Inocência Roubada, de Andréa Bescond e Éric Métayer

Inocência Roubada, de Andréa Bescond e Éric Métayer

O filme chama-se Les Chatouilles (As Cócegas) no original. O título no Brasil? Inocência Roubada, claro.

Bem, mas passemos por cima disso.

Les Chatouilles (As Cócegas) foi escrito e dirigido por Andréa Bescond e Éric Métayer. Trata-se da adaptação para o cinema da peça de ambos The Chatouilles ou La Danse de la colère (As Cócegas ou A Dança do Ódio), vencedora de vários prêmios na França. A história é inspirada no drama da infância e da vida de Andréa Bescond — Odette, no filme –, vítima de violência sexual durante a infância. Na peça original, Bescond fazia todos os papéis. Aqui não, mas o filme guarda um pouco desta característica mantendo, por vezes, mais de uma Odette em cena.

Inocência Roubada está em cartaz no Guion Cinemas — convenhamos, a TV ou o computador de casa só devem ser utilizados quando vemos um filme pela segunda vez, né?

Foto: Divulgação

Claro que é uma história autobiográfica comovente, que nos deixa tensos e indignados. A característica do filme é bater sempre forte, é enérgico que trata a questão sem delicadeza. Mas isto não é uma crítica, pois reflete à perfeição a forma encontrada por Bescond para sobreviver — ficar permanentemente em estado raivoso. O filme mostra o começo de sua vida como dançarina com menos de dez anos de idade, alternado-se com os episódios de estupros de que ela foi vítima. O estuprador era o melhor amigo de seus pais. Um dia, já adulta, Odette cruza pela porta de uma psicóloga e inicia uma terapia para melhorar ou salvar sua vida.

A atuação de Odette/Andréa é agitada e boa, mas o destaque vai para o elenco de apoio. A ótima Karin Viard faz a mãe que não quer ver nada e que não acredita nos estupros. As cenas da mãe acusando a filha de divulgar publicamente fatos que perturbam seu cotidiano — ou seja, sendo extremamente prejudicial, incompreensiva e egoísta — são extremamente violentas e uma resposta dela, enigmática, provavelmente inventada, não tem nenhuma ressonância na história: “Você não sabe o que eu mesmo experimentei “, diz ela, às lágrimas. Viard é tão boa atriz que chega a ser tóxica em sua atuação cega à própria abjeção. Clovis Cornillac faz o pai e Pierre Deladonchamps, o estuprador pedófilo. Carole Franck faz uma terapeuta relutante que hesita em assumir um caso tão pesado.

Demora muito tempo para Odette revelar a seus pais o que aconteceu com ela. Enquanto seu pai mergulha numa penitência impossível, a mãe, como dissemos, rejeita os fatos, recusando-se ver sua filha como vítima, adotando o discurso que aquilo foi há muito tempo.

O assunto é da hora. Bescond e Métayer dão um bom empurrão para que as línguas se soltem ainda mais numa época onde parte das realidades da pedofilia aparecem em plena luz do dia. A pedofilia nos horroriza e requer retrospectiva e reflexão. Visualmente, somos movidos pela energia da dançarina em seu desejo de expulsar o passado. O filme, apesar de obviamente não mostrar nada explícito, criou-me desconforto.

A atriz principal e codiretora Andréa Bescond com Éric Métayer | Foto: Divulgação

O fio da história ziguezagueia entre a infância e a vida adulta, embarca em sonhos e fantasias com a clara intenção de aliviar o peso sobre o público. Mas, como na vida real, a memória e a dor das feridas recebidas recuperam o controle da história. Esta é a força de Inocência Roubada: mostrar a dor em torno da performance instintiva de Andréa Bescond.

O espectador às vezes tem a impressão de participar de um acerto de contas que não lhe diz respeito. Mas é um grito é um grito é um grito que deve ser ouvido.

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O estuprador da General Câmara

Pois meus sete leitores, sou uma pessoa discreta, mas o que posso fazer se as circunstâncias costumam me atrapalhar?

Dia desses, semanas atrás, estava saindo do Sul21 no horário do almoço, acompanhado por colegas. Caminhávamos pelo corredor de nosso prédio em direção à rua, conversando animadamente. Quando dobramos à direita para descer nossa querida Ladeira, a Carmen viu uma amiga e desgarrou do grupo. Fui olhar com quem ela falava e tum!, bati em algo que estava na minha frente. Senti a pancadinha mais ou menos na altura do púbis. Tudo se passou em menos de um segundo: bati em alguma coisa, não vi direito o que era e, no reflexo, tratei de segurá-la para não cair. Quando olhei melhor o que tinha ocorrido, eu estava com as duas mãos na cintura de um sujeito que estava agachado, amarrando o sapato. Deve ter sido uma cena idílica.

Nossa repórter Rachel Duarte, de família materna italiana, é muito pouco silenciosa e deu uma risada que foi ouvida desde a Biblioteca Pública até a Rua da Praia. A vítima ergueu-se rapidamente, não olhou para trás e desceu a rua a toda a velocidade, trotando em marcha atlética. Pude comprovar que, realmente, quem tem, tem medo. Após a surpresa, comecei a rir da reação do moço que estivera em tão comprometedora posição segundos antes.

Mas, porra, como é que o sujeito está em tão boa forma física que amarra o sapato apenas dobrando o tronco? Ah, essas academias! E quem é que mandou ele fazer aquilo no meio da calçada, mostrando-se para todos em vez de encostar-se a uma parede, até porque ficaria mais protegido, não? Na tarde daquele dia, a Rachel me mandou, pelo Facebook, dezenas de fotos de gente amarrando os sapatos, a maioria de costas para a parede.

Que é como se faz essas coisas.

Antes de ir ao tênis, fique de costas para uma parede, por favor. Afinal, EU pode estar próximo.

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