Nascido há exatos cem anos, Luiz Gonzaga foi o artista que trouxe do nordeste para o resto do país não apenas o baião, o forró e o maxixe; trouxe também ao conhecimento popular a vida do sertão com suas festas, geografia, religiosidade e ritmos. E sua pobreza, injustiças e aridez. A importância de Gonzaga, o Rei do Baião, foi notável para a fixação da identidade nordestina, pois, mesmo construindo uma carreira musical no sudeste, Luiz Gonzaga manteve-se fiel a suas origens. Pernambucano de Exu, nascido numa sexta-feira, 13 de dezembro de 1912, Luiz Gonzaga elevou à qualidade de gênero vários ritmos nordestinos que conseguiram penetrar à princípio nas rádios do Rio de Janeiro, centro de uma indústria fonográfica em florescente naquela época, e depois em todo — ou quase todo — o Brasil.
À primeira vista, a lápide acima pode parecer a de alguém que comprou seu próprio jazigo para não incomodar os familiares com trâmites burocráticos e faz questão de avisar aos passantes sobre a propriedade do túmulo. Acontece muito em comunidades italianas no interior. É caso para orgulho e uma demonstração do altruísmo do futuro morto. Mas o início da frase – “Esta sepultura aguarda o corpo de” – causa no leitor uma sensação de estranheza ou de humor mórbido. O poema de Lila Ripoll complica ainda mais a compreensão, pois põe em dúvida a ocorrência de mortes – no plural e no passado. Porém, todas as nossas impressões se alteram e adquirem seriedade quando sabemos que Cilon Cunha Brum foi uma vítima da ditadura militar brasileira, que é um de nossos desaparecidos e que quem fez a laje tem realmente esperança de que esta, um dia, possa enfim receber seu morto. É o mínimo que um cidadão esperaria de qualquer sociedade.
A foto é de um cemitério de São Sepé (RS) e é mais um detalhe documental do excelente livro Antes do Passado, de Liniane Haag Brum(Arquipélago, 271 páginas), uma raridade na literatura memorialística com foco na ditadura militar brasileira. Em primeiro lugar, por ser excepcionalmente bem escrito e também pelo tom correto adotado pela autora: os fatos e as situações falam tanto por si, todos os detalhes são tão perturbadores que qualquer intervenção de discursos ou de posições políticas viria a prejudicar aquilo que já fica claro pela via da humanidade. E Liniane não avalia nada, apenas relata de forma literária.
Cilon Cunha Brum é tio e padrinho da autora. A única vez que estiveram juntos foi no batizado de Liniane. Cilon, já clandestino em 9 de junho de 1971, foi chamado pelo padre. Saiu detrás de uma coluna, participou rapidamente da cerimônia e voltou a seu posto. Ele era um alto e magro militante do PC do B. Seu apelido era Comprido e todos diziam ser um sujeito solidário, simpático e brincalhão. Gostava também de crianças. No Araguaia é lembrado por seus poços artesianos, pela doutrinação e por sua relação com as crianças, é claro. Perto do final da Guerrilha, entregou-se. A questão do desaparecimento tornou-se um tabu familiar. Ninguém falava a respeito, apesar do pai da autora ter sempre procurado o irmão. Desde 2002, Liniane Brum, que é jornalista da TV Cultura de São Paulo, organizava e saía com uma equipe de reportagem a procura do que houvesse para descobrir. Porém, em 2009, a revista Veja publicou a terrível novidade: Cilon tinha sido morto a mando do então major Sebastião Curió no Araguaia e seu corpo ficara insepulto. Só então Cilon voltou a ser comentado em família. As circunstâncias da morte – Cilon era um prisioneiro fraco, vítima da malária que circulava livremente pela Fazenda Consolação tomada pelo Exército (para onde poderia fugir no estado em que se encontrava?) – revelam assassina necessidade de vingança e, fundamentalmente, desprezo. Segundo testemunhos, ele e dois companheiros foram executados e deixados no local, sob galhos de árvores. As mesmas testemunhas revelam que só foram enterrados depois que o dono da fazenda reclamou do cheiro.
A delicada da prosa de Liniane não recua dos detalhes e há artifícios que potencializam o que há de estarrecedor em Antes do Passado. Liniane usa um formato que aos poucos se revela muito eficiente. Ela joga as informações que colhe – fragmentos e mais fragmentos – na forma de crônicas e depois organiza-as na forma de cartas endereçadas à Vó Lóia, mãe de Cilon, falecida em 1989. Tal recurso funciona sob mais de uma perspectiva: ela não apenas “reorganiza o leitor” como dá uma demonstração do que pode ser dito sem chocar muito. É como se Liniane estivesse limpando o sangue da história a fim de reapresentá-la para suas tias. O efeito é devastador, principalmente quando a autora passa a se desculpar dizendo algo como “Olha, Vó, a senhora não vai gostar do que acabo de saber, mas vou ter que contar”. É o ponto onde a autora não consegue mais lavar o sangue.
Outro grande momento é quando a escritora irrita-se durante o retorno para São Paulo de uma de suas viagens ao Araguaia. Ela se encontra com um moço galante que, ao saber de onde ela viera, apresenta-se com sobrinho de um militar que era o braço direito de Figueiredo no SNI. Seu tio acabara de morrer e ele fora ao enterro para “cumprir tabela”. A situação simétrica, mas inteiramente injusta, deixa Liniane furiosa.
O relato de Liniane também demonstra o quanto a “Guerra” afetou a região do Araguaia e como as pessoas foram usadas e torturadas para auxiliar os militares. Até hoje muitos os temem. Quando são descobertas ossadas, eles, os militares, reaparecem. A população tem medo das entrevistas; afinal, há boatos de que os parentes dos guerrilheiros mortos preparam-se para voltar à região a fim de perpetrar uma vingança pelo colaboracionismo de alguns…
O livro de Brum é um poderoso documento pessoal da história recente do Brasil e torna-se mais potente pelo que possui de mérito literário. O Sul21 conversou rapidamente com Liniane Haag Brum.
Sul21- Há uma tentativa do MPF de abrir um processo contra o Major Sebastião Curió, como tu vês isso?
Brum – É claro que eu acho que é pertinente este gênero de ação. Afinal, há depoimentos e evidências que levam a crer que houve torturas e execuções. Não é um assunto que diga respeito apenas aos familiares. Nós podemos ser o elo de comunicação com os acontecimentos, mas o assunto é da nação. Como digo no livro, há duas fontes que teriam estado presentes na morte do Cilon, ambas vão mais ou menos pelo mesmo caminho. Não creio que seja função minha averiguar o que houve no Araguaia. O que fiz foi uma contribuição, na expressão e no formato que posso dar, para aproximar as pessoas da história numa abordagem literária.
Sul21- Na semana passada, houve manifestações contrárias às comemorações do Clube Militar pelo Golpe de 1964. De certa forma, o assunto da ditadura voltou à tona com força inesperada.
Brum – É verdade. Se a gente tentar ver o que está acontecendo com certo distanciamento – o que é difícil porque estamos imersos no agora – , veremos um momento muito peculiar. Peço desculpas pelo lugar-comum, mas parece que os jovens querem ir à frente passando a limpo uma série de coisas tal como fizeram os países vizinhos. O Clube Militar tem todo o direito de fazer suas comemorações e, a sociedade, tem o direito de reverberar o fato. Há, também, eventos no Memorial da Resistência aqui em São Paulo. Assim como fazem os militares, são chamados palestrantes que fazem exposições. O problema não são os eventos em si, o problema é que, se um vai ficar apenas apedrejando o outro, não se vai avançar. Eu acho que seria ótimo se fosse revogada a Lei de Anistia ou o cumprimento da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA no caso Araguaia. O Supremo Tribunal Federal julgará na próxima quinta-feira, dia 12 de abril, a ação da OAB sobre o cumprimento desta sentença. Vale pressão. Acho bom também ser lembrado que a tortura é crime imprescritível.
Sul21 – O livro relata casos de pessoas do Araguaia que ainda têm medo de falar sobre o início dos anos 70. Como é isso?
Brum – Meu livro não é puramente jornalístico, nem puramente histórico, é a história versus a minha subjetividade, o que não significa dizer que a informação fique desqualificada. O medo das pessoas é um fato indiscutível.É claro que alterei a linguagem para pôr no livro, mas há um medo real. A população participou involuntariamente daquilo que chamam de “guerra”, foram convocados à força. Então, quando chega uma mulher fazendo perguntas, eles se retraem. A população também foi torturada pelos militares atrás de informações que os levassem aos grupos guerrilheiros. Há medo até hoje.
Sul21 – Existe, em São Sepé, o pensamento de que Cilon era um perigoso assaltante de bancos e que recebeu o que lhe era devido?
Brum – Na época, nãohavia um entendimento global do que acontecia e não somente em São Sepé. O tom era mais ou menos assim: “Se o filho do Lino foi morto, imagina o que não terá feito!?”. Isto está no livro para mostrar a época que se vivia. Apesar de que há ainda gente que pensa assim.
Sul21 – Durante o livro, tu estás quase sempre acompanhada de uma equipe de filmagem, há planos para um filme?
Brum – Antes de ser um livro, Antes do Passado, foi um filme… Em 2002, eu planejei um documentário. Na verdade, não tinha muita compreensão do que estava fazendo. Afinal, eu sempre trabalhei com cinema e áudio-visual — hoje em dia, sou editora de TV. Eu pensava em realizar um documentário sobre a Guerrilha, tendo por foco o tio Cilon. Era uma má compreensão das coisas… Comecei a colher e gravar entrevistas. Enquanto isso, estudava literatura, planejei outros livros e, quando foi confirmada a morte do tio Cilon em 2009, resolvi que era um livro. Mas é claro que eu tenho um material imenso gravado e tenho que avaliar o que fazer com ele, apesar de que o livro me satisfaz. O que eu desejava dizer está ali.
Sul21 – E como tu encontraste o tom para o livro, como tu resolveste estruturá-lo numa série de crônicas?
Brum – Eu cheguei nesta forma não brigando com os fatos. Eu tinha só pedaços, não tinha nada inteiro. Primeiro eu resolvi que seria literatura, não apenas um documento ou uma narrativa. Decidi também pela primeira pessoa do singular porque eu seria o elo que tentaria costurar as pontas. E seria a história de uma busca. A forma da crônica me pareceu a melhor para dar mais vida, para fazer com as matérias aderissem melhor ao todo. Retirei muitos trechos de minhas memórias de infância, que não interessavam diretamente e que pretendo usar futuramente numa ficção.
Sul21 – A temperatura emocional do livro sobe muito nas cartas para a Vó Lóia…
Brum – Isso surgiu depois, não estava no projeto inicial. Veio no processo de escrita. Permitiu que eu pudesse falar mais intimamente da família. Achei que aquilo aproximava o tio e a situação famíliar das pessoas. Minha escrita funcionava com muita naturalidade quando eu me dirigia a ela. E era um modo de colocar mais informações para o leitor.
Esta matéria está categorizada como Cultura, apesar de referir-se a uma histórica batalha travada em Los Angeles durante a 2ª Guerra Mundial e que teve seis mortos — três por estilhaços e três por ataque cardíaco. A razão para tal classificação é sua estranheza; afinal, nenhum dos inimigos foi visto pessoal ou fisicamente e nem foi atingido. Hoje, passados exatos 70 anos, emerge a face cômica ou paranóica do episódio. O episódio: a Batalha de Los Angeles foi um incidente ocorrido na noite de 24 para 25 de fevereiro de 1942 quando forças militares dos Estados Unidos abriram fogo contra objetos voadores. Não se sabia o que eram. Os EUA estavam em guerra, temerosos de um ataque japonês à costa oeste e a paranoia grassava.
E era compreensível. O ataque de surpresa à base naval de Pearl Harbor, no Havaí, ocorrera há menos de três meses, em 7 de dezembro de 1941, e os norte-americanos estavam em alerta, aguardando um novo ataque.
Mas não havia somente o receio de um ataque japonês pela costa do Pacífico. A população tinha também extremo temor de extra-terrestres. Fazia menos de quatro anos que o cineasta e ator Orson Welles transmitira na rádio da CBS — em outubro de 1938 — uma adaptação de A Guerra dos Mundos, obra de ficção científica de H.G. Wells, escrita em 1898. Welles colocou ruídos estranhos seguidos de sua voz, empostada e calculadamente amendrontada, narrando uma invasão de Marte a nosso planeta. Eles, os marcianos, estariam em batalha com a polícia em Grovers Hill, local próximo a Nova Iorque. Welles anunciou um número incerto de mortes. Em Nova York, quartéis dos bombeiros, postos policiais, hospitais e redações de jornais foram invadidos por multidões. As pessoas estavam apavoradas. O rádio exercia grande influência na população e todos acreditaram na invasão por visitantes hostis, talvez verdes. Várias pessoas se jogaram de janelas, mas também foram explorados outros gêneros de suicídios. Outras, simplesmente saíram histéricas pelas ruas. Para piorar, Welles pôs no ar uma declaração fictícia do secretário do Interior sugerindo que as pessoas deveriam sacrificar suas próprias existências a fim de fazer prevalecer a vida humana na Terra. Passados alguns minutos, Welles retornou anunciando que os monstros estavam próximos de Nova York.
Menos de quatro anos depois, em Los Angeles, o rádio nem precisou divulgar o fato. Bastaram algumas luzes no céu e 100.000 pessoas foram às ruas e 1400 mísseis antiaéreos do exército americano foram disparados. Nada foi atingido.
A Wikipedia contribui para o humor involuntário ao estampar a seguinte explicação: “Esse caso, possivelmente, foi apenas uma confusão relacionada com a psicose da iminência de ataques japoneses sobre o país, o que gerou grande confusão à época e fez com que entusiastas da ufologia posteriormente, o adotassem como caso ufológico genuíno”. A psicose é um quadro psicopatológico clássico, reconhecido pela psiquiatria, pela psicologia clínica e pela psicanálise como um estado psíquico no qual se verifica certa “perda de contato com a realidade”.
A Batalha
Quem não estava na rua foi acordado pelas sirenes e disparos. Toda a força bélica e os milhares de soldados envolvidos foram inúteis, tudo o que caiu do céu foi aquilo que foi lançado aos ares pela defesa norte-americana. Além dos três mortos, vários automóveis e residências foram danificadas por estilhaços. As autoridades militares não sabiam o que informar à população. As declarações eram bem mais conflitantes do que as da dupla Welles-Wells. Dias depois, não havia mais estimativas confiáveis sobre o número de objetos vistos no céu. Algumas pessoas diziam que era um único objeto que voava a 300 Km por hora. Outros afirmaram que eram vários objetos luminosos. Houve quem afirmasse ter visto esquadrilhas com objetos de tamanhos variados. Tornou-se impossível separar os relatos verídicos das afirmações embaladas pela histeria daqueles dias. Então os militares passaram a negar o ocorrido. Impossível. Sob a a expectativa geral, o então secretário da Marinha, Frank Knox, convocou uma coletiva de imprensa onde afirmou que tudo fora causado por um alarme falso, certamente fruto da tensão da guerra, contudo…
… no editorial do Long Beach Independent, estampava-se a desconfiança: “Existe uma misteriosa reticência envolvendo o assunto e parece haver alguma censura que está tentando impedir as discussões sobre o fato”. Então, após inúmeras contradições, os militares afirmaram que se tratava de uma exótica operação japonesa, realizada através de aviões que tinham como base um submarino capaz de transportar um (1) caça (imagem abaixo), e que tinham o objetivo de causar medo e atingir o moral dos EUA durante a guerra. Impossível encerrar a questão deste modo. Foi criada uma ficção de apoio: houvera também um ataque de um submarino em 23 de fevereiro a instalações de armazenamento de óleo nas proximidades de Santa Bárbara (litoral da Califórnia), o que comprovaria a presença japonesa. Mas também isto logo foi negado. Nada justificaria uma ação desta natureza, em território inimigo, sem qualquer tipo de auxílio próximo — o mar de Los Angeles estava lotado de navios americanos — e sem que existisse qualquer “benefício” imediato. Pensou-se também em balões japoneses que trariam cargas explosivas. Só que um balão seria facilmente atingido e nada caiu, nem foi destruído. Onde estavam os destroços?
A “explicação”
Hoje, os ufólogos tomaram o caso para si. Se não foram aviões nem balões, certamente foi um foo fighter. Tal termo era utilizado por aviadores durante a Segunda Guerra Mundial para descrever fenômenos aéreos misteriosos, considerados OVNIs por eles. O(s) galhofeiro(s) objeto(s) que se desv(iou)(aram) da artilharia norte-americana, negando-se a cair, teria(m) criado “as políticas de acobertamento” de OVNIs, das quais os ufólogos tanto se ressentem.
Entrevistado pelo Sul21, o psiquiatra e psicanalista Cláudio Costa interpreta o fato do ponto de vista comportamental: “A Batalha de Los Angeles é interessantíssima por envolver três mecanismos distintos. Em primeiro lugar, houve o efeito do medo sobre o comportamento da massa — Pearl Harbor tinha acontecido há menos de três meses. A massa obedece as leis do inconsciente, age por impulso, sem lógica ou cronologia, por impulso, sem racionalidade, sem pensar nas consequências e inteiramente contaminada por emoções. A surpresa é que o próprio Exército agiu da mesma forma. Sabe-se que o medo se expressa pela fuga ou pela luta. O povo poderia optar pela fuga descontrolada, mas um exército tinha que lutar, ainda mais que estava fortemente armado. O segundo mecanismo foi a denegação do fato, ou seja, eles não apenas queriam negar que bombardearam um inimigo provavelmente inexistente, mas apagar o acontecido e, principalmente, o que tinham visto. Tentavam fazer valer a lei do ‘não há documento, não houve o fato’, apesar do que todos tinham vivenciado e fotografado. E o terceiro é a criação do mito dos discos voadores, que é a tentativa de explicar algo inexplicável”.
Você, inteligente leitor do Sul21, já imagina como a história termina. Sim, ninguém sabe ao certo o que aconteceu nos céus de Los Angeles naquele 25 de fevereiro de 1942. Ninguém? Nada disso. Os ufólogos sabem.
As fotos e a maior parte das informações foram retiradas do portal Fenomenum. Também foram consultados o Ceticismo Aberto, o Arquivo UFO, a Wikipedia, o YouTube e o site de Bruce Maccabee (análise da foto).