Quando descrevi rapidamente o dia 22, esqueci de dizer que Liana Bozzetto e Alexandre Constantino entraram em contato conosco através do Facebook para nos dizer que estavam na cidade. Combinamos de nos encontrar ao final desta tarde (23), quando eles estivessem saindo da Ópera Nacional de Paris (o Palais Garnier da Rua Scribe). Iniciamos nosso dia fazendo uma caminhada até Notre Dame em pleno domingo pela manhã, dia de missa.
O fotógrafo Milton Ribeiro insiste em não fotografar a torre por inteiro. Abaixo, os cadeados com juras de amor eterno. Acho uma baixaria este símbolo. Não quero ninguém preso a meu lado, quero alguém que queira estar comigo por sua e por minha vontade.
A fachada principal, …
detalhes da mesma, …
e, pronto, entramos!
Algo de mágico ocorreu lá dentro da Catedral de Notre Dame. Estávamos caminhando dentro dela (ia começar a missa e o silêncio era completo, a não ser pelos passos e as máquinas fotográficas dos turistas que caminhavam pelas laterais da nave enquanto uma fila de padres com seus turíbulos preparava-se para ir até o altar), quando subitamente o órgão atacou acordes dissonantes e apocalípticos, nada harmônicos.
Era uma peça de Messiaen que dava início à missa e que mais parecia uma acusação aos homens. Foi lindo e assustador. Estávamos ouvindo música moderna num edifício que fora construído entre os anos de 1163 e 1345. A cultura francesa nos proporcionava aquele momento arrepiante, aquela poderosa e inesperada união entre passado e presente.
Eu e Elena Romanov ficamos dando voltas até o final da peça. Aliás, ficamos ainda depois por ali. Afinal, a coisa podia voltar. Não voltou, mas que maravilha ouvir uma obra daquelas — com aquele poder — em seu habitat. Ah, querem saber o que ouvimos? Soava mais ou menos assim.
Bem, já que o dia lá fora era belíssimo, resolvemos sair de Notre Dame…
em direção aos Jardins de Luxemburgo. No meio da caminhada pela cidade, além de vermos alguns cartões postais naturais, …
nos deu uma fome do cão. E foi então que cometemos o maior erro de nossa viagem. Na cidade de melhor culinária do mundo e após passarmos batido ao longo da Rue Mouffetard, veio-nos uma fome urgente, desesperadora. Passamos a procurar alguma porta de restaurante que nos abrigasse, mas os mesmos, na segunda magia do dia, simplesmente insistiam em não aparecer. Passamos ao lado do Pantheon se nem olhar para ele e acabamos entrando num restaurante vietnamita. Sim, vagando no pleno mar da culinária francesa, atracamos numa porra duma ilha vietnamita. E, ali dentro, completamos a tragédia. Pedimos a terrível, implacável, horrorosa e intragável Sopa Pho.
O gosto que a porcaria acima tem é complicado. Sentimo-nos deglutindo comida de astronauta em pleno paraíso. Todas as pessoas são felizes em Paris, à exceção de quem comeu sopa Pho no almoço. Uma água quente é jogada sobre finas fatias de carne. A fantasia é a de que, deste modo, a carne cozinhará. Na verdade, a água fervendo lava a carne, deixando-a clarinha. Em seguida, acrescenta-se manjericão, coentro, broto de feijão e pedaços de limão. Uma iguaria que só pode ser fruída adequadamente se estivermos entre napalms e bombardeios aéreos norte-americanos. Eu olhava para a Elena e ela olhava para mim. Difícil saber a quem culpar. Gosto dela, ela gosta de mim, se não somos jovens, somos um casal jovem, que não vai discutir idiotices. A Elena jogava temperos para todos os lados, tentando melhorar a coisa. Vendo que eu estava derrotado, ela falou que era nutritivo. Rimos sem graça.
Afinal, era uma atitude dantesca aquele negócio de atravessar o mar para comer uma merda daquelas. Saímos de lá loucos por comida de verdade, mas impossibilitados de qualquer coisa, pois estávamos enjoados, com receio de rever a sopa Pho a qualquer momento. Vou parar de escrever porque acho que ainda sobrou um pouco de Pho no meu estômago. Volto a sentir o gosto daquela nojeira.
Mas os Jardins de Luxemburgo estavam ali ao lado.
E foi com a sopa Pho no estômago e com a ironia religada, que recomeçamos a passear, não sem antes assinar um protocolo de intenções que visava a manutenção da civilidade e das boas refeições.
É claro que após livrar-se de uma grande ameaça a gente fica feliz, até histérico.
E eu tirei mais de 50 fotos nos Jardins, quase todas horríveis.
Mas elas têm aquele deboche de quem acaba de demonstrar que tem ao menos duas vidas.
Vejam meu alívio abaixo. Um homem de uma vida sofrida pero no mucho, dois filhos maravilhosos, nenhum patrimônio e uma sopa Pho dominada no estômago. É quase o Nirvana.
E a Elena? Vejam-na abaixo: uma bela mulher inteiramente pacificada, com um emprego público no Brasil, dois filhos maravilhosos e uma sopa Pho jazendo sossegadamente em sua barriga. A imagem da felicidade.
Depois, tornamo-nos até culturais.
E fomos observar as curiosas estátuas dos jardins logo depois daquela passada esperta no banheiro.
Vejam que maravilha estas máscaras.
As fotos continua ruins, mas a estátua é muito significativa…
apesar da ausência de Flaubert.
E abaixo Maria Stuart, que foi Rainha da Escócia entre 1542 e 1567, e Rainha consorte da França (1559-1560).
Bem, agora, mais calmo e esquecido do almoço, posso dizer que o Jardin du Luxembourg é um lindíssimo parque público 224.500 metros quadrados — o maior da cidade –, projetado no estilo francês em 1612. O parque cerca o Palais du Luxembourg, construído entre 1615 e 1627 por Maria de Medicis, mãe de Luís XIII, e atualmente a casa do Senado francês.
Apesar de parecer mansinha, Maria Stuart era uma baita conspiradora que voltou para a Inglaterra e lá acabou decapitada.
Amei!
Uma dica, da próxima vez procure na internet os concertos de órgão das igrejas menores e menos cheias de turistas que a catedral de Notra-Dame. Nas igrejas menores se ouve bem melhor o órgão, o que eu mais gosto é do eco que fica no final das frases quando há algum silêncio.
É só jogar no google o nome da igreja (por exemplo La Madeleine, St Eustache, St Laurent) + Paris + concert.
Anotado mentalmente!