É claro que Carla Cottini é bonita e eu estou longe de ser insensível à beleza das mulheres, só que há limites para as expressões de admiração, ainda mais dentro de um teatro. Quem chama de gostosa na rua ou assobia, na verdade está proferindo um insulto. Não tem graça, não aproxima, não nada, é pura ofensa, é dizer e sair correndo. Dia desses, uma colega reclamou que, toda vez que come um picolé na rua, ouve as óbvias grosserias associadas ao ato de lamber. Chamar de gostosa num momento íntimo é uma coisa, ser chamada de gostosa por desconhecidos é outra. É a falsa cantada que revela não somente descontrole e impaciência, mas também desinteresse real, agressividade, frustração e raiva por não poder meter a mão. E não pode mesmo, meu amigo. Acreditava que tudo isto estava claro, ainda mais para uma plateia que vai ver uma Cortina Lírica no Theatro São Pedro.
Pois ontem o soprano Carla Cottini apresentou-se no velho teatro com a Ospa. Linda, num raro vestido de bom gosto, ela ia mostrar sua arte e oferecer sua voz, não seu corpo. (Explico o “raro”: as divas costumam exagerar e ultrapassar por metros a linha da elegância. Ela não.) Mas recebeu assobios de significado inequívoco em sua primeira entrada e, depois, quando concentrava-se para soltar a voz, um espectador atroz largou um suspiro daqueles bem vulgares e inoportunos. Carla respondeu com um sorrisinho sem graça e tratou de ser profissional. Conseguiu.
Intermezzo: O público do Theatro São Pedro é de contumaz baixo nível. Aplaude entre os movimentos, faz comentários em voz audível, etc. É bem diferente do que acontece na Ufrgs. Fim do intermezzo.
Para mim, é um prazer ver uma bela mulher, ainda mais quando canta maravilhosamente como Carla. Também é um prazer ver qualquer um ou uma cantando maravilhosamente, mas confesso preferir o primeiro caso. Porém, quando um machinho imbecil assobia ou faz sons pseudo-sensuais em pleno teatro, não é engraçado e ainda faz com que todo fascínio caia escada abaixo. É bagaceiro, nada tem a ver com a arte. Agora, meu amigo, se tu precisas mesmo homenagear a moça, há bons banheiros no Theatro São Pedro e eles aceitariam silenciosamente tua masturbação. E seria menos escroto.
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O clarinetista da Ospa Augusto Maurer, presente no concerto, já tinha escrito o mesmo em seu perfil do Facebook:
Sabem quando se sente vergonha alheia? Como ontem, no apupo à soprano por parte de um engraçadinho na cortina lírica da OSPA no Theatro São Pedro.
Só hoje li, ao arquivar o programa (pois presto pouca atenção a currículos artísticos, facilmente maquiáveis), que a moça, assídua solista nas raras casas de ópera nacionais, estudou canto na Espanha e também tem formação em artes cênicas, ballet clássico e jazz. Juro que não sabia onde me esconder. Orgulho de ser gaúcho.
Que vergonha…
Dá pra ser fazer um monte de comentários elitistas, mas além de não concordar com eles, vejo o elitismo como algo enganador. Ele supõe que há uma sociedade desigual, cujo comportamento das elites é tão superior quanto sua conta bancária. Ele supõe que ópera, música clássica, canto lírico são próprios do gosto das elites que se destacam pela “boa educação” em saber ouvi-los e apreciá-los (as aspas pretendem reforçar a ironia).
Posso dar uma real? O machismo e o sexismo são igualitários. Vão das elites às classes subalternas sem distinção. Quando se faz “elogios” (palavra tão mal colocada) sexuais a uma mulher num lugar público, o que se está dizendo de verdade não é que ela é bonita ou gostoso ou sei lá. O que se está dizendo é que ela não deveria estar onde está, não deveria se mostrar, aparecer, ser destaque, ser dona de si. Onde está homem dono dessa mulher que a deixa desprotegida aos olhares e desejos alheios. Não era à toa que no passado (esse que agora ressurge como um zumbi a comer os cérebros dos viventes) as artistas eram todas tidas como prostitutas. Vejam o tamanho da igualdade de classes quando o objetivo é constranger uma mulher e informá-la de que ela não é livre.
Sensacional!
Senhor, cuidado. Seu texto é igualmente machista. Esperava mais do Sul21.
Nathalia, fico extremamente feliz e tranquilizado pelo fato de ter te desagradado. Só uma coisa, este blog é de Milton Ribeiro e não representa a opinião do Sul21. Deste modo, a crítica é dirigida a mim e dela não abro mão.
Por que esse ser humano teve que falar mil vezes que gosta de mulher antes de criticar a situação? Por que uma cantada no teatro é considerada por ele como pior que uma cantada na rua?
Ao entrar no palco, foi destratada por um mentecapto tentando ser engraçado. Pior: se achando espirituoso. Sinal dos tempos. Vergonha alheia.