Ospa com Teraoka e um trompista do outro mundo

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Mais um concerto da Ospa com o excelente Kiyotaka Teraoka, maestro que parece receber aceitação plena de um grupo de músicos que, sistematicamente, rende muito sob sua sorridente direção. Prova de que se pode obter desempenho superior com gentileza e argumentos. Conheci o maestro em um jantar na noite de domingo. Pude comprovar seu nenhum estrelismo e sua consideração isonômica por todos.

O programa de ontem à noite era enganador. Não parecia muito promissor, mas rendeu.

Francisco Braga foi um carioca que viveu muito 77 anos, tendo construído sua obra entre os séculos XIX e XX. Episódio sinfônico é de 1898, quando o compositor residia na Alemanha. Apesar de curta, a peça possui forte influência wagneriana e foi baseada num poema do xaroposo romântico brasileiro Gonçalves Dias. Claro que mais da metade de meus sete leitores não lerão o trecho abaixo, mas foi nele que Francisco Braga baseou-se para escrever seu Episódio sinfônico. Trata-se de um fragmento da segunda parte e do final de O Templo. Eu facilito a não-leitura, colocando uns estratégicos negritos aqui e ali.

Só tu, Senhor, só tu no meu deserto
Escutas minha voz que te suplica;
Só tu, nutres minha alma de esperança;
Só tu, oh meu Senhor, em mim derramas
Torrentes de harmonia, que me abrasam.

Qual órgão, que ressoa mavioso,
Quando segura mão lhe oprime as teclas,
Assim minha alma quando a ti se achega
Hinos de ardente amor disfere grata:
E, quando mais serena, ainda conserva
E flúvios deste canto, que me guia
No caminho da vida áspero e duro.

Assim por muito tempo reboando
Vão no recinto do sagrado templo
Sons, que o órgão soltou, que o ouvido escuta”.

Se Braga realmente inspirou-se em Gonçalves Dias, Braga tentaria usar a orquestra como se fosse um órgão tocando uma oração curta, como se rezasse, comunicando algo importante para Deus. Como Deus de Braga não responde mesmo, ele fala só por cinco minutinhos. A música, que eu desconhecia, é melodiosa, e recebeu dois belos solos de Rodrigo Alquati ao violoncelo e boas participações de Klaus Volkmann (flauta) e Augusto Maurer (clarinete).

Richard Strauss nasceu 4 anos antes que Francisco Braga e morreu depois. Era filho do primeiro trompista da Ópera de Munique. Strauss compôs dois concertos para trompa e, mesmo que eles tenham surgido bem depois da morte de papai Franz Strauss, este deve ter influenciado a opção do filho. O Concerto Nº 2 para Trompa e Orquestra surgiu quando Strauss estava com mais de 75 anos de idade. É da mesma época de das extraordinárias Metamorphosen, de seu Concerto para Oboé e das lindíssimas Quatro Últimas Canções.

Francamente, não gosto deste Concerto. Mas fui obrigado a gostar ontem, tal a qualidade do trompista croata Radovan Vlatković, dono de enorme musicalidade e capaz de arrancar timbres insuspeitados de seu instrumento. No bis, Vlatković surpreendeu a todos ao interpretar um trecho de Chamada Interestelar, retirado de “Des canyons aux étoiles”, de Messiaen. Explico: é raro um solista interpretar uma obra contemporânea em um bis, tradicionalmente um momento de pecinhas conhecidas. Mas o croata atacou as belas e variadas sonoridades pianofortes de Olivier Messiaen, assim como seus estranhos silêncios. Foi um momento arrepiante, verdadeiramente único.

Teraoka Vlatković durante os ensaios | Foto: Augusto Maurer
O maestro Kiyotaka Teraoka e o trompista Radovan Vlatković durante os ensaios | Foto: Augusto Maurer

Ludwig van Beethoven compôs sua Segunda sinfonia, Op. 36, entre 1801 e 1802. Na época, o compositor notara os primeiros sinais de que estava ficando surdo. Porém, desmentindo a noção de que a arte necessariamente reflete aquilo porque passa o artista, nada se nota de sua aflição na sinfonia. Ela possui quatro movimentos: Adagio molto – Allegro con brio; Larghetto; Scherzo. Allegro; Allegro molto.

O primeiro movimento é realmente sensacional — e recebeu luxuosa interpretação por parte de Teroaka e da orquestra. O Larghetto é bem chatinho, mas tudo melhora no delicioso e indiscutível Scherzo. Creio que a execução do Allegro molto foi demasiado rápida, obrigando as cordas a um tour de force que pode ser espetacular (e foi!) e adequado para finalizar um concerto, mas que não beneficia muito a sinfonia.

Sobre o Dante Barone, o que dizer? Sei lá como, parece que encontrei um lugar que minimiza a acústica terrível do local…

Programa de 29 de outubro de 2013::

Francisco Braga – Episódio Sinfônico
Richard Strauss – Concerto para trompa nº 2
Ludwig van Beethoven – Sinfonia n° 2, em Ré Maior, Op. 36

Regente: Kiyotaka Teraoka
Solista: Radovan Vlatković (trompa)

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