Lindo texto de Virginia Woolf que roubo desavergonhadamente do perfil do Facebook de Gustavo Melo Czekster. Confesso que fiquei meio confuso com as aspas, mas é óbvio que isto se deve à minha incurável estupidez:
Ontem reli este ensaio magnífico: o momento em que Virginia Woolf fala da sua admiração irrestrita por Montaigne, e consegue ser quase superior ao filósofo francês. Para mim, o centro do texto ainda está em uma frase: “enquanto houver tinta e papel, “sem cessar e sem fadiga” (III, 9), Montaigne escreverá.” Mas o resto é igualmente bonito:
“Há pessoas que, quando viajam, se fecham em si mesmas, “protegendo-se do contágio de um ambiente desconhecido” (III, 9), em silêncio e desconfiança. Quando comem precisam ter o mesmo tipo de comida que têm em casa. Qualquer visão e costume é ruim a não ser que se assemelhe aos de seu próprio vilarejo. Viajam apenas para voltar. É a maneira mais errada de abordagem. Devemos começar sem nenhuma ideia fixa sobre onde vamos passar a noite, ou quando pretendemos voltar; o caminho é tudo. Mais necessário que tudo, mas sorte das mais raras, devemos tentar encontrar, antes de partir, algum homem de nossa própria classe que vá conosco e a quem podemos dizer a primeira coisa que nos vem à cabeça. Pois o prazer não tem nenhuma graça a menos que o partilhemos. Quanto aos riscos – que possamos apanhar um resfriado ou ter uma dor de cabeça – sempre vale a pena arriscar uma doença passageira em nome do prazer. “O prazer é uma das principais espécies de proveito” (III, 13). Além disso, se fizermos o que gostamos, sempre faremos o que é bom para nós. Médicos e sábios podem ter as suas objeções, mas deixemos os médicos e os sábios com sua própria e triste filosofia. Quanto a nós, que somos homens e mulheres comuns, vamos dar graças à Natureza por sua generosidade, usando cada um dos sentidos que ela nos deu; variar o nosso estado tanto quanto possível; voltar ora este lado, ora aquele, para o calor, e saborear ao máximo, antes que o sol se ponha, os beijos da juventude e os ecos de uma bela voz cantando Catulo. Todas as estações são desfrutáveis, e dias úmidos e dias lindos, vinho tinto e vinho branco, companhia e estar só. Mesmo o sono, essa deplorável redução do prazer da vida, pode ser pleno de sonhos; e as ações mais comuns – uma caminhada, uma conversa, ficar só no seu próprio pomar – podem ser intensificadas e iluminadas pela associação da mente. A beleza está por toda parte, e a beleza está a apenas dois dedos de distância da bondade. Assim, em nome da saúde e da sanidade, não descansemos no fim da jornada. Que a morte nos surpreenda plantando nossas couves, ou no lombo de um cavalo, ou nos permita escapulir para alguma casinha no interior onde estranhos possam fechar os nossos olhos, pois um criado soluçando ou o toque de uma mão nos deixariam arrasados. Melhor ainda, que a morte nos encontre em nossas ocupações normais, entre moças e bons camaradas que não façam nenhuma declaração ou lamento; que ela nos encontre “entre os jogos, os festins, as brincadeiras comuns e populares, e a música, e versos de amor” (III, 9). Mas chega de morte; é a vida que importa.”
Milton:
Que texto lindo.
Lembrei-me de que você, como eu, gosta de “Middlemarch”, da George Eliot. Se você me permite, compartilho aqui um trecho de um texto do teórico Terry Eagleton, falando de George Eliot:
“Quanto mais compreendemos a situação do outro, mais conseguimos compreender como se parece o mundo de seu ponto de vista; e quanto mais fazemos isso, menos provavelmente proferimos julgamentos externos, dogmáticos, sobre ele. Para George Eliot, esse sentimento de comunhão com o outro é a essência da moralidade. Romances podem colocar as coisas em contexto e, dessa forma, moderar nosso impulso de julgá-las de forma absoluta. Eles podem revelar histórias subterrâneas, ou padrões de força e causalidade, que fazem com que as aparentes ações egoístas ou maliciosas de homens e mulheres sejam mais compreensíveis. O papel da arte, escreve Eliot em seu ensaio ‘A História Natural da Vida Alemã’, é aprofundar as afinidades humanas, ‘ampliando nossa experiência e estendendo nosso contato com nossos companheiros de humanidade além dos limites da nossa condição pessoal’. Escrever e ler são, então, atos implicitamente políticos, que geram solidariedade social. A ficção desperta homens e mulheres para ‘essa atenção ao que está afastado deles… que pode ser chamado de matéria prima do sentimento moral’. O romance, em outras palavras, é um antídoto para o egoísmo — não apenas pelo que diz, mas pelo que faz, pela sua forma, tanto quanto pelo seu conteúdo.”
Terry Eagleton (em “The English Novel”)
Um abraço,
Flávio
Muito obrigado por este comentário, Flávio.