O 31 de outubro já foi, para mim, apenas a data de nascimento de Carlos Drummond de Andrade. Apenas? Depois, passou também a ser a data da morte de Federico Fellini. Pois é. Porém, no ano passado, a data ganhou novo significado; afinal, em 31 de outubro de 2012, às 6h20, faleceu minha mãe. É estranho como lembro absolutamente de todos os que lá foram, dos sentimentos externados e de algumas piadas, as quais ficaram muito mais engraçadas contra um ambiente de luto. Lembro com carinho do encontro da Inah — velha empregada de minha mãe — com minha filha Bárbara. Vi como as lágrimas brotaram imediatamente dos olhos da Bárbara, saudosa das amadas sopas que comeu por toda sua infância. Lembro de comportamentos fora do tom daqueles que não percorreram todo o período do Alzheimer de D. Maria Luiza. Nós estávamos tristes e aliviados. O sofrimento da doença fora imenso e ninguém estava muito desesperado com aquele final que livrava minha mãe de enorme desconforto, apesar de todos os cuidados. Nem sua alimentação era autônoma e as dificuldades respiratórias eram severas. Lembro do dia. Do incrível preço do caixão. Das perguntas que sobre se minha mãe realmente desejara a cremação enquanto estava lúcida. Da escolha da caixinha onde seriam colocadas suas cinzas. De ficar em casa sem ter nada o que fazer enquanto não iniciava o velório. Da música de Chopin que ela amava e que acompanhou o caixão. Da conversa com o padre, ao qual explicamos que ela apenas discretamente religiosa. Das várias histórias contadas a respeito de minha mãe. De seus clientes que diziam que ela fora a melhor dentista que tiveram. Dos que perguntavam como fora toda a evolução da doença e ouviam minha voz (ou a da minha irmã) em piloto automático. Dos constrangidos que não sabiam cumprimentar com “Meus pêsames”, nem com “Lamento muito”, e que ficavam em silêncio ou diziam “Tudo bem?” (e ficavam ainda mais atrapalhados). Daquela noite. Dos dias posteriores. De buscar a caixa com as cinzas e de notar como era pesada e não me causava emoção.
Porém, esquecida de tudo isso, hoje fui acordado por uma voz me dizendo: “Dois meses”. E só pude sorrir ante o novo e delicado significado da data. E o espumante já está aguardando a noite.
Parabéns, babão!
😀
DATAS
by Ramiro Conceição
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O amar é um aprender de datas:
umas gratas; outras…macabras.
Há tristeza e alegria… sob as cordas do moinho,
pois há silêncio e música sobre as pás do violino.
OFERENDA
by Ramiro Conceição
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Por ser um ser de passagem
qual rosa em uma roseira,
deixar preciso um perfume
pra além dessa nossa mesa.
Porque um raio de sol
enfeitou a tristeza
este presente possui
alegria em labaredas.
Tome, comadre.
Beba, compadre.
JARDIM DOS CASTANHOS
by Ramiro Conceição
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Não tenho casa
porque a tenho
sob os cabelos.
Meu jardim dos castanhos
será o que verei, vejo e vi:
uma celebração ao existir.
Assim, quando vier o medo
em que o senhor é o escuro
da certeza de que – se é só,
uma alegria terei de dizer ao olhar ao lado:
obrigado! por te amar até o dia que findará
pela falta de sorte, que será a nossa morte.