Brahms: Concerto Duplo para Violino e Violoncelo / Prokofiev: Sinfonia Nº 5

No próximo dia 25, às 16h, estarei apresentando o Notas de Concerto da Ospa. O Concerto será às 17h. Abaixo, algumas anotações sobre as obras do programa. 

Concerto Duplo para Violino e Violoncelo em lá menor, Op. 102, de Johannes Brahms (1887)

Johannes Brahms (1833-1897)

O belíssimo Concerto Duplo para Violino e Violoncelo de Brahms tem origem curiosa. Será verdade que “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”? Pois este polêmico ditado não foi seguido por Brahms. Em 1884, o célebre violinista Joseph Joachim e sua mulher se separaram depois que ele se convenceu de que ela mantinha uma relação com o editor de Brahms, Fritz Simrock. Brahms, certo de que as suposições do violinista eram infundadas, escreveu uma carta de apoio à Amalie, a esposa, que mais adiante seria utilizada como prova no processo de divórcio que Joseph moveu contra ela. Este fato motivou um resfriamento das relações de amizade entre Joachim e Brahms, que depois foram restabelecidas quando Brahms escreveu o Concerto para Violino e Violoncelo e o enviou a Joachim para fazer as pazes. Acontece. Mas por que o violoncelo? Ora, a combinação inusitada — este é o primeiro concerto escrito para esta dupla de instrumentos — surgiu porque o violoncelista Robert Hausmann, amigo comum de Brahms e Joachim, pedira um concerto ao compositor. Então, o compositor encontrou uma forma de satisfazer ao violoncelista , ao mesmo tempo que reconquistava a amizade do violinista. Clara Schumann escreveu em seu diário: “O Concerto é uma obra de reconciliação. Joachim e Brahms falaram um com o outro novamente.”

Joseph Joachim (1831-1907) e Amalie Weiss (1839-1899)
Fritz Simrock (1837-1901)

Após completar sua Sinfonia Nº 4 em 1885 e embora tenha vivido mais doze anos depois de completá-la, Brahms produziu apenas mais uma obra orquestral, e esta não foi uma sinfonia, mas este concerto. E não era um concerto solo comum, mas sim uma composição que uniu pela primeira vez a forma de violino e violoncelo. Mozart fez os não tão díspares solistas de violino e viola quase se enfrentarem em sua Sinfonia Concertante. Beethoven fez o mesmo em seu Concerto Triplo Concerto, juntando piano, violino e violoncelo. Mas aqui nós temos realmente um casamento. O violoncelo introduz a maioria dos temas, mas há muitos trechos onde um acompanha o outro. Há menos exploração de contrastes  violino-violoncelo de Brahms, que se baseia menos na exploração das individualidades contrastantes do casal solista, mas em sua capacidade de viverem felizes juntos. O Concerto possui uma enorme riqueza de ideias que são trabalhadas com a extrema habilidade.

Robert Hausmann (1852-1909)

Brahms fez o violoncelo e o violino se fundirem em vez de projetar identidades separadas e talvez conflitantes. Há muitos uníssonos e trechos onde um instrumento acompanha o outro.  Exigências artísticas como essas são feitas ao longo do Concerto Duplo. Durante o período de testes do Concerto, tanto Joachim quanto Hausmann aconselharam o compositor sobre algumas questões técnicas de seus respectivos instrumentos.

Sinfonia Nº 5 em si bemol maior, Op. 100, de Serguei Prokofiev (1944)

Prokofiev tinha 26 anos quando da Revolução de 1917. Na época, estava resolvido a deixar a Rússia temporariamente. A decisão era pré-revolução: sua música era considerada demasiadamente experimental e ele já fora muito hostilizado quando da estreia de seu Concerto Nº 1 para Piano e Orquestra em 1912. Em maio de 1918, o compositor mudou-se para os Estados Unidos, onde teve contato com alguns bolcheviques como Anatoly Lunacharsky. Para não ter problemas no país natal, Anatoly convenceu-o a sempre divulgar que o motivo da emigração era estritamente musical, e não uma oposição ao novo regime instalado. E era verdade, Prokofiev não era um opositor, ao menos naquela época.

Seu retorno à União Soviética foi extremamente curioso e lento. Quando Prokofiev foi morar nos Estados Unidos, fixou primeiramente residência em São Francisco. Depois, foi indo pouco a pouco para o leste, atravessou o oceano, morou em Paris, fez diversas viagens aos EUA, fixou-se nos Alpes e seguiu seu caminho para a URSS onde chegou apenas em 1935. Mas não adiantemos os fatos.

Em 1927, realizou diversas e bem sucedidas turnês pela União Soviética. No início da década de 1930, Prokofiev deu mais um passo na direção da União Soviética. Já permanecia mais em Moscou do que em Paris.

Em Londres, ele também gravou alguns de seus trabalhos para piano solo em fevereiro de 1935.

No mesmo ano, Prokofiev voltou à União Soviética para ficar. Sua família voltou somente no ano seguinte. Só foi bem recebido no aeroporto, pois, na época, a política musical soviética havia mudado; uma agência havia sido criada para vigiar os artistas e suas criações. Ela era chefiada pelo temido Andrei Alexandrovitch Jdanov, parceiro de Stálin. Ele era um ferrenho defensor do Realismo Socialista nas artes e sufocou toda uma brilhante geração de artistas através de parâmetros políticos e estéticos rígidos, principalmente a partir da década de 1940. E por que Prokofiev decidiu ficar? Por saudades.

A URSS ia se fechando. Limitando a influência externa, o país gradualmente isolou seus compositores e escritores do resto do mundo. Tentando se adaptar às novas circunstâncias, Prokofiev escreveu uma série de canções usando letras de poetas aprovados oficialmente pelo governo, além do oratório Zdravitsa (Op. 85). Na mesma época, compôs para crianças. É o período de Pedro e o Lobo, para narrador e orquestra, uma obra pedagógica e bem comportada, feita para agradar Josef Stálin e o regime. É famosíssima e até hoje é montada no mundo inteiro.

Em 1938, Prokofiev colaborou com o cineasta Sergei Eisenstein no épico Alexander Nevsky.

A Quinta de Prokofiev simplesmente não tem momentos fracos. O ritmo de relógio, tão caro ao compositor, recebe seu melhor momento ao final do segundo movimento, quando quase emperra…

A Sinfonia Nº 5 de Prokofiev tornou-se tão popular no mundo inteiro que, poucos meses após sua estreia nos EUA, um retrato do compositor apareceu na capa da revista Time. Era o ano de 1945. A Guerra Fria ainda não se instalara e os EUA e a União Soviética eram aliados contra o fascismo. A Sinfonia foi um sucesso total em todo o mundo, era a celebração musical da conclusão da guerra. Mas foi isso mesmo? Quando pesquisamos sobre esse trabalho, lemos repetidas vezes os mesmos adjetivos – “heroico” ou “alegre”. E sempre no contexto da vitória de uma nação, da vitória de um povo. Prokofiev escreveu que ela era “uma sinfonia da grandeza do espírito humano, uma canção de louvor à humanidade livre e feliz”, mas a vida do compositor não estava fácil sob os ditames do realismo socialista e talvez a obra seja mais a luta do espírito artístico individual para não ser sufocado. Porém, a grandeza desta Sinfonia supera qualquer ambiguidade. Ela pode suportar uma série de interpretações e nenhuma pode confiná-la. Uma obra-prima.

Sabemos que esta Sinfonia em quatro movimentos foi composta no verão de 1944, logo após o desembarque das tropas aliadas nas praias da Normandia e durante as investidas das forças russas em direção a Berlim. Na época de sua estreia em Moscou, em janeiro de 1945, sob a direção do compositor, disparos de artilharia comemorativos distantes fariam Prokofiev parar, braços erguidos, enquanto se preparava para começar a apresentação.

Certamente a Sinfonia abre com um tom inconfundivelmente otimista, e o clímax esmagador no final do movimento é uma crise vencida. O segundo movimento é um scherzo nervoso, um forte contraste com o triste terceiro movimento. Mas a vitória descrita no movimento final é uma conquista pessoal ou pública?

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