Os Bondes de Porto Alegre

Os Bondes de Porto Alegre

bonde 1957

Nasci em Porto Alegre no ano de 1957. Quem nasceu aqui antes de 1960, certamente andou de bonde. Eu os adorava. Numa época em que as crianças iam sozinhas ao centro da cidade sem a menor preocupação dos pais, ele foi uma de minhas glórias infantis. Com ele, eu ia a todos os lugares que me interessavam; todos no centro da cidade. Para a criança que eu era, o bonde elétrico tinha duas vantagens principais: o preço irrisório e o fato de andar em trilhos. Explico: eu sempre desconfiava que os ônibus, por não andarem em trilhos, poderiam me levar por caminhos desconhecidos de onde não saberia voltar. Já os bondes, por estarem presos àquelas ranhuras de ferro cravadas no chão, davam-me total segurança… Eu era esperto, não?

Ir até o fim linha, no centro, proporcionava ao passageiro uma emoção extra: a de ver o trabalho do motorneiro e do cobrador para o retorno. O bonde era bidirecional; não era, portanto, manobrado e nem havia um local para ele fazer uma curva e retornar. Chegávamos ao fim da linha e voltávamos em direção contrária, apenas mudando de um par de trilhos para outro, vizinho e paralelo ao da vinda. Então, o motorneiro retirava os comandos de um lado do bonde e os levava para o outro, ao mesmo tempo que o cobrador caminhava pelo corredor do bonde com os braços abertos, empurrando os encostos para o outro lado, a fim de que as pessoas não trafegassem de costas. Isto era feito, no centro, em frente ao Mercado Público, de onde foi tirada esta foto da Av. Borges de Medeiros.

Aliás, durante o percurso, os cobradores caminhavam sem parar de um lado a outro do bonde pegando o dinheiro dos passageiros. Em horários de pico, com o bonde cheio, muitos diziam que já tinham pago sua passagem, o que podia gerar curtos e barulhentos bate-bocas. Mas digo por experiência própria que a melhor maneira de não pagar era andar como eu gostava, lá na porta dependurado e sentindo o vento bater no rosto, a uma velocidade máxima de uns 40 ou 50 Km/h, calculo eu. Era o momento de maior emoção, quando podia ficar com um dos braços e uma das pernas no ar. Curiosamente, ninguém achava aquilo perigoso, só umas velhas chatas perguntavam se eu e outros meninos queríamos morrer.

À velocidade máxima, o bonde Brill dava a impressão de que ia desmanchar-se, tal era o barulho. O barulho era esquisito e parecia a mim o de garrafas de leite batendo-se umas nas outras. A gente podia ir ao Estádio dos Eucaliptos (o Beira-Rio é de 1969) ver os jogos do Inter de bonde. Em dias de jogo, com o bonde lotadíssimo, era inacreditável o número de torcedores adultos dependurados nas quatro portas. Ao fazer a curva na esquina da Av. José de Alencar e da Rua Silveiro (a rua do estádio), tínhamos a mais espetacular lição de física que se pode imaginar. Nossos gritos, enquanto tentávamos desesperadamente segurar nas barras do bonde, deviam ser dilacerantes. Lembro de ter superado a força centrífuga criada pela curva com a ponta dos dedos, quase caindo. Mas lembro também de vários que saíam pela tangente, às vezes dando de costas nos paralelepípedos. Estranhamente, era normal; nunca vi o motorneiro da Cia. Carris ser advertido por excesso de velocidade, pelo fato de colocar em risco a vida dos pingentes.

Tudo era maravilhoso naqueles tempos para mim românticos, tempos em que andava livremente de bonde pela cidade enquanto o AI-5 dava respaldo a uma ditadura que torturava presos a uma quadra de minha casa, do outro lado da rua (morava na Av. João Pessoa perto do DOPS – Departamento de Ordem Política e Social). Anos em que o Inter, ao sair dos trilhos da rua Silveiro, mudava-se para o Beira-Rio e o asfalto da Av. Padre Cacique.

bonde porto alegre

Durante o ano de 1961 foram transportados 89 milhões de passageiros em bondes da Carris. Havia bondes belgas, ingleses e norte-americanos. Todos elétricos. Eles existiam desde 1908. Em 1926, já eram mais de cem. Os bondes seguiram operando durante décadas, continuando a arcar com grande parte do transporte de passageiros, que os ônibus pouco a pouco tomavam conta. Finalmente, em 8 de março de 1970, às 20h30, o último bonde fez seu percurso em Porto Alegre. Eu tinha 12 anos e fiquei muito triste, sem entender. Naquele dia, houve solenidade de despedida, à qual compareceram o Prefeito e autoridades.

bonde redencao

Uns burros. Ou espertos, como sabemos hoje da relação do poder público com as empresas de ônibus. Afinal, o serviço da Carris era público.

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Um Mercado Público sem fiscalização a 30 metros da Prefeitura

“Para Fortunati, Porto Alegre não está preparada para combater grandes incêndios”. OK. E a Prefeitura de Porto Alegre está preparada para fiscalizar obras a 30 metros de distância da prefeitura em um prédio, sob sua responsabilidade e sem PPCI há seis anos? Roto falando do esfarrapado?

Fernando Guimarães, no Facebook

Ontem, o Mercado Público de Porto Alegre foi atingido por um incêndio. Desde a minha infância, época em que ele estava mais para um pardieiro, sou usuário do local. A Banca 40, a salada de fruta com nata, o Gambrinus, o Sayuri que eu e minha filha adoramos, as iguarias daquela banca dos vinhos que sempre esqueço o nome — mas nunca de ir lá –, o Café do Mercado, a Tainha na Telha, mais um monte de cafés no lado de fora, as rações para animais, os peixes, a Japesca, sua temaqueria, as casas de religiões africanas, os chás, as ervas, tudo está lá reunido. Difícil sair do Mercado de mãos vazias ou sem algo no bucho.

Também é um local popular, cercado de terminais de ônibus, bem no centro de Porto Alegre. E bem ao lado da prefeitura. Então, bem ao lado da prefeitura, repito, no Centro Histórico de Porto Alegre, tínhamos um prédio histórico e útil, querido da cidade e muito frequentado. Só que o Plano de Prevenção Contra Incêndios (PPCI) do Mercado Público estava vencido há seis anos, há uma gestão e meia. E muita gente devia saber. Faz um mês a Band avisou que os extintores de incêndio, por exemplo, estavam sem vistoria de segurança há pelo menos dez meses e que a prefeitura voltava a prometer uma inspeção. Ontem, pouco adiantariam os extintores internos, mas e o PPCI? Será que a Kiss não funcionou como lição?

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