Saiba porque a obra-prima de Scorsese ficará apenas duas semanas em Porto Alegre

Saiba porque a obra-prima de Scorsese ficará apenas duas semanas em Porto Alegre

A Netflix não se importa muito com o antigo modelo de negócios cinematográfico, ela quer é ver seus assinantes felizes e adimplentes. Então, com produção da Netflix, ao custo de US$ 159 milhões, O Irlandês terá somente 2 semanas em cartaz nos cinemas — li em vários lugares que seria apenas uma, mas o Guion confirma duas. Em Porto Alegre, como disse, ele está no Guion Cinemas com exclusividade porque as grandes redes não aceitaram as exigências da Netflix.

E isso ocorrerá no mundo todo. Nos Estados Unidos, por exemplo, apenas 65 salas exibirão o filme. No Brasil, serão 19 salas espalhadas por 15 cidades a partir do dia 14 de novembro. E fim. É claro que a Netflix está mais interessada em promover seu streaming do que as salas de cinema trabalhadas pelas produtoras tradicionais. Mas também está de olho nos prêmios como o Oscar. Então, temos uma pequena chance na tela grande.

O Irlandês narra mais uma uma saga de Scorsese sobre o crime organizado nos Estados Unidos pós-guerra. Contado através da perspectiva do veterano da Segunda Guerra Mundial Frank Sheeran, um assassino profissional que trabalhou ao lado de algumas das personalidades mais marcantes do século 20, o filme aborda o desaparecimento do lendário líder sindical Jimmy Hoffa – e se transforma em uma jornada pelos corredores do crime organizado, com seus mecanismos, leis, rivalidades e associações políticas.

O filme é baseado no livro O Irlandês: Os Crimes de Frank Sheeran a Serviço da Máfia, de Charles Brandt. O livro tem um sugestivo título original: I Heard You Paint Houses, que é uma expressão do submundo do crime dos Estados Unidos, que significa “pintar casas”, melhor dizendo, significa matar, uma gíria derivada do sangue que espirra dos corpos e das cabeças nas paredes contra as quais os mortos se chocam após o impacto dos tiros.

Scorsese fez seus filmes recentes, incluindo O Lobo de Wall Street e O Aviador, na Paramount. Se tivesse feito O Irlandês em um estúdio tradicional de Hollywood, tudo teria transcorrido normalmente, e seria provável que ele aparecesse em um cinema perto de você. Mas a Paramount não se interessou, por causa do orçamento robusto de um filme que abrange décadas.

A Netflix foi a única empresa disposta a assumir o risco do projeto — um filme com ritmo lento de três horas e meia de duração, que conta a história de como o crime organizado se interligou ao movimento trabalhista e ao governo nos Estados Unidos ao longo do século passado.

“A Netflix está recusando uma quantia significativa de dinheiro”, disse irritado John Fithian, presidente da Associação Nacional de Proprietários de Cinemas. “Pense em Os Infiltrados, de 2006. O filme arrecadou US$ 300 milhões em todo o mundo. Garantiu o Oscar de melhor diretor a Scorsese. Ganhou a estatueta de melhor filme. Ficou muito tempo nos cinemas e rendeu uma tonelada de dinheiro. Por que a Netflix não gostaria de gerar receita com isso antes de ir para o streaming? Ele ainda ficaria exclusivo na Netflix”. Ué, mas a Paramount quis esses 300 milhões, né? E quem aceitou investir tem suas regras, não?

Então, como a Netflix quer atrair mais e mais assinantes, daqui a alguns dias o único lugar em que você poderá vê-lo é em casa. Paciência. Pois é claro que o lugar dele é mas telonas.

Mais uma coisa: dizem que a grande cena do filme ocorre só aos 45 min do segundo tempo.

Foto: Divulgação

Inocência Roubada, de Andréa Bescond e Éric Métayer

Inocência Roubada, de Andréa Bescond e Éric Métayer

O filme chama-se Les Chatouilles (As Cócegas) no original. O título no Brasil? Inocência Roubada, claro.

Bem, mas passemos por cima disso.

Les Chatouilles (As Cócegas) foi escrito e dirigido por Andréa Bescond e Éric Métayer. Trata-se da adaptação para o cinema da peça de ambos The Chatouilles ou La Danse de la colère (As Cócegas ou A Dança do Ódio), vencedora de vários prêmios na França. A história é inspirada no drama da infância e da vida de Andréa Bescond — Odette, no filme –, vítima de violência sexual durante a infância. Na peça original, Bescond fazia todos os papéis. Aqui não, mas o filme guarda um pouco desta característica mantendo, por vezes, mais de uma Odette em cena.

Inocência Roubada está em cartaz no Guion Cinemas — convenhamos, a TV ou o computador de casa só devem ser utilizados quando vemos um filme pela segunda vez, né?

Foto: Divulgação

Claro que é uma história autobiográfica comovente, que nos deixa tensos e indignados. A característica do filme é bater sempre forte, é enérgico que trata a questão sem delicadeza. Mas isto não é uma crítica, pois reflete à perfeição a forma encontrada por Bescond para sobreviver — ficar permanentemente em estado raivoso. O filme mostra o começo de sua vida como dançarina com menos de dez anos de idade, alternado-se com os episódios de estupros de que ela foi vítima. O estuprador era o melhor amigo de seus pais. Um dia, já adulta, Odette cruza pela porta de uma psicóloga e inicia uma terapia para melhorar ou salvar sua vida.

A atuação de Odette/Andréa é agitada e boa, mas o destaque vai para o elenco de apoio. A ótima Karin Viard faz a mãe que não quer ver nada e que não acredita nos estupros. As cenas da mãe acusando a filha de divulgar publicamente fatos que perturbam seu cotidiano — ou seja, sendo extremamente prejudicial, incompreensiva e egoísta — são extremamente violentas e uma resposta dela, enigmática, provavelmente inventada, não tem nenhuma ressonância na história: “Você não sabe o que eu mesmo experimentei “, diz ela, às lágrimas. Viard é tão boa atriz que chega a ser tóxica em sua atuação cega à própria abjeção. Clovis Cornillac faz o pai e Pierre Deladonchamps, o estuprador pedófilo. Carole Franck faz uma terapeuta relutante que hesita em assumir um caso tão pesado.

Demora muito tempo para Odette revelar a seus pais o que aconteceu com ela. Enquanto seu pai mergulha numa penitência impossível, a mãe, como dissemos, rejeita os fatos, recusando-se ver sua filha como vítima, adotando o discurso que aquilo foi há muito tempo.

O assunto é da hora. Bescond e Métayer dão um bom empurrão para que as línguas se soltem ainda mais numa época onde parte das realidades da pedofilia aparecem em plena luz do dia. A pedofilia nos horroriza e requer retrospectiva e reflexão. Visualmente, somos movidos pela energia da dançarina em seu desejo de expulsar o passado. O filme, apesar de obviamente não mostrar nada explícito, criou-me desconforto.

A atriz principal e codiretora Andréa Bescond com Éric Métayer | Foto: Divulgação

O fio da história ziguezagueia entre a infância e a vida adulta, embarca em sonhos e fantasias com a clara intenção de aliviar o peso sobre o público. Mas, como na vida real, a memória e a dor das feridas recebidas recuperam o controle da história. Esta é a força de Inocência Roubada: mostrar a dor em torno da performance instintiva de Andréa Bescond.

O espectador às vezes tem a impressão de participar de um acerto de contas que não lhe diz respeito. Mas é um grito é um grito é um grito que deve ser ouvido.

Dor e Glória, de Pedro Almodóvar

Dor e Glória, de Pedro Almodóvar

Gostei muito de Dor e Glória, último filme de Pedro Almodóvar, que vi no Guion Cinemas — convenhamos, a TV ou o computador de casa só devem ser utilizados quando vemos um filme pela segunda vez, né? — e recomendo. Autobiográfico e com linda atuação de Antonio Banderas no papel do cineasta, é um filme delicado e convincente sobre a infância, a pobreza, a glória, o desejo e a relação com a mãe. Jamais pensei que Banderas fosse tão bom ator. Ah, a influência dos diretores…

Dor e Glória coloca Pedro Almodóvar no divã para contar partes da vida de um melancólico diretor de cinema em razão das dores do envelhecimento que o impedem de poder trabalhar. Então, com dificuldades de vislumbrar o futuro, o cineasta revisita seu passado, literalmente e em imaginação, buscando algo que o motive.

Desta forma, é um filme de reencontros para o alter ego de Almodóvar, Salvador Mallo.  Vemos sua infância nos anos 60, vemos quando ele emigra com os pais para Paterna, o primeiro desejo, o primeiro amor adulto e a dor do fim desse amor.

Foto: Divulgação

Menos colorido e engraçado que outros filmes do diretor, Dor e Glória mostra uma pessoa na encruzilhada da aniquilação ou do retorno. É um trabalho bonito. Há  desejo, angústia, perdão, a iminência da morte e a falta de preparo diante dela. Obra low profile, que comove sem subir o tom, Dor e Glória é fala da impermanência e da inconstância, das sempre fugidias relações afetivas. E do que delas segue conosco.

O filme tem uma das mais belas representações da homossexualidade que vi até hoje. A atração do protagonista por homens é mostrada como sua própria identidade. Há os amores adultos, mostrados com clareza, e as sugestões do desejo do garoto pelo pintor adulto. Ah, a belíssima cena da febre, uma preciosidade!

O filme é contido, autoral e de diminuta trama romanesca, contrariamente ao habitual do cineasta.

Banderas, Cruz e Almodóvar este anos, em Cannes | Foto: Divulgação

Alguns reclamaram que este seria um Almodóvar acadêmico e acomodado. Jamais. Dor e Glória é uma obra ousada que, sem vaidades, celebra o passado e mostra a resistência da idade madura, ainda produzindo arte.

Almodóvar diz que nunca se drogou como Mallo. OK. E reclama que as partes fictícias ficaram mais fortes e verdadeiras do que as biográficas. Mas Dor e Glória é autoficção, claro. Ou seja, o cineasta é autor e personagem. O resultado poderia ser uma revisão dos dias de glória, como sugere o título, porém o roteiro concentra-se quase que exclusivamente no que vem após o sucesso: depois de ter filmado seus bem-sucedidos projetos, o que resta a um diretor que sente dores nas costas?

Destaque absoluto para a maravilhosa cena inicial, para a da febre e para a notável atuação de Antonio Banderas — jamais imaginaria que ele seria tão bom ator, um Almodóvar perfeito — e para a luminosíssima Penélope Cruz.

Recomendo muito.

A Crise do Guion e o próximo Godard

SOS GUION – UM CINEMA VIVE DE SEUS ESPECTADORES

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Amanhã completa uma semana que noticiamos a difícil situação dos Cinemas Guion.

Recebemos muitas mensagens de apoio, que nos motivam a seguir em frente e reverter a situação.

Agora, a permanência dos CINEMAS GUION depende de todos!

Nos CINEMAS GUION todo dia é dia de cinema!

Carlos Schmidt

Não adianta, eu sigo gostando muito de Godard, mesmo do mais recente. O trailer de seu último filme, Socialisme, de 2010, vem sendo amplamente divulgado pela rede. Vi todos, mas achei mais bonita a versão curta. Nos outros, fica claro que Godard segue explorando o som — o filme efetivamente parece uma música contínua, como se o diretor fosse um compositor cujas obras fossem constituídas de colagens de trechos musicais, de ruídos e falas — e as imagens são cada vez mais belas e em perspectivas surpreendentes. Fiquem então com o trailer de que mais gostei:

E com um maiorzinho, também sensacional, que mostra o porte e o caráter de Socialisme:

Atenção, cinéfilos de Porto Alegre!

Hoje vou fazer uma propaganda gratuita do Cinema Guion de Porto Alegre. Um dos melhores negócios que fazemos anualmente eu e minha mulher é a assinatura anual do Guion. Quase todos os melhores filmes passam lá, raramente tenho que enfrentar um shopping com gente cheia de pipocas e com aquele cheiro nauseabundo de manteiga. Por quê? Ora, porque 90% do cinema relevante passa lá.

Deste modo, acabo indo no mínimo uma vez por semana a uma das oito salas do Guion. Entro gratuitamente. Bem, não é bem assim: pago R$ 180,00 e entro em todos os filmes que quero, quantas vezes quiser, por um ano. Façamos alguns cálculos:

Se eu for uma vez por semana pagando ingresso: R$ 12 x 52 = R$ 624,00
Se eu for uma vez a cada 15 dias: R$ 12 x 26 = R$ 312,00

Mas pago R$ 180,00. Querem saber a relação de filmes desta semana, por exemplo?

VALSA COM BASHIR, de Ari Folman
A JANELA, de Carlos Sorín
CHE – O ARGENTINO, de Steven Soderbergh
ENTRE OS MUROS DA ESCOLA, de Laurent Cantet
O CASAMENTO DE RACHEL, de Jonathan Demme
DUVIDA, de John Patrick Shanley
A BELA JUNIE, de Christophe Honoré
O LEITOR, de Stephen Daldry
FOI APENAS UM SONHO, de Sam Mendes
X-MEN ORIGENS: WOLVERIN, de Gavin Hood
ELE NÃO ESTA TÃO A FIM DE VOCÊ, de Ken Kwapis

Excetuando-se Gran Torino e ignorando os dois últimos da lista, todo o restante dos filmes “suportáveis” estão aí. Então deixe de ser burro, tá? Ah, e no AeroGuion o estacionamento é grátis!

Resposta a uma dúvida surgida nos comentários: São R$ 180,00 por pessoa. Obviamente, não há promoção para casais, essas coisas.