Os Óculos de Ouro, de Giorgio Bassani

Os Óculos de Ouro, de Giorgio Bassani

Espécie de ensaio para o O Jardim dos Finzi-Contini (1962), transformado em (bom) filme por Vittorio De Sica, Os Óculos de Ouro (1958) é uma novela curta, mas densa, parte daquilo que ficou conhecido como o ciclo dos “Romances de Ferrara”, no qual o autor disseca, com elegância e dor contida, a vida moral na Itália fascista, no período de entreguerras. É uma narrativa onde a intimidade do indivíduo e a violência da sociedade lutam em silêncio.

A história gira em torno do Dr. Fadigati, um respeitado otorrinolaringologista que se estabelece em Ferrara — ele é culto, educado, solitário. Traz à cidade um certo glamour, uma elegância que seus colegas não tinham. Mas há algo nele que escapa aos códigos burgueses da cidade. Por que ele não casa com uma das moças da cidade? Já sentiram o problema, né? Os círculos sociais fingem não ver aquilo.

Narrada por um jovem judeu (alter ego do próprio Bassani), a novela alterna o olhar sobre Fadigati e a experiência pessoal do narrador, que também vai se marginalizando por ser judeu num regime que começa a institucionalizar o antissemitismo. Quando Fadigati se envolve com um rapaz da cidade, sua reputação desmorona. O escárnio torna-se implacável. O narrador observa — e se vê espelhado na derrocada do médico. Ambos estão condenados não por suas ações, mas por aquilo que são, diante de um mundo que exige hipocrisia.

(As cenas passadas no trem, onde Fadigati frequentemente viaja com estudantes a fim de passar uns dias em Bolonha — para ver óperas e ter encontros –, são extraordinárias).

Sim, é um livro sobre o preconceito: tanto contra judeus quanto contra os homossexuais. Também sobre a classe média fascista: respeitável e cruel.

Giorgio Bassani (1916-2000) escreve com prosa clara, elegante e melancólica, como quem tenta conter a violência com formas perfeitas. O ritmo é calmo, mas carregado de tensão e afetividade. Nada explode — tudo apodrece. Não é apenas um livro sobre um médico homossexual e um jovem judeu. É, sobretudo, um livro sobre a postura de uma sociedade diante da diferença — e sobre o sofrimento de quem insiste em ser quem é.

Giorgio Bassani (1916-2000)

 

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Só rico lê? Federici, um clássico moderno e um romance brasileiro são as dicas da Bamboletras

Newsletter de 12 de abril de 2021

Olá!

Numa semana em que a Receita Federal declarou que “só rico lê”, devemos apontar o desconhecimento que esta tem de nossa “elite”.

O estudo ‘Retratos da leitura no Brasil’, realizado pelo Instituto Pró-Livro, mostra que as pessoas leem mais hoje do que em 2007 e 2015.

O interesse crescente pela leitura no conjunto da população apenas cai justamente entre os entrevistados definidos como “classe A”, conforme a faixa de renda.

Nesse grupo, que reúne os mais ricos, os que “gostam muito” de ler eram 48% em 2015, e caíram para 42%. Os que gostam “um pouco” eram 42%, e passaram a 41%. E os que não gostam saltaram de 10% para 17%.

Ademais, se os ricos lessem, não estaríamos na situação em que estamos.

Francamente…

Mesmo aos trancos e apesar do governo, a Bamboletras segue e seguirá. E ainda dando dicas. Confira abaixo.

Boa semana com boas leituras!

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O Jardim dos Finzi-Contini, de Giorgio Bassani (Todavia, 280 pág., R$ 69,90)

Um clássico moderno. O destino de parte dos protagonistas deste livro está anunciado nas primeiras páginas: os campos de concentração nazistas. Mas tudo se passa num enorme jardim na cidade italiana de Ferrara. À medida que a Segunda Guerra desponta, a relação da jovem Micòl Finzi-Contini com o narrador deste livro mostra suas limitações. Mas são essas mesmas limitações que fazem desse caso de amor não correspondido um dos mais pungentes da literatura moderna.

 

 

O Patriarcado do Salário, de Silvia Federeci (Boitempo, 208 pág., R$ 49,00)

‘O patriarcado do salário’, da filósofa italiana Silvia Federici, traz ao leitor uma série de artigos que abordam a relação entre marxismo e feminismo do ponto de vista da reprodução social. Retomando diversas discussões presentes nas obras de Karl Marx e Friedrich Engels, a autora aponta como a exploração de trabalhos como o doméstico e o de cuidados, exercido sem remuneração pelas mulheres, teve e tem papel central na consolidação e na sustentação do sistema capitalista. Revisitando a crítica feminista ao marxismo e trazendo para o debate perspectivas contemporâneas sobre gênero, ecologia, política dos comuns, tecnologia e inovação, Federici reafirma a importância da linguagem, dos conceitos e do caráter emancipador do marxismo.

Os tais caquinhos, de Natércia Pontes (Cia. das Letras, 144 pág., R$ 64,90)

Faltava muita coisa no apartamento 402. Mas sobravam muitas outras: caixas de papelão, bandejas de isopor, cacarecos, baratas, cupins, muriçocas, poeira, copos sujos. Abigail, Berta e Lúcio formam um trio nada convencional. Duas adolescentes dividem o apartamento com o pai, um homem amoroso, idiossincrático, acumulador, pouco afeito à vida prática, que torce para que a morte venha logo lhe buscar e dá conselhos incomuns às filhas: “É muito bom sentir fome”. Os tais caquinhos é um romance de formação trágico e comovente, capaz de arrancar risos nervosos. Ao descrever o dia a dia de uma família simbiótica em meio a uma cordilheira de lixo que só faz crescer, Natércia Pontes desenha um fascinante romance.

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