A morte do Vassily

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O grande Vassily morreu hoje. Tinha 17 anos. Seu nome completo era Vassily Kandinsky, dado pela Elena por ser seu pintor bielorrusso preferido e por uma curiosa característica física. Ele era todo malhado, mas a ponta da cauda era inesperadamente branca. Um gato pintor.

Vassily veio ainda filhote para a Elena, lá em 2007. Eu cheguei em 2013. Éramos inimigos. Ou melhor, nos comportávamos como diplomatas de nações com uma zona em disputa: nossa amada. Ele tinha uma notável intuição para saber quando eu pretendia me aproximar da Elena e procurava chegar antes. Logo que iniciamos nossa vida a três, dei-lhe um grande susto. Foi sem intenção. Eu dormia, e quando abri os olhos, vi um tigre em cima de mim com o nariz a centímetros do meu. Não sei o que pensei. Dei um pulo de susto, mas o pulo que ele deu foi muito maior. Ele voou de cima de mim e passou uma semana dormindo na sala para se refazer daquele tremendo trauma. Eu, o problema.

Vassily foi a grande companhia da Elena. Foi o seu maior amigo no Brasil e ela está sofrendo. Estava sempre no seu colo ou pedindo coisas que obedeciam a um ritual — me dá mais ração (o pote cheio); liga a água da pia; quero colo; quero alga; não quero nada; hoje não tô bom, nem vem; quero carinho; agora vem me procurar, sua trouxa.

Eu sou um cachorreiro que nunca antes teve gatos e não entendia aquela escravidão a que minha mulher era submetida e que apenas aumentava. Um gato é um velho cheio de manias, primeiro isso, depois aquilo.

Minha relação com Vassily nunca melhorou, só piorou. Quando começaram seus problemas de saúde, era eu quem lhe dava remédios goela abaixo e, pior, dava-lhe soro. Ou seja, enfiava-lhe uma agulha nas costas, enquanto imobilizava-o por vários minutos. Desse jeito nunca pudemos nos entender. Eu chegava e ele saía, ou ia para perto da segurança da nossa mulher.

Vassily nunca precisou de tela. Ia pra praia e logo reconhecia onde podia ir. Nunca fugiu. Quando nos mudamos, logo entendeu a complexa geografia da nova casa. Frequentava o pátio de madrugada, saindo pelos mais variados caminhos, mas estava na cama sempre que um de nós estava acordado.

Mas ontem, mesmo combalido por um câncer, saiu pela janela da cozinha, se meteu pelo telhado e mergulhou na área de um apartamento desocupado. Ficou ao lado do tanque esperando a morte. Consegui a chave com a proprietária — que morava longe — entrei no apê, resgatei meu inimigo que tentava fugir novamente. Aquele capricho de ir embora — tão natural nos animais — não foi aceito por nós. E, sob protesto, desde que voltou permaneceu dentro de sua caixa de areia. Não saiu mais.

Fiz um buracão no pátio para enterrá-lo. Tô com as costas quebradas e muito triste. Já sinto a falta do meu inimigo. Nem vou falar da Elena.

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