Talvez eu esteja ensaiando algo no estilo de Jep “não posso mais perder tempo fazendo coisas que não quero fazer” Gambardella. É verdade, estou velho demais para ficar revoluteando por aí. Claro que o melhor de mim acaba indo sempre para o trabalho, mas, se me organizasse, sei que poderia me livrar de alguns penduricalhos de anos e tornar minha rotina mais satisfatória. Deixando de lado a vida amorosa e os tais pingentes, minha prioridade, atualmente, é o retorno aos autores que mais amo e com os quais mais aprendi. E resolvi abordar novamente Vladimir Nabokov, indo diretamente àquele que é um de seus livros mais fundamentais: A Verdadeira Vida de Sebastian Knight (1941).
Sebastian Knight é o primeiro romance escrito em inglês por Nabokov (1899-1977). Conta-se que foi escrito em um banheiro parisiense, com o autor sentado em uma privada com a tampa fechada. Não haveria lugar melhor disponível. No livro, o narrador, V., pretende escrever a biografia de seu falecido meio-irmão, o obscuro e brilhante romancista russo, Sebastian (1899-1936). O nome Knight vem de sua mãe, de origem inglesa. Os dois irmãos, de pais diferentes, viveram afastados desde a juventude. Na busca por informações e do entendimento da vida do querido autor, ele analisa seus textos e vai atrás de conhecidos e de casos amorosos do irmão.
Nabokov é sempre muito enganador. Às vezes, chegamos a identificar culpa nesta obsessão de descobrir quem seria mesmo este irmão autor de livros tão intrigantes. Por que se encontraram em tão poucas oportunidades? Por que não se conheceram melhor?Outras vezes, parece que tudo é uma tentativa de colocar Knight em seu merecido Olimpo literário, pois a nova biografia refutaria outra, enganosa, escrita pelo ex-assistente de Knight, o Sr. Goodman, de nome A Tragédia de Sebastian Knight. Desprezando o autor, Goodman afirma que Knight estava muito distante da vida real e que, vivendo inteiramente em seu projeto literário, não seria um artista solitário, mas um artista cego ao mundo.
Em qualquer caso, uma sensação de falta percorre toda a narrativa. (Calma, não vou adiantar nada da trama). Só lhes digo que é particularmente interessante a parte final do livro, quando V. busca uma mulher com o qual o irmão teria sofrido uma desilusão amorosa após abandonar a esposa Claire. O livro torna-se poliestilístico ao adotar uma paródia de “livro de detetive”.
Não somos informados sobre o nome ou o sobrenome do narrador. Mais tarde Nabokov escreveu que “V estaria para Victor.” Três interpretações têm sido propostas sobre a relação entre o narrador e biografado: que, como se esperaria, V e SK fossem pessoas efetivamente distintas; que SK inventou o personagem V em um de seus livros ou que V inventou SK, sendo a biografia pura ficção. No fundo, a verdade não nos interessa e todas as interpretações parecem possíveis. O que interessa e fica é a notável beleza de um romance de reconstrução incompleta, regida por um autor de texto e talento ímpares.
Um baita livro.