Seria um exagero chamar a noite de ontem, no Salão de Atos da UFRGS, de escandinava. Estava até quente. Logo na entrada, fui chamado para uma conversa com o Diretor Artístico da Ospa, Evandro Matté. Acho que faremos entrevista com esclarecimentos e notícias mais amplas até o fim de semana de 11 e 12 de julho. Foi um bom diálogo do qual participou o superintendente Araquém Idiart Gomes.
O programa do concerto era formado apenas por obras lá do norte: afinal, Alfvén foi sueco; Grieg, norueguês e Sibelius, finlandês. O maestro Henrik Schaefer é alemão e já foi o mais jovem membro da Orquestra Filarmônica de Berlim, tendo assumido uma das violas aos 22 anos. Já o pianista Alexandre Dossin é brasileiro, gaúcho de Porto Alegre. Sejamos mais específicos:
Programa
Hugo Alfvén: Midsommarvaka
Edvard Grieg: Concerto para piano, op. 16
Jean Sibelius: Sinfonia nº 2, op. 43Regente: Henrik Schaefer
Solista: Alexandre Dossin (piano)
Vivem muito esses escandinavos e Hugo Alfvén morreu aos 88 anos. Tendo por base a bagunça aprontada ontem, devia ser um sujeito alegre, amante da bebida e de outros prazeres. Tocava violino na Royal Opera de Estocolmo e — calma — sua Midsommarvaka não representa nenhuma ofensa, é apenas uma encantadora Vigília da meia-noite (Rapsódia sueca n° 1, op. 19). Certamente inédita em nossa cidade, foi a melhor abertura de concerto de 2015. Uma música feliz, mesmo com alguns episódios lentos. Alfvén foi também pintor e escritor (dos bons).
Ai, o Concerto para piano, Op. 16, de Grieg. De novo! Em 22 de agosto de 2014, a Osesp apresentou este Concerto no Theatro São Pedro com o pianista Dmitry Mayboroda sob a regência de Marin Alsop. No dia 11 de novembro do ano passado, a Ospa voltou a apresentar o mesmo concerto com a pianista Hyejin Kim e o maestro Shinik Hahm.
Grieg foi tio de Glenn Gould e viveu menos do que Alfvén e Sibelius. Ficou 64 anos entre nós, deixando-nos uma obra romântica de excelente qualidade. Seu Concerto para Piano está entre os mais populares do gênero. Acho-o muito parecido com o de Schumann. O de Grieg era um grande sucesso na casa de meus pais, ambos dentistas e pianistas amadores. Conheço cada notinha dele. A interpretação de Dossin-Schaefer talvez tenha sido a melhor das três que tivemos em Griegópolis no último ano. O primeiro movimento, tocado em andamento mais rápido e menos derramado, tornou-se digno e adequado a meu desamor pelo ciclamato. Mas, meus caros, de vez em quando o piano desaparecia sob a orquestra e creio que não adianta culpar a acústica por isso. Ninguém mais cai nessa. É mesma coisa que os violinos não tocarem juntos e culparem o teatro. Nada a ver. Mas curti muito a interpretação da trilha sonora de Intermezzo, mesmo sem a presença de Ingrid Bergman.
O bis de Dossin foi o Noturno Nº 1 de Chopin. Foi uma interpretação perfeita — contida, sem exaltações nem demasiados tremeliques líricos. Dossin é um desses santos de casa que fazem milagres, a exemplo de Lavard Skou-Larsen e Tobias Volkmann.
Creio que a segunda é a mais popular das sinfonias de Sibelius, apesar de que a melhor, disparada, seja a sétima, que será apresentada pela Ospa na próxima terça-feira. A segunda é uma bela e difícil sinfonia. Houve desencontros e erros muito claros em vários solos. Aqui, tivemos efetivamente algum prejuízo pela má acústica da Ufrgs. O som dos baixos, por exemplo, caía como pedras aos nossos pés. Escrita na Itália logo após a composição do poema sinfônico Finlândia e estreada em Helsinque em 1902, esta sinfonia foi um acontecimento nacional. Numa época de invasão e opressão russas, ela foi ouvida como representação sonora do nacionalismo finlandês. Quando de sua estreia, foi tocada quatro vezes em oito dias. Mas não se precisa saber de tudo isso para gostar dela, a música sobrevive tranquilamente sem o contexto de sua origem..
Seu formato é aparentemente tradicional — são quatro movimentos com os dois últimos tocados sem interrupção, como a Quinta de Beethoven. Nela, Sibelius abusa das repetições e de fragmentar melodias. É estranho como ela lembra Bruckner ao mesmo tempo que trai o carolão austríaco. Se Bruckner busca e alcança a divindade, Sibelius é muito mais realista, mostrando-nos quão vasto é o frio de seu pais. Aliás, esqueci de dizer que Sibelius viveu 92 anos, foi alcoolista e deprimido por boa parte de sua vida, desistiu de compor ali pelos 50 anos e isto foi lamentável, pois era um sujeito original e de grande talento. Fazer o quê?
Em um conjunto com alguns destaques negativos facilmente identificáveis — de uma forma geral, havia muitos solos neste concerto — o clarinetista Samuel de Oliveira e o trombonista José Milton Vieira deram um banho de bola. Aliás, espero que o Miltinho esmerilhe na Sinfonia Nº 7 de Sibelius na semana que vem. Há belíssimos solos de trombone na sétima. E que o deixem se sobrepor à orquestra, tocando em altíssimo volume, como fez o trombonista da Filarmônica de Leningrado sob as ordens de Mravinsky. Cumpra-se!
Desculpe-me, Milton, não dá pra calar…
O CRIME
by Ramiro Conceição
A questão votada ontem na Câmara não resolve o atual nível de violência no Brasil. Com grande probabilidade, os crimes hediondos começarão a ocorrer com menores de 16 anos. A bandidagem terá algum escrúpulo ético-moral diante da realização de seus delitos? Um garoto (ou garota), com seus 14-15 anos, se embrutecido até o paroxismo desde a infância, não executará as mesmas aberrações que estamos a tratar?
A idade associada ao crime é apenas o sintoma de uma doença quase terminal que estamos a viver. E a causa de tal tormento é uma elite degenerada, predadora, acostumada à rapinagem em todas as suas nuances, e que exerce a sua hegemonia política a qualquer custo: a manobra inconstitucional do presidente da Câmara foi mais um claro exemplo, entre tantos, da atual conjuntura brasileira.
Que diferença existe mesmo entre o Fernandinho Beira-Mar e os empreiteiros envolvidos no cartel da Lava Jato? Que diferença existe mesmo entre o dono do helicóptero repleto de cocaína e aqueles que dominam o Morro do Alemão? Que diferença existe mesmo entre as milícias assassinas e um oligopólio mediático que sonega bilhões ao fisco ou empresta seus autos para uma quadrilha chefiada por um delegado biopata? Que diferença existe mesmo entre o garoto-ladrão, na favela, e uma classe média que falsifica notas fiscais, trambica cotidianamente em suas negociatas, fura fila de banco, falsifica a carteira de motorista ou safadamente ou, pior, diante do Obama, pergunta à Dilma se o Brasil é uma potência mundial? Que diferença existe mesmo entre um estelionatário por profissão e um jornalista (ou um pastor, ou um jurista, ou um político) que não passa de um estelionatário a viver da manipulação para que seja perpetuada a miséria humana?
Será que estamos a fomentar um futuro, muito próximo, em que serão elaborados artigos de jornais, programas de televisão, dissertações ou teses acadêmicas, nos quais a discussão fundamental abordará a possibilidade da violência brasileira ser um produto do DNA de nosso povo? A RAÇA BRASILEIRA seria uma degeneração biológica devido à sua esdrúxula miscigenação étnica? Será que chegaremos a isso?
Não!…..
BIG-BANG
by Ramiro Cocneição
Construímos casas,
condomínios, partidos,
vielas, fábricas e favelas.
Construímos casamentos,
tormentos, fortalezas,
igrejas e testamentos.
Construímos aldeias,
ideias e cadeias.
Construímos o mundo…
Contudo tudo é nômade
qual o canto profundo
do Big-Bang ao fundo…
Saber pouco é danoso,
mas muito é perigoso!
Então o que saber
do quê que não se vê?
Ora, a vida revelada!
Quem nasceu? Quem morreu?
Quem sofre? Quem ama? Quem clama?
Quem dorme com as flores na cama?
Quem tem à noite metralhadoras nas ramas?
Quem brilha? Quem cintila? Quem brinca?
Quem está ensolarado, num dia nublado?
Quem sabe que nunca saberá
pois sempre haverá um “mas”
que muda tudo? Quem, mesmo
com medo…, inventa o lúdico?