Notas de Concerto: a Missa em Si Menor, BWV 232, de Johann Sebastian Bach

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Vamos começar falando de um compêndio que influenciou gerações de melômanos no Brasil. O tal livro é Nova História da Música, de Otto Maria Carpeaux. Muita gente da minha geração e das anteriores (talvez também das posteriores) leram este livro. Na parte que fala de Bach, Carpeaux o colocava como o maior compositor de todos os tempos (OK), mas dizia ousadamente que a Missa em si menor era a maior obra de todos os tempos. Carpeaux gostava de afirmativas bombásticas e de comparar alhos com bugalhos, mas era um cara tão respeitado — era colunista o autor de uma História da Literatura Ocidental em oito volumes, reconhecera Grande Sertão: Veredas com um clássico absoluto 15 dias após seu lançamento e já tinha feito o algo parecido com outros autores — que todo mundo até se vestia melhor em casa para ouvir a tal maior obra de todos os tempos. E, mesmo que ele tenha se enganado na medição das obras — eu sei lá! –, está muito próximo de ter falado a verdade. Na verdade, a Missa em Si Menor, foi primeiramente aclamada como a “maior composição musical de todos os tempos e todas as culturas” por seu primeiro editor, Hans-Georg Nägeli, de Zurique em 1818. E é isso que vocês vão ouvir hoje.

Talvez algum desavisado espere um padre hoje na Ospa, então acho que mais do que natural explicar o que é uma Missa em música. Pode-se dizer que a Missa é uma obra musical religiosa cantada por solistas e/ou coral que, diferentemente da maioria dos Oratórios, Paixões — como o Messias de Handel — e Cantatas, não possui recitativos. O que é o recitativo? Trata-se de gênero de canto declamado, surgido no final do século XVI, que passou a integrar óperas, cantatas e oratórios. Servem de conexão entre as árias cantadas. OK, e o que é uma ária? Ária é qualquer composição musical escrita para um cantor solista, tendo quase o mesmo significado de canção. Podem ser duetos, tercetos, etc. tb. E o que é um coral? É uma composição escrita para coro ou coro e orquestra. Geralmente (mas não necessariamente) usa-se o termo “ária” quando está contida dentro de uma obra maior, como uma ópera, cantata ou oratório e “canção” quando é uma peça avulsa. Existe canção em música erudita? Certamente. Purcell, Richard Strauss e principalmente Schubert praticaram o gênero com resultados magníficos. A Missa em si menor é formada de magníficas árias e corais.

Mas a Missa possui outra característica: ela, teoricamente, tem uma estrutura e texto padrão em latim. A estrutura básica compõe-se do Kyrie, Gloria, Credo, Sanctus e Agnus Dei. E quem compôs Missas? Quase todos os grandes compositores: Palestrina, Bach, Haydn, Rossini, Beethoven, Schubert, Bruckner, Janáček, etc.

I. Missa (Kyrie & Gloria)

Intervalo

II. Symbolum Nicenum (Credo)
III. Sanctus
IV. Osanna, Benedictus, Agnus Dei et Dona nobis pacem

Outra espécie de Missa é o Réquiem. Todos nós conhecemos os famosos Réquiens de Mozart, o de Verdi, o Réquiem Alemão, de Brahms e o War Requiem, de Britten, etc. Além disso, há obras sobre partes da missa ou outros textos litúrgicos, como o Gloria (Vivaldi e Poulenc), o Magnificat (Bach), o Te Deum (Purcell, Haydn, Mozart, Bruckner), o Stabat Mater (Vivaldi, Pergolesi), o Exsultate, jubilate (Mozart), entre outros.

Agora, vamos a Bach. É verdadeiramente notável o porte e o grau de influência de Bach, assim como sua colocação como pedra fundamental de toda a nossa cultura musical. O mundo criado por Bach foi desenvolvido numa época em que não havia plena noção de obra; ou seja, Bach não se colecionava para servir à posteridade como os autores passaram a fazer logo depois. Ele escrevia para si, para seus alunos e contemporâneos. Sabe-se pouco a seu respeito como pessoa. Sabe-se que estava sempre procurando cargos mais bem reminerados, que era brigão, que bebia (e produzia) muita cerveja, que teve muitos filhos. Muitos mesmo.

Teve 7 com a primeira esposa Maria Barbara que viveu e trabalhou com ele de 1707 e 1720 (13 anos). Três caíram na alta mortalidade infantil da época. E teve 13 com Anna Magdalena, com quem ficou casado entre 1721 e 1750 (29 anos), dos quais sete faleceram prematuramente. Quatro dos filhos tornaram-se compositores (Wilhelm Friedemann, Carl Philipp Emanuel, Johann Christian e Johann Christoph Friedrich), um filho tinha problemas mentais e havia quatro meninas que chegaram à idade adulta.

Com tantos filhos, era natural que Bach procurasse sempre melhores empregos. À época, fazer isso poderia ser um grande problema. Os empregadores consideravam traidores quem fazia isso. Por exemplo, quando Bach recebeu uma oferta do Príncipe Leopold, de Köthen, Bach pediu permissão para deixar Weimar, onde trabalhava. Mas o Duque de Weimar não quis perder os serviços de seu brilhante músico e recusou o pedido. Como Bach insistisse, o Duque não teve dúvidas em colocá-lo na prisão, isso sem nenhum processo. Bach passou trinta dias preso. Porém, ao sair da prisão, em dezembro de 1717, partiu imediatamente para Köthen com sua família já de quatro filhos, sendo nomeado mestre de capela da corte do Príncipe Leopold.

Mesmo com os filhos e os alunos, a perfeição e o número de obras que Bach criava e que era rápida e desatentamente fruída pelos habitantes das cidades onde viveu, era inacreditável. Tentaremos dar dois exemplos:

(1) Suas obras completas, presentes na coleção Bach 2000, estão gravadas em 153 CDs. Grosso modo, 153 CDs são 153 horas ou 6 dias e nove horas ininterruptas de música… original,

(2) como se não bastasse, ele parecia divertir-se criando dificuldades adicionais em seus trabalhos. Muitas vezes o número de compassos de uma ária de Cantata ou Paixão, corresponde ao capítulo da Bíblia onde está o texto daquilo que está sendo cantado. Em seus temas também aparecem palavras — pois a notação alemã (não apenas a alemã) é feita com letras. Ou seja, pode-se dizer que ele sobrava…

E imaginem que durante boa parte de sua vida Bach escrevia uma Cantata por semana. Em média, cada uma tem 20 minutos de música. Tal cota, estabelecida por contrato, tornava impossível qualquer “bloqueio criativo”. Pensem que ele tinha que escrever a música, copiar as partes e ainda ensaiar para apresentar domingo, todo domingo.

Mas se ele era tão ocupado, por que escreveu uma Missa de grandes proporções? Há duas teses:

  1. Bach escreveu-a em 1733 (revisou-a em 1749) com a intenção de que ela fosse uma obra ecumênica. Seria a coroação de sua carreira de compositor sacro. Quando a Bach, roubou de si mesmo ou fez retornar alguns de seus melhores trabalhos de sua longa obra. Imaginem que ele trouxe para a Missa uma ária que compusera em 1714! Naquele momento ele fazia uma revisão de si mesmo e, por isso, a Missa também é um sumário de sua obra sacra. Para completar, o trechos compostos especialmente foram criados por um compositor no auge de sua capacidade. O que apoia esta tese do ecumenismo, da unidade cristã é o fato da Missa ter sido escrita em latim, contrariamente às Cantatas e Paixões, sempre escritas em alemão. Tal fato deixaria a Missa mais próxima dos católicos.
  2. Mas hoje a tese mais aceita é muito outra. Na verdade, pleiteava um emprego junto ao Rei “católico” em Dresden, Augusto III) em 1733. Isso explica a linguagem católica. Ele cobiçava um cargo em Dresden, loucamente. Era a melhor corte musical da Europa, repleta de Vivaldi, dinheiro, bons amigos… Bach correu a vida toda atrás de melhores postos, e ficou sempre, infelizmente, aquém. Assim, ao apresentar da Missa em Dresden, fez uma aposta alta e reuniu seus melhores materiais, reciclando muito de seus arquivos, o que sempre fez com perícia. O Kyrie e o Gloria foram compostos naquele ano, o primeiro como um lamento pela doença de Augustus, o Forte, que veio a falecer em 1 de fevereiro de 1733, e o segundo para celebrar a ascensão de seu sucessor, o Eleitor da Saxônia e mais tarde rei da Polônia, o Rei Augusto III, que, para assumir o trono da Polônia, se converteu ao catolicismo. Estas duas seções foram apresentadas por Bach a Augustus III, junto com uma nota datada de 27 de julho de 1733, como uma Missa com as partes Kyrie e Gloria, na esperança de obter o título de Compositor da Corte da Saxônia, lamentando-se de que havia sofrido imerecidamente, uma injúria após outra em Leipzig. Provavelmente, estas partes da Missa foram executadas em 1733, na Sophienkirche, em Dresden, onde Wilhelm Friedemann Bach trabalhava como organista desde junho, sem a presença daqueles a quem eram dedicados.
Johann Sebastian Bach – carta na qual o compositor alemão dedica o Kyrie e o Gloria de sua ‘Missa em Si Menor’ a Frederico Augusto, Eleitor da Saxônia. Datada de 19 de agosto de 1733.

— O Sanctus foi composto em 1724
— O Credo pode ter sido escrito em 1732.
— Em 1747 ou 1749, Bach copiou toda a partitura.

A Missa em Si menor, BWV 232, de Johann Sebastian Bach, é uma obra monumental que merece ser ouvida por várias razões:

  1. Síntese do Gênio de Bach: Esta obra é frequentemente vista como o ápice da carreira de Bach, sintetizando suas habilidades como compositor de música sacra. Ela combina estilos e técnicas que Bach desenvolveu ao longo de sua vida, unindo elementos de música coral, orquestral e solos vocais em uma obra magistral.
  2. Diversidade Estilística: A Missa em Si menor abrange uma impressionante variedade de estilos musicais. Desde o uso do contraponto renascentista até elementos do barroco tardio, Bach demonstra sua capacidade de fundir e elevar diferentes tradições musicais. Isso faz da Missa uma verdadeira enciclopédia de técnicas musicais da época.
  3. Profundidade Espiritual: Embora Bach tenha sido um luterano devoto, a Missa em Si menor é uma obra universal em seu alcance. Ela transcende divisões confessionais, oferecendo uma expressão profunda da espiritualidade cristã. A música é emocionalmente poderosa, capturando desde a solenidade do “Kyrie” até a exultação do “Gloria”.
  4. Complexidade Técnica e Beleza Harmônica: A complexidade técnica da Missa é extraordinária. As fugas, as sobreposições harmônicas, e a interação entre vozes e instrumentos são de uma sofisticação raramente igualada na música. No entanto, apesar dessa complexidade, a obra nunca perde sua beleza melódica e harmônica, sendo ao mesmo tempo acessível e profundamente rica.
  5. Legado Histórico: A Missa em Si menor é uma das obras mais influentes da música ocidental. Ela foi redescoberta e valorizada no século XIX, e desde então, tem sido um pilar do repertório coral e orquestral. Sua importância histórica e musical a coloca entre as maiores composições já escritas.
  6. Experiência Emocional: Ouvir a Missa em Si menor é uma experiência emocional poderosa. A combinação de vozes, orquestra e a arquitetura musical de Bach cria um impacto que vai além das palavras. Cada seção da Missa evoca uma gama diferente de emoções, desde a penitência até a glória, fazendo dela uma obra completa e emocionalmente envolvente.

Esses aspectos fazem da Missa em Si menor uma obra que não só deve ser ouvida, mas também estudada e apreciada como uma das maiores realizações da música clássica.

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E aqui está a palestra para o Notas de Concerto:

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