Os brasileiros amam imaginar que Pelé tinha características e dotes sobre-humanos. O próprio Pelé também. Já que não temos Prêmio Nobel, nem governo ou educação, ufanemo-nos do Rei! Um brasileiro publicou no Twitter um vídeo que dizia comprovar em dois minutos que Pelé tinha sido melhor que Messi e Maradona. O filme era tão ruim que provava o contrário. A gente só chegava à conclusão de que Pelé adorava dar canetas.
Pelé é de um tempo em que os clubes excursionavam por meses. O calendário era ultra camarada. Imaginem que até 1971, quando ele já tinha 31 anos, não havia um Campeonato Brasileiro, apenas Copas eliminatórias e o Paulistão. Mas todos queriam vê-lo e o Santos de Pelé jogava uma vez a cada dois dias em excursões no Brasil e na Europa e uma vez por dia na África, muitas vezes contra times semi-profissionais. Só isso explica fazer 1200 gols.
Sem dúvida, foi disparado o melhor jogador de sua época — uma época em que Garrincha bebia pesado e destruía adversários horas depois — mas é tolice compará-lo com Messi, Maradona e até mesmo Cruyff. Não dá para saber quem foi o melhor ou o mais revolucionário. O futebol mudou rapidamente depois de Pelé, um bom tanto por causa dele.
Para comparar, teríamos que levar Messi até a violência dos anos 60. Para comparar, teríamos que trazer Pelé até nossos zagueiros que também têm velocidade e usam o corpo. Isso é impossível, claro. Mas neste caso, eu apostaria que Maradona sobreviveria melhor. E que Alfredo Di Stefano estaria muito bem na disputa…
Mas uma coisa eu tenho certeza: Cruyff foi o mais influente.
E, se eu tivesse que escolher, nas divisões inferiores de um clube, apenas um jogador com as características desses 5, certamente escolheria um novo Messi, o gênio mais recente, muito mais adaptado às necessidades atuais de nosso futebol.
O futebol evoluiu. Épocas diferentes. Disse tudo. Acrescento ainda: futebol é esporte de equipe. Não faz muito sentido para mim eleger “o melhor” num esporte como esse. Há muito saudosismo entre os “especialistas”. Tudo isso parece muito com aquele sentimento do filme “Meia-noite em Paris”: no passado eram melhores, mais felizes, etc. Com o futebol e música é sempre a mesma coisa.
Mas alguma atividade humana possui “um melhor”? E pelo critério utilizado no texto Di Stéfano estaria na mesmíssima condição do Pelé, afinal era mais velho, e estava sujeito a um calendário parecido. Já Cruyff, à semelhança de Garrincha, “fumava pesado” e destruía os adversários em sequência. De modo que se colocarmos a lupa em qualquer carreira, poderemos pinçar atenuantes ao sucesso alheio ao nosso bel-prazer.
Agora eu gosto de pensar o seguinte: o que seriam Pelé e Cruyff com a tecnologia de hoje? E o que seria de Messi sem a tecnologia de hoje? Maradona seria melhor ou se deslumbraria mais rápido com o sucesso de dinheiro?
Como nunca saberemos melhor colocá-los à mesma mesa e fica tudo certo.