Keith Jarrett e The Köln Concert

Keith Jarrett e The Köln Concert

Com inteira justiça, o pianista, cravista e organista Keith Jarrett é conhecidíssimo e famosíssimo. Este The Köln Concert é um de seus grandes momentos — talvez o maior deles. Jarrett começou sua carreira no jazz com Art Blakey e Miles Davis. Depois foi contratado como grande estrela da ECM, criou dois quartetos, um americano e outro escandinavo, gravou montes de concertos solo, criou um trio com Gary Peacock e Jack DeJohnette, fez esplêndidas duplas com meio mundo, virou pianista e cravista erudito, gravou O Cravo Bem Temperado, os 24 Prelúdios e Fugas de Shostakovich e também Mozart, Barber, Handel, Pärt, etc., sempre com notáveis resultados artísticos. Creio ter intuído a futura carreira erudita do moço quando ouvi um solo dilacerante de Nude Ants (1979) e vaticinei que ele queria mesmo era tocar Bach. Bem, sei lá se ele já estava tocando clássicos em 79. Bom, mas o que interessa é que The Köln Concert é um trabalho fundamental, principalmente o solo inicial de 26 minutos que contém uma súmula do que é capaz Mr. Jarrett.

Detalhando, The Köln Concert é uma gravação de um concerto ao vivo com improvisações para solo de piano executadas por Keith Jarrett na Ópera de Colônia no dia 24 de janeiro de 1975. O álbum em vinil duplo foi lançado em 1975 pela ECM e tornou-se o álbum solo mais vendido da história do jazz e o álbum de piano mais vendido, com mais de 3,5 milhões cópias comercializadas. Não pouca coisa e é justo que assim tenha sido.

O show foi organizado por Vera Brandes, de 17 anos, então a mais jovem promotora de shows da Alemanha. A pedido de Jarrett, Brandes selecionou um piano de cauda Bösendorfer 290 Imperial. No entanto, houve uma confusão por parte da equipe da Ópera e, em vez disso, eles pegaram outro Bösendorfer nos bastidores — um muito menor — e, presumindo que este fosse o solicitado, colocaram-no no palco. O erro foi descoberto tarde demais para que o Bösendorfer correto fosse colocado no local do show a tempo do concerto da noite. O piano que eles trouxeram era destinado apenas para ensaios e estava em más condições e exigia várias horas de afinação e ajuste para torná-lo tocável. O instrumento era pequeno e pouco agudo nos registros superiores e fraco nos registros graves. Os pedais também não funcionavam bem. Consequentemente, Jarrett frequentemente usou ostinatos e figuras rítmicas da mão esquerda durante sua apresentação para dar o efeito de notas de baixo mais fortes e concentrou sua execução na parte central do teclado. O produtor da ECM Records, Manfred Eicher, disse mais tarde: “Provavelmente Jarrett tocou do jeito que tocou porque não era um bom piano. Como ele não conseguia se apaixonar por seu som, ele encontrou outra maneira de tirar o máximo proveito isto.”

Jarrett chegou à Ópera no final da tarde, cansado após uma longa viagem exaustiva desde Zurique, na Suíça, onde havia se apresentado alguns dias antes. Ele não dormia bem havia várias noites, sentia dores nas costas e precisava de um aparelho ortodôntico. Depois de experimentar o piano e saber que o instrumento substituto não estava disponível, Jarrett quase se recusou a tocar e Brandes teve que convencê-lo a tocar, pois o show estava programado para começar em apenas algumas horas. Além disso, Brandes tinha reservado uma mesa em um restaurante italiano local para Jarrett jantar, mas uma confusão da equipe causou um atraso na refeição que estava sendo servida e ele só conseguiu beber alguns goles de água antes de ir para o concerto. Parecia que tudo ia dar errado e, no final das contas, Jarrett decidiu tocar principalmente porque o equipamento de gravação já estava configurado.

O concerto começou às 23h30. O horário tardio era o único que a administração colocara à disposição da jovem Brandes para um concerto de jazz — o primeiro na Ópera de Köln. O show lotou, com mais de 1.400 pessoas pagaram 4 marcos por cada ingresso. E vocês sabem o que é aquilo que ele faz com a mão esquerda logo no começo da música? Aqueles 4 toques meio solenes? Pois é, ele inicia imitando as badaladas do sino que abre a cortina da Oper Haus em Köln, que são inspiradas no toque dos sinos da Catedral de Colônia. Digo a vocês que, apesar dos obstáculos, a atuação de Jarrett foi… Bem, ouçam: É OBRIGATÓRIO.

Jarrett trouxe calma e lirismo à improvisação livre. Nada neste programa foi preparado antes que ele se sentasse para tocar. Todos os gestos e harmonias intrincadas, as linhas melódicas, os gritos e suspiros do homem, tudo é espontâneo. Embora tenha sido um concerto contínuo, a peça foi dividida em quatro seções porque teve que ser dividida para formar os quatro lados um LP duplo.

Pois bem, a partir do momento em que Jarrett dá seus acordes iniciais e começa a meditar sobre as harmonias, construindo figuras melódicas, combinações de glissandos e temas em ostinato, a música mudou. Para alguns ouvintes, mudou para sempre naquele momento. O som íntimo de Jarrett envolveu os ouvintes em sua busca por beleza e significado.

A genialidade de Keith Jarrett é demonstrada não apenas por seu claro domínio da tradição do jazz, mas também em como ele se desvia dela. A gravação de The Köln Concert demonstra a indefinição de fronteiras de gênero usando temas hipnóticos e improvisações sem fim, criando uma experiência quase religiosa para o ouvinte. Apesar de receber críticas desfavoráveis de alguns fãs de jazz mais conservadores, este álbum é certamente um testemunho do notável senso de improvisação, composição e espontaneidade de Jarrett.

Ainda me lembro do meu primeiro encontro com The Köln Concert. Eu tinha uns 20 anos e estava vasculhando as caixas de jazz e eruditos da extinta King`s Discos aqui em Porto Alegre. O Júlio, lendário atendente da loja, colocou um disco para tocar. Quando as notas de abertura começaram a serem ouvidas, pude sentir imediatamente a mudança no ambiente da loja. Os clientes ergueram os olhos e gradualmente concentraram sua atenção na música que saía dos alto-falantes. Então, algo inesperado aconteceu. Um cliente foi até o Júlio para perguntar o que era aquilo. E adquiriu o vinil duplo. Logo um segundo cliente fez o mesmo. O terceiro fui eu. Imaginem meu desespero se acabasse!

Eu ouvia muito jazz, mas o verdadeiro mistério era o motivo pelo qual os outros clientes, que estavam olhando discos de rock e pop, estavam comprando Jarrett. Uma coisa ficou logo muito clara: aquilo não soava como qualquer outra coisa no mundo da música dos meados dos anos 70. Mesmo quando comparado aos álbuns de jazz, o novo som de Jarrett era diferente. Nos anos 70, o jazz estava fazendo coisas pouco acústicas. Chick Corea e Herbie Hancock, por exemplo, estavam com os dois pés no piano elétrico e as bandas fusion pululavam.

The Köln Concert era o oposto. Jarrett não apenas tocava um piano de cauda (cada vez mais conhecido como piano acústico, naquela conjuntura, para diferenciá-lo dos teclados elétricos), mas também com um grau de sensibilidade e nuance que você não encontraria em outro lugar na música comercial. Ele até arrisca certo sentimentalismo, uma franqueza emocional que muitos artistas de jazz teriam se envergonhado de imitar — especialmente em meados dos anos 70, quando a ironia estava em ascensão como atitude cultural.

No entanto, nos meses seguintes, assisti com espanto ao The Köln Concert entrar na cultura mainstream, alcançando um público que eu poderia ter considerado imune ao apelo de um piano.

E Jarrett fez isso violando quase todas as regras da música comercial. As faixas do The Köln Concert eram longas improvisações de fluxo livre gravadas ao vivo em um recital na Alemanha. Elas careciam de estrutura. Pior ainda, eles eram longas demais para serem tocadas nas rádios. A abertura tinha 26 minutos de duração, e as próximas duas faixas tinham 15 e 18 minutos de duração. Apenas o bis de 7 minutos seguiu algo semelhante a uma forma de música divulgável, mas mesmo isso parecia um mundo à parte dos singles de sucesso do dia. Como tornou-se um tremendo sucesso?

Você pode pensar que os amantes do jazz aceitariam facilmente a música. Mas mesmo eles ficaram céticos. The Köln Concert evitava as síncopes e os sotaques familiares que permeavam os outros álbuns de jazz. Muita gente dizia que o disco não soava muito a jazz.

No entanto, de alguma forma Jarrett contornou tudo isso e conseguiu se tornar um sucesso através do método mais antigo de todos, o boca a boca, o contato pessoal com amigos que possuíam o disco. As vendas enormes nem sempre são recebidas com entusiasmo na comunidade do jazz e uma reação foi inevitável. A franqueza emocional da música e seu melodismo descarado deixaram o álbum especialmente exposto à crítica daqueles que sentiam que a forma de arte do jazz exigia algo mais abrasivo. Quando a horrorosa New Age floresceu alguns anos depois, houve inúmeros imitadores de menor talento imitando (e diluindo) a visão estética das improvisações de Köln e talvez até o próprio Jarrett se perguntasse “o que fiz?”.

Eu entendo as críticas dos jazzistas conservadores, mas não concordo com elas. Jarrett fez algo novo (e honesto) naquela noite. Ele criou um trabalho visionário que ainda chama a atenção dos ouvintes de primeira viagem hoje — da mesma forma do que naquele dia em meados dos anos 70, quando o ouvi pela primeira vez em uma loja de discos. A música se manteve, era na verdade muito melhor do que muitos dos projetos carregados de pose e que pareciam muito mais progressivos na época.

Claro, a maioria do público que descobriu Keith Jarrett com The Köln Concert nunca abraçou o resto de sua obra. Eu teria ficado encantado em ver Facing You ou o Concerto de Bremen ou os álbuns dos quartetos de Jarrett do período — e os de outros artistas de jazz merecedores — também encontrarem o grande público. Dessa perspectiva, a promessa de Köln nunca foi cumprida. Mas não podemos culpar Jarrett por isto. E ele certamente também não pode ser culpado por seus imitadores banais, ou repreendido por suas vendas. De sua parte, ele não almejava um disco de sucesso e, ao contrário de muitos de seus contemporâneos na cena do jazz, nunca fez a menor tentativa de impor uma tendência ou mesmo abraçar as fórmulas aceitas de discos comerciais. Além disso, nunca tentou recriar o ambiente especial daquela apresentação. Ele viu aquele dia como um evento único. Simplesmente confiou em sua música, em seu talento, e corajosamente se lançou. E, afinal, não é disso que trata o jazz?

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Este texto estava há certo tempo no meu micro. Não sei exatamente o que é meu, o que é traduzido e o que é copiado. Simplesmente fui juntando e agora tratei de costurar tudo mal e porcamente. Há muita coisa minha, claro, mas peço desculpas antecipadas aos autores originais.

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Armando`s Rhumba e algumas das Children Songs, de e com Chick Corea

Quando surgiu em 1976 no álbum duplo My Spanish Heart, Armando`s Rhumba tinha solo de piano (Corea) e violino (Grappelli), acompanhamento de baixo e bateria e ainda palmas. É impossível pedir a um músico de jazz que mantenha uma composição tal como o original. Com os anos, a parte “rumba” foi ficando cada vez mais breve e Corea foi colocando uma introdução maior e diminuindo o tamanho do resto. Hoje, a rumba quase inexiste, Armando`s Rhumba é totalmente outra coisa mas permanece boa de ouvir. Acho legal a cara dos músicos quando, após a execução, levantam satisfeitos com jeito de “mandei bem”. Corea faz essa cara no filme abaixo.

No seguinte, algumas das Children Songs com Chick Corea e Gary Burton (vibrafone). Vale a pena assistir até o fim. Afinal, em minha opinião, só essas miniaturas bastam para enfrentar as obras de Philip Glass e Michel Nyman — os Paulo Coelhos da música erudita atual — , os quais costumam ser tratados com incompreensível indulgência. Para comprovar, confira a Children Song que começa a 7min55.

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Chick Corea: Children`s Song Nº 6

Desconhecidos enfrentam com competência a famosa Children`s Song Nº 6. A primeira versão é a original para piano.

Ou aqui, se a imagem do You Tube não aparecer acima.

Aqui, dois excelentes violonistas improvisam sobre o tema em vídeo de gosto duvidoso.

Ou aqui.

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