É sempre difícil escrever sobre uma música que amamos muito e que nos faz lembrar fatos pessoais. A primeira coisa que me vem à mente quando penso no Opus 132 foi aquele momento mágico em que eu, sentado na pior sala de meu passado, ouvi iniciar o Allegro Appassionato (último movimento do quarteto) e vislumbrei que, logo aos primeiros compassos, minha filha, aos cinco anos de idade, entrava girando na sala, improvisando uma valsa que dançava sozinha, de olhos fechados, por puro prazer de ouvir a música… Foi tão marcante que hoje soa-me hipócrita dizer que o movimento principal deste quarteto é o imenso Heiliger Dankgesang eines Genesenen an die Gottheit, in der lydischen Tonart, um agradecimento à divindade pela recuperação que Beethoven obteve após grave enfermidade. Mas é, claro que é. O terceiro movimento, com suas duas explosões de alívio é o centro e razão de ser desta grande e fundamental obra.
Quando os últimos quartetos foram apresentados pela primeira vez, não foram bem recebidos pelo público. Ao receber a notícia, Beethoven deu a célebre resposta:
– Gostarão mais tarde.
Como ele sabia que estava escrevendo para o futuro é algo que consigo mais ou menos entender observando a evolução de sua música. Outro fato que chama a atenção é que, estética e conceitualmente, estes quartetos parecem projetar-se na evolução da história da música para colocarem-se quase 100 anos sua época, talvez logo antes dos grandes quartetos de Schoenberg e Bartók. É um mundo à parte. ISTO é Beethoven, e não seus concertos ou sonatinhas iniciais. Ela refere-se aos últimos quartetos, às últimas sonatas para piano, às Diabeli e certamente à Nona Sinfonia. O restante seria grandioso, mas menos pessoal e significativo. Lembro que quando era adolescente, nós tínhamos que nos aproximar destes quartetos respeitosamente e o Dr. Herbert Caro dizia que talvez fosse necessária maior maturidade para que um jovem pudesse entendê-los. Discordo postumamente do grande Dr. Caro, meu amigo e tradutor de Doutor Fausto, da Montanha Mágica, de Auto-de-Fé e outras tantas obras-primas; acho que sempre ouvi o Op.132 e 130 (o último acompanhado de sua Grande Fuga) da mesma forma e o respeito que sempre tive por estes quartetos emanava deles e não de minha atitude. O fato é que o Op. 132 é uma música que passou a fazer parte de mim muito cedo. Eu, um adolescente na casa de meus pais, costumava ficar deitado, antes de dormir, tentando reproduzir nota a nota o terceiro movimento. Cronometrava para ver se chegava perto de seus 15 minutos… Às vezes, pensava conseguir reproduzi-lo por inteiro. Mas nunca ninguém pode comprovar, nem eu.
Dizer mais o quê?
E, aqui, o movimento que minha filha Bárbara dançou por puro prazer numa noite fantasmagórica: