Ontem, fiquei comovido com a beleza e a irreverência de uma pequenina cena do Ulisses (ou Ulysses), na terceira tradução de Galindo. Estava no ônibus voltando para casa. É muito simples e está entre as páginas 385 e 388 do livro da Cia. das Letras e Penguin. O padre Conmee caminha pelas ruas de Dublin pensando nas almas dos negros, pardos e amarelos. São milhões de almas humanas criadas por Deus a Sua semelhança e a quem a fé não tinha sido trazida. Um desperdício, ele conclui. Seus pensamentos obviamente vão até a obra de São Pedro Claver e seguimos pelas ruas acompanhando seus pensamentos.
A passagem de Dom John Conmee tem reflexos nos passantes. O monólogo interior passa de um a outro com extrema leveza. Uma senhora apática, não tão jovem, o vê. Ela pensa: quem poderia saber a verdade? Quem avaliaria se ela tinha ou não cometido adultério por inteiro? Seu confessor? Ela confessaria pela metade se não tivesse pecado por inteiro. Mas só Deus sabia, além dela e do irmão de seu marido.
Depois ele olha uns meninos brincando quando um rapaz surge através de uma fenda que se abre de uma sebe. Bela imagem. Atrás dele vem uma moça com margaridas do campo na mão. Ele põe o boné, ela limpa da saia “com lenta atenção” um graveto que grudou-se ali. O padre abençoa a ambos com gravidade.
No final, uma citação em latim: Principes persecuti sunt me gratis: et a verbis tuis formidavit cor meum. Algo como: e os príncipes me perseguiram sem causa, e no temor de tuas palavras o meu coração. John Conmee foi reitor do Clongowes Wood College, quando Joyce era um estudante lá. Ele também aparece no Retrato do Artista Quando Jovem: Stephen Dedalus o procura após ter sido injustamente punido pelo padre Dolan. Joyce trata o Conmee-personagem com carinho.
É lindo como o sexo liga os personagens em Ulysses. E era isso. Vou trabalhar.