O bom do livro do livro de Orwell não está na descrição da política espanhola de muitas siglas e tendências na época. O bom está no retrato sem maquiagem ou heroísmo da Guerra Civil e nas traições que as linhas tortuosas da política mundial perpetraram contra o governo eleito. Uma frente popular de esquerda tinha sido eleita em 1936 e havia uma reação golpista por parte dos fascistas de Franco. A frente era uma grande aliança de partidos e organizações de esquerda, incluindo anarquistas. A situação na Catalunha era única. As igrejas estavam ocupadas, os garçons não tratavam os clientes por señor porque ninguém era subserviente a ninguém e todos usavam roupas simples para não parecerem mais do que os outros.
Por não aceitar esta reação golpista por parte dos fascistas, Orwell foi lutar na Espanha. O caos imperava e as descrições do relacionamento entre os ingleses e os espanhóis são curiosas. O inglês Orwell sabia manejar uma arma e gostava de pontualidade, enquanto seus companheiros quase se matavam cada vez que limpavam um fuzil. Seus relógios eram meros adornos. Ele esperava disciplina e estratégia, mas só via simpatia, ignorância e fome em seus companheiros. Nada funcionava direito. As armas eram velhas e imprecisas, cuspiam balas para qualquer lado. A trincheira fascista ficava longe, inalcançável a qualquer tiro. As ameaças vinham por alto-falantes.
O livro, muitíssimo bem escrito, é cheio de méritos e informação. Há um olhar de estranheza e encanto de alguém que, pela primeira vez, vê os trabalhadores no poder. Depois, o desencanto é completo.
Semanas após chegar, Orwell foi ferido por um tiro e deixou a frente de batalha, retornando à Barcelona, onde a situação catalã já mudara. A burguesia tinha voltado à tona, assim como os tratamentos de senhoria. Na complexa política da época, o POUM que os trabalhistas ingleses como Orwell apoiavam, teve seus membros perseguidos e mortos pelos comunistas. Na fantasia dos devotos de Stalin, tornaram-se simples trotskistas ou espiões dos fascistas. Orwell e sua esposa conseguiram fugir para a França.
Stalin foi um dos responsáveis pela derrota republicana. Enfraquecida econômica e politicamente — com graves perseguições políticas internas ao pessoal de 17 –, não interessava taticamente à União Soviética que a unidade popular-republicana vencesse na Espanha. Agentes stalinistas assassinaram lideranças importantes da frente popular, fortalecendo indiretamente o fascismo franquista. Franco e o fascismo venceram. No horizonte soviético, estava o pacto de não-agressão assinado com Hitler em agosto de 1939.
Orwell era um homem de esquerda que viu o stalinismo trair a classe trabalhadora. O autor foi utilizadíssimo como anticomunista pela direita. Mal lido, Orwell passou a vida atacando o stalinismo em grandes livros, ao mesmo tempo que desmentia a imprensa, que apresenta Franco e as ditaduras de direita como fossem democracias. Quanto à Espanha, Franco permaneceu como ditador até sua morte em 1975 e Orwell só ganhou seu verdadeiro tamanho de excelente escritor há poucos anos.