Este é um livro curioso. Parece leve, parece que não chegará a lugar nenhum, mas é poderoso, muito poderoso. Pequenas coisas como estas foi finalista do Booker em 2022 e figurou na célebre lista dos 100 melhores livros do século XX publicada pelo New York Times. A autora Claire Keegan é irlandesa e, como tantos de seu país, tem uma escrita cheia de beleza e suavidade.
O romance é centrado no personagem Bill Furlong. O ano é 1985. Furlong é um pequeno empresário que vende carvão e madeira, mas que não gosta de ficar no escritório, prefere trabalhar num caminhão caindo aos pedaços, fazendo as entregas. É pai de 5 filhas e casado com Eileen. Todos vão à igreja aos domingos. Na superfície de tudo isso, Bill parece estar contente com sua vida e destino. No entanto, conforme Keegan vai desenvolvendo a história, aprendemos que as coisas não são bem assim.
Na cidade há uma Lavanderia de Madalena — também chamadas de Asilos de Madalena –, instituições comuns na Irlanda no século XX. O que eram? Eram essencialmente casas de trabalho para mulheres, especialmente para mulheres jovens e adolescentes que engravidavam fora do casamento. As Lavanderias eram administradas pela Igreja Católica e as famílias lá deixavam suas mulheres para que pudessem esconder suas gestações da sociedade. Uma vez que a criança nascia, ela era frequentemente retirada à força da mãe e posta para adoção. (Após investigações realizadas antes da desativação dessas casas, houve a certeza de que muitas das crianças nascidas nessas lavanderias eram simplesmente mortas). Embora as Lavanderias de Magdalena fossem particularmente severas na Irlanda, estabelecimentos semelhantes existiam em todo o mundo. Como revela o nome, essas casas prestavam serviços de lavanderia para os locais onde estavam implantadas.
Certo dia, quando Bill deixa lenha e carvão na igreja local, ao lado da lavanderia, ele encontra uma adolescente trancada no galpão de carvão. Ela está coberta de sujeira, passa frio e está aterrorizada. Ele a leva para dentro e as freiras recebem a garota e abafam tudo, agindo estranhamente. Tudo o que Bill consegue arrancar da garota é que seu nome é Sarah — o mesmo de sua mãe.
A mãe de Bill, Sarah, era adolescente quando engravidou de Bill. A família Wilson a acolheu e a deixou trabalhar como empregada da casa pagando-lhe uma pequena quantia, além de quarto e alimentação. Todos dizem a Bill que ele deveria ser grato pela gentileza da família Wilson — especialmente quando a alternativa poderia ter sido uma Lavanderia Madalena para sua mãe. No entanto, Bill parece meio cansado de ser grato. Sua frustração parece palpável ao longo do romance.
Enquanto ele constrói uma vida respeitável para si com sua esposa e filhos, a mãe adolescente de Bill é algo de que ele não consegue escapar. De muitas maneiras, ela parece seguir Bill por toda a sua vida e todos, incluindo sua esposa, usam a gravidez adolescente de sua mãe como uma resposta para qualquer momento em que Bill diga algo fora da linha da calma e da paz.
Quando ele vê Sarah no galpão de carvão, aquilo torna-se um fato importante para ele. Não havia serenidade naquele homem tão cordato, mas há paz no romance de Keegan até o final. Aliás, o final é uma joia de tão bem realizado.
Claire Keegan é uma mestra. Ela equilibra tristeza, delicadeza e perplexidade de uma forma extremamente bela. Os ressentimentos de Bill saem das páginas e parecem vivos, pulsantes. Porém, embora o assunto tenso e doloroso, ele alguma forma não é pesado.
Uma frase ecoa em nossa cabeça após a leitura. Ela aparece quando Furlong, meio perdido após suas entregas, pergunta a um homem na beira da estrada onde vai dar aquela estrada:
— Esta estrada vai dar onde você quiser, filho.
Um tremendo pequeno romance.
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Obs.: há um filme homônimo baseado no livro. Bill Furlong é vivido por Cillian Murphy, porém o filme é bem ruinzinho.
