Por Marcos Nunes
Eu era cliente da livraria Leonardo da Vinci, no Rio, que fechou nos antigos moldes e reabriu em novos, o que a tornou equivalente a outras do ramo, como a Livraria da Travessa, ainda que não a supermercados sem caráter como a Saraiva, a Cultura e a Fnac.
Quando mais jovem, comprava na Livraria Eldorado, na Tijuca, e andava pelos sebos do Centro (tempos bicudos).
Agora sou cliente de uma única livraria, a Bamboletras, onde nunca fui, e com 99% de probabilidades nunca irei, pois moro a quase 1.900 km dela.
Pelo que vi nas fotos do lugar, é um estabelecimento pequeno, porém bem fornido, tipo aquele boteco pequenino e bem transado que a gente ama, pois tem tudo o que gostamos e conta com donos e atendentes de uma simpatia que é quase amor.
Recebo, é claro, meus livros pelo correio, sendo eles quase todos bons muito bons, exceções de praxe não contando, é claro. Alguns me são indicados; outros, escolho depois de vaguear por sites e recomendações avulsas em redes sociais.
Contudo, jamais, jamais mesmo!, compro livros em sites do gênero Amazon. Fazendo como faço agora, ainda me sinto, nesse meu imaginário de poeta e louco que todos têm um pouco, a impressão de circular pelos apertados vãos entre prateleiras repletas de livros, sentindo os cheiros de papel e tinta, olhando para uma eventual e bela cliente, ou atendente, e até para o sorriso bobão do Milton, que suspeito ser assim, bobão, uma vez que nunca nos vimos e sequer nos falamos pelo telefone.
É, a vida virtual pegou a gente e assim são nossos sonhos no século XXI: impossíveis abraços afetuosos em amigos e amantes unidos tantas vezes por um só interesse. Neste caso específico, os livros.
E, nos dias de quarentena, há pouca coisa melhor para fazer do que ler.
Óbvio, podemos também ficar na rede, beber umas garrafas de vinho, fazer um sexo geriátrico, ver uns filmes pirateados na Internet, ou tecer comentários no Facebook, Twitter e coisa que o valha, sem esquecer dos prazeres da cozinha e do simples vagar dos olhos pela paisagem (quando se tem uma à frente que não seja composta somente de prédios, casas, muros, fiações e automóveis).
Tenho visto, claro, nesses dias de muito ócio (e por isso muito prazer) as postagens de porto-alegrenses (e demais habitantes desse estranho país que é um estado) acerca do aniversário de 25 anos do estabelecimento, há uns tempos sob a gestão do colorado e dublê de jornalista Milton Ribeiro. São sempre palavras de muito carinho, muita força e consideração pela luta que é manter um comércio de livros atuante e alerta entre lojas de lingerie e sanduíches de bosta enlatada.
Escrevo, então, minha cartinha de plena solidariedade a esses compadres que leem, escrevem, fazem contas e pagam impostos, e suprem minha sede por palavras impressas em folhas de papel, enquanto existirem árvores e uns poucos leitores como eu, que de fato leem. Para dar um pouco de alegria aos mencionados compadres de nossa república do compadrio que não chega até nós — aliás, vem se estreitando e o número se compadriados cada dia diminui; acho que estamos criando algo novo no mundo: a república minimalista, que vive somente na Praça dos Três Poderes, e o resto é só o resto.
Sigo apoiando a brincadeira de adultos que é ter uma loja repleta desses estranhos objetos que não fazem parte da vida de quase ninguém, que são como as bruxas nas quais quase ninguém acredita – mas que elas existem, existem.
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