confissão da Leoa, que tenho lembrança mais recente), com os deuses dele (aquela coisa de não ser um deusinho qualquer, uma conexão com um espiritinho de esquina), as mulheres dele (a questão feminina etc). Mais que isso, tem mesmo todo um olhar acentuadamente poético da narração que é assombroso. Mas é só uma relação mesmo. O filme é também dono outras e várias riquezas.

  2. É, gostei muito desse filme também, por brincar com aqueles temas bobos de “paraíso perdido” (e o tal paraíso era a terra invadida, dito colonizada), do “Portugal suspenso no tempo e na história”, e contar em meio a isso uma história de adultério onde nem falta o interesse erótico.

  3. Não vi o filme…
    Mas por crer que existe
    um túnel de minhocas
    em nosso inconsciente
    então me atrevo a dizer
    uma bisbilhotice,
    pois tenho respeito a tudo
    associado à “reconstrução
    de um sonho…”.
    .
    .
    OLHAR DE SARAMAGO
    by Ramiro Conceição
    .
    .
    Observo como a cigarra canta ao dia,
    como mantém a sua fatia que procria.
    Todavia, nós, em nossa escada de valores,
    mantemos… uma escala que legaliza tudo,
    principalmente, esse nada!… aos amores.
    Se soubéssemos olhar… veríamos o outro,
    porém primeiro nos perguntamos: há ouro?
    Por isso que, tão estúpidos, somos cegos.

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