Dia das Mães, uma lembrança

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Estávamos lá por 2004 e minha mãe estava começando a ficar confusa. Ela era uma viúva de 77 anos e passava muito tempo parada em casa. Aposentou-se aos 73 e foi horrível para ela. Prejudicou-a muito, acho eu, ela ficou solitária. Eu a visitava sempre, mas naquele dia resolvi levá-la ao cinema.

O filme era muito bom, com uma história cheia de complicações. ‘Longe do Paraíso’ parecia algo escrito por Tennessee Williams.

Frank e Cathy (Julianne Moore) eram um casal modelo no final de década de 1950. Ele era um executivo influente, enquanto ela desempenhava à risca o papel de esposa dedicada e atenciosa, que se ocupava em tempo integral com o lar, coisa que minha mãe nunca fez. D. Maria Luiza era dentista — uma das primeiras do RS, formada em 1948 — e cumpria dupla jornada em casa. Isto é, trabalhava muito em casa para nós e muito no consultório, onde era admirada pelos clientes.

Mas voltemos ao filme. Frank, entretanto, sentia-se atraído por outros homens, e mantinha à medo relações esporádicas fora de casa. Uma noite, quando o marido mais uma vez se atrasou, Cathy decidiu visitá-lo no escritório com uma refeição quentinha. Ao chegar, encontrou-o nos braços de um amante. Ele confessou que já vivenciara sentimentos desta natureza no passado, mas acreditava ser capaz de superá-los. Então, o casal decide procurar o auxílio de um psiquiatra.

Em meio a isto, Cathy torna-se alvo de comentários por aproximar-se de seu jardineiro, um negro. Um filme amplo — homossexualidade, armário, racismo, infidelidade e uma versão anos 50 de cura gay.

Durante o filme, observei que a mãe estava bem quieta. Eu revisava a toda hora se ela dormia. No final, perguntei-lhe o que achara, esperando ouvir qualquer coisa vinda das crescentes brumas que lhe atrapalhavam o cérebro. Pois ela me surpreendeu com uma opinião muito lúcida a respeito da relação do casal e dos amantes. Juntos, fizemos o elogio do filme e falamos sobre o sem-solução de tudo aquilo.

Acho que esta foi a última vez que vi-ouvi minha mãe inteira. Ela viveu mais 8 anos.

Foi nisso que pensei hoje, nesta véspera de Dia das Mães. Pois é, em minha mãe e em um filme.

(Deixo aqui uma foto dela de 1949, acompanhada do verso da mesma, anotado por meu pai. Eu nasceria 8 anos depois).

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