Texto de Débora Fogliatto
Especial para o PHES
Entrei no cinema com medo de estar atrasada para a última sessão do dia de Azul é a cor mais quente na segunda-feira. Eu, minha irmã e uma amiga entramos quase correndo na sala e nos acomodamos na penúltima fileira. Além de nós, havia cerca de mais dez pessoas na Sala 1 do GNC Cinemas, no shopping Moinhos de Vento.
Bem ao lado da minha irmã, duas senhoras, uma de no mínimo 60 anos e a outra, 70. Chamou-nos a atenção a presença das duas, pois sabíamos do caráter lésbico e de certa forma erótico do filme. Logo começamos a confabular se seriam um casal, mas não parecia ser o caso.
Logo no início do filme, a personagem principal, uma garota de 15 anos (interpretada pela atriz Adèle Exarchopoulos, de 20), protagoniza uma cena de sexo com um rapaz do colégio. Neste momento, a senhora mais velha se inclinou para frente na cadeira e, olhando para os lados de olhos arregalados, exclamou:
“Mas quantos anos tem essa menina?”.
Após risadas abafadas por parte dos outros espectadores, ela voltou a sentar normalmente. Até a cena em que Adèle entra em um bar gay, onde aparecem diversos casais do mesmo sexo se beijando. A mesma velhinha, então, olhou para a que a acompanhava e apenas disse: “eu não sabia que era ESSE tipo de filme”.
Nesse momento, parei de prestar atenção na tela por alguns segundos para refletir. Sim, o filme era ótimo, mas a reflexão era necessária. Como seria possível que ela não soubesse que o filme era uma história de amor entre duas mulheres? Apenas se não tivesse lido a sinopse.
E possivelmente nem visto o cartaz colocado no corredor do shopping, em que os rostos das meninas se encaram de perfil.
Não pude deixar de comentar com a minha irmã que elas teriam uma grande surpresa muito em breve, quando as duas protagonistas se encontrassem, se beijassem e transassem em uma cena que eu já sabia ter cerca de nove minutos.
Então, após cerca de uma hora de filme, quando acontece o primeiro beijo entre Adèle e sua amada Emma dos cabelos azuis, provou-se que realmente as duas velhinhas não tinham nenhum conhecimento prévio a respeito do longa que optaram por ver.
Novamente a mais velha, que comentava alto, olhou para o lado e falou: “Essas duas são muito próximas mesmo”.
É possível que elas tenham ouvido as nossas risadas, tanto pela sua ingenuidade quanto por anteciparmos a surpresa que sentiriam ao ver a polêmica cena de sexo lésbico.
Quando a fatídica hora chegou, no entanto, não houve tempo para exclamações. No primeiro minuto da cena, a luz caiu no shopping, interrompendo o filme. As duas senhoras, visivelmente aliviadas, se retiraram da sala imediatamente.
Já o resto do público lamentou a interrupção e esperou pacientemente pelos cerca de 20 minutos até que o filme retornasse. Já nós, embora ansiosas pelo resto da história, lamentamos perder as intervenções das duas velhinhas.
PECADO DE SODOMA
by Ramiro Conceição
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Você
negou-me acolhida – tal qual a um estranho
que chegasse a sua casa e pedisse comida.
Mas eu não era um estrangeiro; e, se o fora,
você
devia olhar-me porque quem sabe um bem
bem-vindo eu fosse; porém, como sempre,
atrasado cheguei qual chegam as estrelas.
E você, feito sempre,
deixou-me ao relento;
trancou a porta; e foi dormir
em seu seguro… aposento.
Eis o pecado – daqueles seres de Sodoma:
negar acolhida a quem trazia luz à Moradia.
Então como cantarei às coisas claras,
qual cigarra, se você não me guitarra?
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AQUELES DOIS
by Ramiro Conceição
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Eram dois aqueles moços.
Um, moreno, era charmoso.
Meigo, era o outro, o louro.
Exótica harmonia…
Um, de pele negra, era Raul.
O outro, de olhar azul, Saul.
Daquela vez
se decifraram
aqueles moços:
Raul, do Norte;
do Sul… Saul.
Que sorte!
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PS.: recomendo a leitura de dois textos fundamentais – associados à temática desse PHES: 1) “O QUE A BIBLIA REALMENTE DIZ SOBRE A HOMOSEXUALIDADE”, de Daniel A Helminiak (um padre católico); e 2) o conto magistral “AQUELES DOIS”, de Caio Fernando Abreu.
Portanto,
o que importa
– é cantar ao amor!
Para que ele nasça,
cresça e, enfim, floresça.
O resto?… APODREÇA.
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SONHO DE UM CADÁVER
by Ramiro Conceição
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Quando teu olhar vestiu-me, soube
que não poderia mais… despir-me.
Foi tal qual um mar a batizar-me,
dando-me um verdadeiro nome.
Agora padeço de uma sina:
te perder na curva de uma esquina
e tornar-me o sonho de um cadáver
que dorme… quando a alma some.
“Essas duas são muito próximas mesmo”.
HAHAHAHAHAHAHAHAHAAHA! Ri alto aqui – e tbm não sei se pela ingenuidade ou por ter imaginado a cara delas quando a primeira sequência de sexo viria. Adoro essas velhinhas “comentadoras” que vão ao cinema, sempre um entretenimento à parte. Pena que caiu a luz.