Lembra o Paulo Timm que hoje é o Bloomsday e eu simplesmente ignorei a data. Tem razão o Timm. Esqueci que hoje é o 16 de junho de 1904, o dia em que se passa o Ulysses de Joyce. Em todo o mundo, é o único feriado – falo da Irlanda — dedicado a um personagem de livro, a uma verdade ficcional, no caso Leopold Bloom. Hoje, em Dublin, há atores e leitores refazendo cenas do livro pelas 16h e 19 ruas onde se passa o romance.
Tenho uma boa relação com o livro, que li nas três traduções brasileiras. A melhor disparada é a última, de Caetano Galindo, que saiu pela Penguin. Nos últimos dias, vi que há também uma edição de bolso da mesma editora com o lindíssimo e quente monólogo de Molly Bloom que finaliza o livro (foto abaixo). São mais ou menos 80 páginas de um só parágrafo sem pontuação, um milagre que só o genial Joyce poderia criar e tornar compreensível.
Creio que é ali que Molly conta — entre mil fantasias e recordações — como ela alimentava Bloom no ínicio do namoro, dando-lhe comida já mastigada num boca a boca ao estilo mamãe-pássaro. Pura nojeira poética, uma maravilha do ponto de vista literária.
Há inúmeras referências a Joyce e ao Ulysses neste blog, basta clicar aqui. Quase todas elas são sobre Bloom, mulher e amigos. É um romance que, se não muda uma vida, dá-lhe nova perspectiva e sensibilidades para outras realidades artísticas. Não é um livro fácil, mas dou um conselho aos futuros leitores: leiam Ulysses como se ouvissem uma música, procurem não ficar parando a toda hora para pensar no quebra-cabeças de cada frase. A tradução de Galindo é de longe a mais musical. E, gente, pensem que os escritos poéticos são normalmente inapreensíveis em sua totalidade. Como leitor de Ulysses, digo que, após a leitura, lembrei de algumas daquelas partes incompreensíveis dando-lhes significados que podem ser livres-associações, mas que… Por que não?
O livro é muito explícito e não surpreende que tenha sido acusado de pornografia. Ele é pornográfico ao mais alto e inacreditável grau. Uma de minhas maiores alegrias foi poder falar em público por duas vezes sobre a originalíssima abordagem de Joyce à sexualidade no romance. Digo mais, digo que boa parte dos jovens de hoje encontrariam nele problemas de incorreção política no livro, pois penso que vivemos dias semelhantes aos que viveu Laurence Sterne enquanto escrevia seu Tristram Shandy. Os jovens são mais conservadores do que os velhos e certamente o fato de Gerty McDowell ser coxa acabaria em problema para a dignidade — altíssima — do concupiscente e por vezes feminino Bloom.
Amo este romance e termino este improviso dizendo só mais duas palavras: leiam Ulysses!
Você sabe que eu tentei com sinceridade. Deve ter um outro Ulisses por aí no mundo, diferente do teu. O que eu li (até mais ou menos a página 150) era chato de doer.
Adorei o pingente.
E eu me apaixonei quando o li um tanto tardiamente. Um livro muito sacana, muito sujo e cheio de piadas e intenções bagaceiras. Um livro de guri. Como não gostar?
O pingente é tremendamente sexy, basta ler as últimas linhas ali embaixo… Nenhum erudito resiste! 🙂
Pior que minha honestidade intelectual implicaria de usar um pingente sexy que é citação de um livro que eu não li. Saco.
Há pessoas que entram com tranquilidade no Congresso Nacional, outras não.
Hahahahahaha!
A tradução do Galindo é a segunda melhor, a meu ver. Perde em considerável distância para a da professora Bernardina da Silveira Pinheiro. Li as duas, e não consegui ler a do Houaiss. Mas todas as três foram best-sellers. A da Bernardina, infelizmente um tanto relegada ao ostracismo, se tivesse tido o mesmo empenho promocional dada à do Galindo, seria melhor reconhecida, ou se, à época de seu lançamento, tivesse a favor de sua divulgação as redes sociais. Tenho a edição da lamentavelmente extinta revista EntreLivros (uma maravilha de publicação, a única do setor que respeitava a inteligência e o amor do leitor aos livros), dedicada à tradução da professora, em que uma série de autores comparam excertos do Houaiss com a da Bernardina_ inclusive excertos de uma ainda muito distante de ser publicada tradução do Galindo.
Esses dias li em um post antigo deste blog uma comentarista fazendo troça, dizendo o quanto é cool e descolado alicerçar a leitura de Ulisses. Realmente. Só que apenas os que não o leram e fingem que sim usam o esnobismo de citá-lo como leitura inesquecível. Os que o leram sabem.
Esqueçamos a tradução do Houaiss, aquilo sim é mero esnobismo. Acho que a tradução da Bernardina fica em segundo lugar. Adorei a fluidez do Galindo. Há momentos de pura poesia ali.
Agora, se querem me matar e dizer que sou um idiota, posso dizer que detestei o super-considerado e respeitado “O Homem Sem Qualidades”, de Musil. Para mim aquilo não é romance, é filosofia.
Não seria melhor se falássemos de um gigante por vez? Da minha parte, eu adoro o O homem sem qualidades. Estou bem mais cauteloso em falar sobre livros dos quais não gosto depois que li esse ano, finalmente, O som e a fúria, um romance tido por mim como intragável porque eu nunca passava da página 30. Depois de ler O som e a fúria (acionado pelo fetiche de ter encontrado a muito disputada edição esgotada em capa dura da Cosac_ traduzida pelo grande Paulo Henriques Britto), percebi o meu enorme engano. É um dos mais maravilhoso e sublimes livros do século passado.
Se você REALMENTE leu as 1300 páginas do Musil_ e não só umas trinta_, então, o que foi um deleite para mim, com certeza deve ter sido um martírio de masoquismo disciplinado para você. Se não leu, recomendo que leia o capítulo 72; se ele não te impactar e te fazer ver que esse romance ensaio, nos moldes dos de Mann, foi escrito em uma esfera de beleza e exatidão lúcida muito acima da que nos prende na mixaria do nosso cotidiano, então é porque a coisa não é mesmo para você.
Li tudinho, mas com média atenção lá pro final… Não aguentava mais.
Recordo do dia glorioso em que vi, na lista dos mais vendidos da revista Veja, o oitavo lugar com o Ulisses da professora Bernardina.
O Ramiro duvida, com razão, que eu tenha lido o Ulisses da Bernardina em 4 dias. Não me recordo se era carnaval, ou férias, ou páscoa (confundo com a vez em que li Os demônios também no mesmo prazo). Mas foi assim mesmo. Eu lia dez a doze horas por dia, possuído pelo deleite mais completo. Gargalhava em várias partes. Atravessava a noite. Já a leitura do Galindo o fiz comedidamente, creio que em dois meses.
Trata-se mesmo de umas das maiores realizações humanas (não eu ter lido em 4 dias, mas o Ulisses, o Ulisses, pomba!)
Eu li Ana Kariênina em 5 dias. De segunda a sexta. Estava de férias na faculdade e não fazia outra coisa.