Cat Stevens e Rick Wakeman: uma historinha para vocês

Cat Stevens e Rick Wakeman: uma historinha para vocês

Cat Stevens, atual Yusuf Islam, estava gravando seu LP Teaser and the Firecat quando ouviu Rick Wakeman na sala ao lado, ensaiando Catherine, que faria parte de seu As Seis Esposas de Henrique VIII.

Gostou do que ouviu e foi falar com ele. Na verdade, era um pedido. Disse para Wakeman que pretendia colocar o tradicional hino religioso Morning has broken em seu novo disco, mas que precisava de uma introdução com piano, algo parecido com a Catherine que recém ouvira.

Wakeman foi generoso. Logo fez e tocou a variação que ouvimos até hoje na famosa canção do disco de Stevens e a produção prometeu-lhe pagar 10 libras pelo trabalho, que era o habitual na época.

40 anos depois, um jornalista perguntou a Wakeman qual era a maior mágoa que vivenciara em sua longa carreira, pensando que certamente ele contaria alguma coisa relacionada às muitas brigas que tivera em seus tempos de Yes.

Mas Wakeman surpreendeu dizendo que sua maior mágoa tinha sido o fato de não ter sido creditado como o pianista que realizou o solo de Morning has broken. Também isto era comum na época. O artista principal comprava o trabalho de outro secundário no disco e o trabalho passava a ser dele — que nem lhe dava o crédito. Por exemplo, hoje todos sabem que Eric Clapton fez o solo de While my guitar gently weeps, mas nada está disso está escrito no White Album e Clapton já era Clapton naquela altura. Também pouca gente sabe quem participava dos primeiros discos de Chico Buarque… Mas havia mais para a mágoa de Wakeman, até hoje ele estava esperando as tais 10 libras.

Cat Stevens soube da reclamação e não apenas mandou creditar Wakeman nas novas edições do disco como pagou as 10 libras e o lucro correspondente ao trabalho dele e dos outros músicos. Pagou uma pequena fortuna a todos.

Amigos: Cat Stevens e Rick Wakeman num show em 2020

 

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Saramago

Saramago

Como Saramago respondeu a pergunta “O senhor é socialista?”:

“Ah, claro, inteiramente. Aliás, eu acho que o socialismo é uma doutrina totalmente triunfante no mundo. E não é paradoxo. O que é o socialismo? É o irmão-gêmeo do capitalismo, nasceram juntos, na revolução industrial. É indescritível o que era a indústria no começo. Os operários ingleses dormiam debaixo da máquina e eram acordados de madrugada com o chicote do contramestre. Isso era a indústria. Aí começou a aparecer o socialismo. Chamo de socialismo todas as tendências que dizem que o homem tem que caminhar para a igualdade e ele é o criador de riquezas e não pode ser explorado. Comunismo, socialismo democrático, anarquismo, solidarismo, cristianismo social, cooperativismo… tudo isso. Esse pessoal começou a lutar, para o operário não ser mais chicoteado, depois para não trabalhar mais que doze horas, depois para não trabalhar mais que dez, oito; para a mulher grávida não ter que trabalhar, para os trabalhadores terem férias, para ter escola para as crianças. Coisas que hoje são banais. Hoje é normal o operário trabalhar oito horas, ter férias… tudo é conquista do socialismo.”

José Saramago

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“Vermeer Review”: uma das exposições mais emocionantes já concebidas

“Vermeer Review”: uma das exposições mais emocionantes já concebidas

Traduzido mal e porcamente daqui.

A cena é despretensiosa – paralelepípedos lavados, paredes caiadas, uma mulher costurando em uma porta aberta enquanto a fachada da casa holandesa sobe em direção a nuvens imóveis. No entanto, todos os visitantes ficam maravilhados diante dele. Talvez o feitiço tenha algo a ver com as janelas abertas e as ainda a serem abertas, ou a cadeia de figuras absorvidas e absorventes, ou o arranjo abstrato de molduras e arcos, ou a alvenaria que parece feita da própria coisa? Os olhos e a mente, seduzidos, procuram respostas na imagem. Como pode a pintura de Johannes Vermeer ser tão infinitamente mais bela do que a cena que representa?

A Pequena Rua (c.1657) está no início de uma das exposições mais emocionantes já concebidas. Vermeer, no Rijksmuseum de Amsterdã, reúne mais de suas pinturas do que nunca – e possivelmente nunca mais, dado o custo e fragilidade –, 28 das 37 obras conhecidas. A mostra é soberba: uma sequência de câmaras escuras, onde as pinturas (como seus temas) aparecem ora sozinhas, ora em duplas ou trios, cada uma em seu foco individual. O design reflete o aspecto revelador da arte de Vermeer a cada passo.

Revelador – e ainda profundamente misterioso. Abre-se para o exterior, com a Vista de Delft e A Pequena Rua, e depois torna-se íntima, convidando-nos a olhar cada vez mais de perto para os interiores. Uma caixa de luz, uma figura, alguns adereços, ocasionalmente uma foto emoldurada: os meios parecem tão restritos, mas as cenas são fascinantemente variadas.

O mundo de Vermeer é um mundo em espera; não congelado de repente no momento, mas ignorando completamente o movimento. A empregada derrama seu leite – mas apenas em teoria. Na verdade, o líquido não está fluindo, sua passagem (mesmo em uma ampliação gigantesca no foyer) é totalmente imperceptível.

A Leiteira (1658-59), Rijksmuseum, Amsterdã

Também não entra e sai gente dessas salas, sempre iluminadas pela esquerda. Meninas de arminho, veludo amarelo e renda, homens com capas e chapéus de castor são retratados, mas não vieram de outro lugar. Não há conversa, não importa que as transações possam estar implícitas. Todos aqueles instrumentos musicais, estão ainda sem som. Da mesma forma, você não pode descobrir o que está acontecendo nessas cenas, cada mistério paira diante de você, imperturbável.

Vermeer usa os interiores brilhantes de Pieter de Hooch, mas raramente mostra mulheres trabalhando. Uma escova está ociosa no chão, criadas trouxeram ou esperaram por cartas. Mas apenas a maravilhosa Rendeira, do Louvre, se debruça sobre sua intrincada tarefa. O tempo é mantido em absorção profunda e produtiva, que parece muito mais significativa do que a criação de qualquer renda.

A rendeira, 1666-1668. Museu do Louvre, Paris.

Certamente é aqui que entra a noção de madonas seculares. Para que serve a garota ali, em Vermeer, senão para receber a extraordinária beneficência de sua luz – uma luz como nenhuma outra, mais do que qualquer sala real poderia conter. Para alguns é sobrenatural, para outros sagrado; sente a própria essência da graça.

As anunciações de Vermeer – notícias do nada, por carta – têm uma imobilidade e quietude que não parecem relacionadas ao cenário proposto, assim como a leitura, a escrita, o olhar ou a pesagem de balanças (vazias) . A sensação de meditação prolongada parece vir do próprio ato criativo. Os curadores mostram (em painéis colocados a uma distância discreta da arte) com que frequência objetos, roupas e até mesmo pessoas foram movidos ou excluídos nas prolongadas deliberações de Vermeer. Ele é conhecido por ter feito apenas uma ou duas pinturas por ano.

E então, de repente, tudo gira e um tremor interrompe o senso de Vermeer. Três interiores aparentemente semelhantes aparecem em uma galeria. Fique no meio e testemunhará mil diferenças. Esta cena é adornada com alfinetes elevados de luz crepitante; aquele é suave e subjugado; um terceiro bem menos íntimo, com uma extensão resplandecente de parede nua. O Rijksmuseum diminui o ritmo para mostrar como Vermeer pode ter pensado sobre a realização de cada imagem.

Às vezes, a visão é parcialmente bloqueada por um homem de costas para nós ou por uma cadeira pesada. Talvez a garota pareça distante, do outro lado de uma mesa ou do outro lado da sala. Ou ela é trazida para um close-up abrupto: como a garota com o chapéu vermelho, ou a garota com o brinco de pérola voltando-se para nós na escuridão total com seu flash de cinema.

Young Woman with a Lute, do Metropolitan Museum of Art de Nova York, é tão espectral que pode ser uma memória ou um fantasma, ao contrário dos objetos sólidos ao seu redor. A janela é extraordinariamente estreita e pequena, a cortina transparente disposta de modo que a luz incide lateralmente, iluminando os pinos em uma cadeira de couro como estrelas brilhantes, mas dissolvendo a garota em halos borrados, como se ela fosse um segredo.

Na fascinante Mulher de Azul Lendo uma Carta do próprio Rijksmuseum, não há janela e toda a cena é impregnada com o azul do vestido, como se fosse uma extensão de sua mente. A carta que ela segura agora é apenas uma lasca de luz. Certamente esta é a mesma garota de um quadro pintado cerca de cinco anos antes, emprestado de Dresden, seu rosto um pouco mais velho, sua absorção agora mais profunda. A esposa de Vermeer deu à luz 15 filhos. Quem sabe algumas de suas filhas apareçam nessas fotos?

Mulher de azul, lendo uma carta (1664)

Tudo muda, mas permanece. Uma empregada olha pela janela com fria (ou irônica?) impaciência, enquanto sua patroa vestida demais lê uma carta. Outro parece flamengo, como se fosse contratado de outro lugar. A carta pode ser dobrada, inscrita, gasta como seda com leituras repetidas, ou passada fechada pela empregada para a amante insatisfeita em uma cena distante vista através de uma porta – como um vislumbre momentâneo em Alfred Hitchcock.

Os detalhes são enigmáticos: uma única gota vermelha no chão (talvez cera de lacre), uma carta de baralho brandida como se em advertência por um querubim, frisos de ladrilhos de Delft que existiam na realidade, mas parecem poder ser decodificados. Uma garota tem um rosto de lua curiosamente plano, outra parece andrógina, outras ainda estão estagnadas como sonâmbulos, mantidas imóveis por uma espécie de gravidade mística.

Por razões desconhecidas, o Kunsthistorisches Museum em Viena se recusou a enviar The Art of Painting , de Vermeer – com seu artista-mágico virando as costas para nós, mesmo enquanto pinta a cena – para que pudéssemos entrar ainda mais fundo na câmara de sua mente. Mas tudo o mais sobre essa exposição é tão perfeito quanto poderia ser. Mais pinturas, visões e variações maiores (e mais condensadas), oferecem todas as oportunidades para olhar mais longe, mais devagar e com mais precisão do que nunca. No entanto, as pinturas de Vermeer têm o mistério de sua própria criação, sua beleza e significado como parte de seu conteúdo. Quanto mais perto você chega, mais estranho ele parece.

Vermeer fica no Rijksmuseum, em Amsterdã, até 4 de junho.

Johannes Vermeer (1632-1675) – The Girl With The Pearl Earring (1665)

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Pink Floyd, The Dark Side of the Moon

Pink Floyd, The Dark Side of the Moon

Eu ouço quase só música erudita, mas não desconheço o popular e inclusive já fui considerado um bom cantor amador em rodas de samba e bossa nova…

Esta introdução bastante boba é para dizer que não moro num castelo, que tenho em vinil quase toda a bossa nova até os anos 70, mais o samba e o jazz. E que ouvi muito rock, desde o mais básico até o progressivo — sim, já fui jovem, muito jovem.

Só que hoje tenho uma severa avaliação do “rock progressivo”. Tenho fortes argumentos para preferir as canções “mais simples” (estas aspas deveriam estar em negrito).

Só que não dá para discutir que “The Dark Side of the Moon” é um disco maravilhoso. Ele completa 50 anos em 1º de março. Comprei o vinil em 73 — tinha 16 anos — e ele ainda está comigo e em perfeito estado.

Aliás, tenho dificuldade em classificar o disco como progressivo. Não há exibição técnica, megalomania, encheção de linguiça e, principalmente, a coisa soa naturalmente não sinfônica. Talvez tenha sido este fato que tornou o grupo impermeável ao desgaste que ocorreu com outros como Yes e Genesis, só para citar dois.

E as letras também são de bom gosto, falando de loucura, cobiça, velhice, etc. Gosto muito.

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