Acima e abaixo, duas tchecas e a Maguary e o Del Valle da Elena.
E ontem, uma belga e uma tentativa de cerveja alemã sem álcool para a Elena. Não deu muito certo. A Elena achou amarga demais. Mas ela queria sentir-se adulta bebendo comigo… O bom é que depois fomos passear à beira-mar no melhor dos humores. Ah, a vida tranquila, carinhosa e besta das férias!
A antiga Rua da Ladeira chama-se General Câmara desde 1870, mas a população insiste em utilizar o velho nome para designar a rua onde um deck de madeira se esgueira pela calçada no número 333, no início da subida. Ali, de segunda a sexta, entre 10 e 21h, são consumidos sete mil litros do melhor chope e seis mil maravilhosos bolinhos de bacalhau por mês.
Com 74 anos de história, o Tuim é um dos bares mais tradicionais de Porto Alegre. É um negócio de família, administrado pela terceira geração de descendentes portugueses – o que explica o carinho bolinho de bacalhau, uma constante no cardápio. André Azevedo é o administrador do bar que antes era gerido por seu pai e, antes disso, pelo filho de criação do avô.
André conta que desde os 14 anos vive entre as mesas e garrafas do estabelecimento do pai. Quando seu Manuel revelou que queria vender o Tuim – que na época tinha metade do tamanho atual — André discordou e propôs-se a tocar o negócio. O pai então cedeu 50% do Tuim para André, um ex-técnico de mecânica, hoje com 32 anos. Quem o vê tirando chope não o imagina fazendo outra coisa.
Antes de vir parar na subida entre a Praça da Alfândega e o Theatro São Pedro, o Tuim teve outras moradas. Em 1941, foi inaugurado na Rua Uruguai (foto acima) e passou ainda pela Riachuelo antes de se estabelecer na General Câmara, em 1958. Quando assumiu, André fez reformas para ampliar o bar e aumentar a clientela. Na parede, um quadro avisa o horário de fechamento, às 21h – “por tradição” – e a recusa de abrir as portas em finais de semana e feriados, “por falta de movimento”. Além dos tradicionais chope e bolinho de bacalhau, o Tuim serve almôndegas, batatas fritas, salsichas bock e, nos últimos anos, passou a servir almoço. Os frequentadores sabiam que os funcionários almoçavam e pediram. “A gente não sabia se ia dar certo, mas hoje vendemos 70 almoços por dia”.
Se o Tuim sempre esteve ligado à família Azevedo, também é um bar famíliar. Não pelo recato dos frequentadores, mas pela intimidade existente entre eles. “Noventa por cento da clientela são pessoas que vêm todos os dias”, conta André. Ele explica que a maioria dos clientes, das mais variadas profissões possíveis – políticos, jornalistas, intelectuais, funcionários públicos, advogados –, se conhece bem. Há fregueses com mais de 40 anos de Tuim.
André diz que os 10% de frequentadores que não são fixos “entram facilmente no ritmo” dos outros. Quando alguém chega sozinho com o bar cheio, o dono logo ajeita as coisas para que se abra um espaço para o novo cliente em uma mesa com gente. “Em outros bares não tem isso, mas aqui tem uma interação maior. No Tuim, os clientes são parte do bar”, diz.
Depois de tantos anos, a linha entre funcionários, clientes e amigos se diluiu inteiramente. “O convívio diário com a freguesia torna meu trabalho muito prazeroso. Volto faceiro para casa todos os dias. E mais inteligente”, brinca ele, que ouve e participa das conversas dos intelectuais que, entre um chope e outro, discutem de política a questões existenciais.
Com tantos fregueses fiéis – e embriagados – não é de se admirar que algum, um dia, tenha burlado a sagrada hora de fechamento e ficado dentro do Tuim um pouco mais do que o esperado. André conta rindo sobre uma noite em que um cliente, depois de “tomar todos os uísques possíveis”, se despediu e foi embora do bar. O dono, então, guardou as garrafas na geladeira, limpou o balcão, apagou as luzes, trancou as portas e acionou o alarme.
Quando André voltava para casa, já na Osvaldo Aranha, recebeu o aviso no celular de que o alarme do Tuim tinha disparado. Voltou correndo para a General Câmara só para ouvir da rua os berros de “Tu me trancou aqui dentro!”. A suposição de André é de que o tal freguês tinha voltado e dormido no banheiro, já que “estava bem embalado”. O tal cliente, cujo nome André não divulga nem sob tortura, reclamou que ficou absolutamente desesperado durante os poucos minutos em que ficou preso. Afinal, não sabia onde ligava o ar condicionado — era verão — e nem tinha conseguido tirar chope.
O Tuim adota um rígido código de ética. Quem chega lá totalmente bêbado, não é servido, é mandado para casa. Por outro lado, ele não serve refrigerantes em hipótese alguma. Só que a saúde de alguns dos clientes mais antigos demonstra inadequação ao segundo preceito. Então André conta, rindo, que abre exceções e vende refrigerantes mediante a apresentação de receita médica. “Sim, a ética do bar teve de ser flexibilizada… Começaram a pedir para eu vender refrigerante porque os médicos não os deixavam mais beberem, mas eles queriam continuar frequentando o bar. Afinal, são pessoas que vêm aqui há décadas. Os caras têm todos os amigos aqui dentro. Então tive que vender refris, mas não os deixo em exposição”.
OK, mas então qualquer um pode beber um refrigerante no deck do Tuim? “Não, também não é assim. Só com atestado médico!”. Ah, bom.
Quando estávamos nos retirando, um frequentador conhecido por Paraíba estava reclamando para André que o bar não tinha café expresso. Ele estava bebendo cachaça e sonhava com um café depois. Só que o Tuim não serve café. Quando soube que havia jornalistas presentes, Paraíba adotou um tom de político em campanha: “Temos um projeto de nossa autoria que inclui a instalação de uma máquina de café expresso no Tuim para daqui cem anos”. Como bons jornalistas, anotamos. Vamos conferir se será aprovado, ora.
Claro, é uma comemoração simples e modesta, já que nem sei se há muitos parentes dele por aí além de PQP Bach, o filho bastardo. Mas a comemoração deve ser à base de cerveja.
Para quem conhece, é curioso ou lê a respeito da história da música, é sempre surpreendente o tamanho de Bach, seu grau de influência (influência que se revela perene) e sua colocação como pedra fundamental de toda a cultura musical. E todo o mundo que Bach criou foi desenvolvido numa época em que não havia muita noção de obra; ou seja, Bach não escrevia para a posteridade como passaram a fazer logo depois, mas para si, seus alunos e contemporâneos. E era um brigão; passava grande parte de seu tempo solicitando mais e melhores músicos, salários e procurando “emprego”, digamos. Costumava ganhar mais que seus pares, mas nada que fosse espantoso, de forma nenhuma.
A perfeição daquilo que criava e que era rápida e desatentamente fruída pelos habitantes das cidades onde viveu, era pura necessidade individual de fazer as coisas bem feitas. E, mais, ele parecia divertir-se criando dificuldades adicionais em seus trabalhos. Muitas vezes o número de compassos de uma cantata corresponde ao capítulo e versículo da Bíblia daquilo que está sendo cantado. Em seus temas aparecem palavras — pois a notação alemã (não apenas a alemã) é feita com letras — , e suas fugas envolvem verdadeiros espetáculos circences que só podiam ser apreendidas por especialistas. Então Bach era não apenas um fantástico melodista capaz amolecer as pernas de quaisquer ditadores — sei do que falo — , como um sólido teórico capaz de brincar com seu conhecimento. Em poucas palavras, pode-se dizer que o velho sobrava… Sua obra, mesmo com a perda de mais de 100 Cantatas e de outras obras por seu filho mais velho, o preferido de Bach e maldito pelos bachianos Wilhelm Friedemann, suas obras completas correspondem a 153 CDs da mais perfeita música. Grosso modo, 153 CDs são 153 horas ou mais de 6 dias ininterruptos de música.
E também sobrava cerveja em sua casa. Seus contratos previam dinheiro e algumas vitualhas fundamentais: cevada, trigo, lenha e não apenas cevada, mas uma quantidade enorme de cerveja, pois o homem não apenas queria a cevada com a autorização para produzir a bebida, mas a própria. Pode-se de dizer que, naquela época, por questões de saúde, era preferível beber cerveja à água, mas… Pô, Bach pedia muita cerveja. Um litro de cerveja custava o equivalente a US$ 1,50 e o de leite $1,25; isto é, a cerveja era tão (in)acessível quanto o leite, porém as notas examinadas por seus biográfos indicam que a família Bach consumia toneladas dela. Um relatório de gastos do compositor em 1725 (tinha 40 anos) dá conta de um consumo enorme por um período limitado, suficiente para várias pessoas por muitos dias. É óbvio que seus alunos e músicos bebiam junto, mas não vou entrar em maiores detalhes porque o que desejo arengar hoje é simplesmente o fato de que qualquer bachiano que se preze deve beber CERVEJA hoje. É a bebida correta.
Espero ter sido claro. Um brinde à grande e produtiva vida de Johann Sebastian Bach!